sexta-feira, fevereiro 27, 2009

O sonho de todos os sonhos

(um epílogo intermediário)

Hoje eu consegui –
sonhei o sonho de todos os sonhos –
mas alguém me disse lá: “Suma daqui!
O Mestre está recebendo a Irmã...”
E eu pensei “pô, nem na sonholândia
eles se livram do gerúndio”,
no entanto, ante meu rosto de pavor,
prosseguiram: “Sim, Ela, a iniludível...”
E então escutei um som de tom-tom tantã
e minha angústia terrível de ivan
me fez crer mais do que cri ser crível
e correr mais do que ainda seria corrível,
e orar ainda mais naquela hora horrível:
– ó, Sonho, soturno caçula da Morte,
permita-me perpetrar bem parcamente
um pobre poema de pequeno porte,
não que eu pense que ninguém se importe,
porém que proponha, simples e pungente,
ó, Sonho, soturno caçula da Morte:
a vida é breve, a arte é longa, a carne é fraca
mas o sonho é forte! –
Naquele instante, o sonho de todos os sonhos
(bem como agora este poema puxa-saco)
teve (tiveram) que sofrer um corte.

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

Como foi o seu sonho? 2: Dormindo de manhã

Sonhei outro sonho,
também muito gordo:
o gosto de Goethe
sorvendo um sorvete,
os dentes de Dante,
Dalí por diante,
sorrindo satíricos
serviam Cervantes
em régias bandejas
de cérebros líricos –

e contudo veio aquele velho todavia,
arruinando até a métrica,
espantando a freguesia,
espanando a poeira mágica
do meu tempo quando,
quando os fantasmas de todas as poetas,
de Safo até Cecília,
selecionavam a trilha sonora
e palpitavam posições para a mobília.

Àquela hora
e naquele lugar,
percebi que já estava de manhã:
ainda delirava,
me achando um terrível czar,
mas ao despertar
vi que eu era só um ivan.

O primeiro de uma série de sete - e todos os sete são na verdade um poema só (Poem for a birthday / Poema a um aniversário)

Who
Quem

The month of flowering's finished. The fruit's in,
Eaten or rotten. I am all mouth.
October's the month for storage.
O mês de floração acabou. O fruto está guardado,
Comido ou pútrido. Sou inteira uma garganta.
Outubro é o mês de armazenagem.

The shed's fusty as a mummy's stomach:
Old tools, handles and rusty tusks.
I am at home here among the dead heads.
O galpão é bolorento feito estômago de múmia:
Ferramentas velhas, manivelas e ganchos enferrujados.
Estou em casa aqui entre as cabeças mortas.

Let me sit in a flowerpot,
The spiders won't notice.
My heart is a stopped geranium.
Deixe eu me sentar num vaso de flores,
As aranhas não vão perceber.
Meu coração é um gerânio interrompido.

If only the wind would leave my lungs alone.
Dogsbody noses the petals. They bloom upside down.
They rattle like hydrangea bushes.
Se apenas o vento largasse meus pulmões em paz.
Recruta fuça as pétalas. Elas desabrocham de ponta-cabeça.
Elas chocalham como arbustos de hortênsias.

Mouldering heads console me,
Nailed to the rafters yesterday:
Inmates who don't hibernate.
Cabeças farelentas me consolam,
Pregadas nas vigas ontem:
Internas que não hibernam.

Cabbageheads: wormy purple, silver-glaze,
A dressing of mule ears, mothy pelts, but green-hearted,
Their veins white as porkfat.
Repolhos: roxos carunchosos, esmerilhados,
Um molho de orelhas híbridas, peles puídas de traça,
Mas os corações verdes, as veias brancas feito banha de porco.

O the beauty of usage!
The orange pumpkins have no eyes.
These halls are full of women who think they are birds.
Oh, a beleza da aplicabilidade!
As abóboras alaranjadas não têm olhos.
Estas salas estão cheias de mulheres que pensam ser pássaros.

This is a dull school.
I am a root, a stone, an owl pellet,
Without dreams of any sort.
Esta é uma escola estúpida.
Eu sou uma raiz, uma rocha, uma pelota de coruja,
Sem sonhos de qualquer espécie.

Mother, you are the one mouth
I would be a tongue to. Mother of otherness
Eat me. Wastebasket gaper, shadow of doorways.
Mãe, você é a única boca
À qual eu seria uma língua. Mãe da alteridade
Devore-me. Basbaque de lixo, sombra de vãos de portas.

I said: I must remember this, being small.
There were such enormous flowers,
Purple and red mouths, utterly lovely.
Eu disse: preciso recordar isso, de estar pequena.
Havia flores tão colossais,
Bocas roxas e vermelhas, totalmente adoráveis.

