terça-feira, junho 29, 2010

Fora da estação (e pela metade), com vocês, um

*
RENGA DE OUTONO

garoa invisível –

finas lâminas que lavam
nossas velhas almas

som de chuva não se vê:
nem se a lua usava luvas

frágeis mãos morenas
penetram a terra negra
buscam a raiz

cavem, cavem, dedos ágeis:
suas unhas fazem medo

na testa gotículas
há pressa na rua escura
meias e uma saia

brandamente as gotas brancas
se transformam: fios de faca

corte – com três lâminas
enfeitou-se um corpo inerte –
sabe mas não sabe

poema de amor na carne
em sutil caligrafia

desenhos que brilham
numa pele que diz: sim
e os corpos se tocam

e como músicos cegos
respiram num só compasso

melodicamente
a pauta foi calculada
e os corpos se tocam

as pedras azuis do ábaco
deslizam para a direita

a crescente luz
os formatos do luar
e o calor sinfônico

joelhos e violoncelos
cicatriz num longo braço

verberam verbenas
na pauta já calculada:
e o som azul chove

o céu imenso em pedaços
nas gotinhas da janela

um gineceu abre-se
um androceu se antecipa:
anteras panteras

as razões de um negro galho
na emoção da flor do ipê


Ivan Justen Santana
Rodolfo Jaruga

4 comentários:

  1. Puxa, que bonito - é de iluminar os olhos...
    Parabéns aos telentosos poetas.

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  2. rodrigo madeira12:13 AM

    maravilha, metrificação e tema.
    ah, o gineceu...


    KIPLING

    "o ato sexual é no tempo o que o tigre é no espaço"
    georges bataille


    pernas abertas num ângulo
    de asa avulsa de um arcanjo.

    no intermeio a pentelheira
    cuja flor é licoreira.

    o gineceu como um grilo
    que – gritinhos por estrídulo –

    da corola dissolvida
    decanta o néctar-saliva

    e convida ao fundo bosque
    onde um triste tigre morre.

    (flowerwoods em meu inglês:
    tired tiger roars and lays.)

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  3. Anônimo2:11 PM

    O Renga é a antecipação artística do cinema, quando o cinema era mudo. Não é?

    rods.

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