The hoops of blackberry stems made me cry.
Now they light me up like an electric bulb.
For weeks I can remember nothing at all.
Os arcos das hastes de amora me fizeram chorar.
Agora eles me acendem feito uma lâmpada elétrica.
Por semanas eu não consigo lembrar coisa alguma.

Sylvia Plath
Ivan Justen Santana

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

COMO FOI O SEU SONHO?

Sonhei com um sonho,
um sonho bem gordo,
redondo, balofo,
com cara de Byron
e pâncreas de Poe –
o ar de Baudelaire
roubando Rimbaud.

Porém entretanto
nenhum sonho é uma ilha –

aumentando a redondilha,
um poeta brasileiro,
miserável e banguela
veio pro sonho e falou:
– Essa rima aí é velha!
Tira o sorriso do rosto
e vem jogar gol a gol –
e o gordo: – Não vou, não tiro –
e meu sonho só acabou
com seu último suspiro.

terça-feira, fevereiro 10, 2009

Fidji breque (com direito a tradução)

Então, eu não costumava fazer isso, mas tenho voltado a examinar o que o sitemeter diagnostica das visitas e vistos de página aqui neste humilde tugúrio.

Me agradou muito que volta e meia aparecem visitantes que ficam uns cinquenta minutos por aqui e produzem umas vinte ou mais, vá lá, peidjvíiús (page views) - gosto que não tratem o blog como um diário em que a postagem anterior passou a ser embrulho de peixe, e adoro quando surge um comentário novo numa postagem de três meses atrás.

Esses dias veio alguém de Coimbra, Portugal, e acho que foi graças a uma menção do Rodrigo Garcia Lopes em seu EstúdioRealidade -

coincidentemente, ando lendo e curtindo escritores portugueses (nominalmente, António Lobo Antunes [Os cus de Judas] e Gonçalo M. Tavares [Jerusalém] - e aliás, graças àquele, hoje li uns poemas de Ruy Belo, e saboreei-os com muito gosto).

Então, em homenagem à língua portuguesa (espera aí, deixa eu frisar uma coisa - eu gosto mais que um ou dois me leiam umas vinte ou trinta vezes, do que uns trocentos venham e me leiam uma vez só, sumindo sem deixar vestígios),

enfim, em homenagem à língua portuguesa, deixo aqui a tradução de um poema de Theodore Roethke, um vilancete meio canção de ninar para octogenários (que eu - agora corro o risco de ofender, mas vá lá de novo - que eu associo um pouco ao espírito da cultura portuguesa, um negócio assim meio "archaico" e conservador e ao mesmo tempo visionário e infantil - arre, se é que me entendem...), senão vejamos:

The Waking
A Vigília

I wake to sleep, and take my waking slow.
I feel my fate in what I cannot fear.
I learn by going where I have to go.
Minha vigília é lenta, e velo pra dormir.
Destino eu sinto no que não posso temer.
Aprendo quando vou aonde eu devo ir.

We think by feeling. What is there to know?
I hear my being dance from ear to ear.
I wake to sleep, and take my waking slow.
Pensamos ao sentir. O que é que há pra saber?
De orelha a orelha, escuto o meu ser a dançar.
Minha vigília é lenta, e velo pra dormir.

Of those so close beside me, which are you?
God bless the Ground! I shall walk softly there,
And learn by going where I have to go.
Qual é você, dentre estes, tão perto de mim?
Deus abençoe o Chão, que irei macio trilhar,
E aprender quando for aonde eu devo ir.

Light takes the Tree; but who can tell us how?
The lowly worm climbs up a winding stair;
I wake to sleep, and take my waking slow.
A Planta sofre a Luz; mas quem explica o fim?
O verme vil escala a escada em espiral;
Minha vigília é lenta, e velo pra dormir.

Great Nature has another thing to do
To you and me, so take the lively air,
And, lovely, learn by going where to go.
A Natureza tem outra coisa a cumprir
Comigo e com você; receba então este ar,
E, adorável, aprenda indo onde deve ir.

This shaking keeps me steady. I should know.
What falls away is always. And is near.
I wake to sleep, and take my waking slow.
I learn by going where I have to go.
Este tremor mantém-me firme. Sim, eu sei.
O que perece é sempre. E está perto aqui.
Minha vigília é lenta, e velo pra dormir.
Aprendo quando vou aonde eu devo ir.

Theodore Roethke (1952)
Ivan Justen Santana

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Porque hoje é dia da marmota

No limbo alegre e lúgubre da literatura,
Jorge Luis Borges rosna: "Ninguém me segura!"
e intima o velho John Milton para um páreo duro:

recitar em grego tudo que souber de Homero,
até passar toda a madruga em claro – quero
só ver:
______vai ser uma briga de Joyce no escuro...