segunda-feira, novembro 29, 2004

Deux petites morts pour mon amour

***
LE PREMIER BONHEUR DU JOUR

(Jean Renard / Frank Gerald)

Le premier bonheur du jour
A primeira alegria do dia
C´est un ruban de soleil
É uma fita de sol
Qui s´enroule sur ta main
Que se enrola em tua mão
Et caresse mon épaule
E acaricia minha espádua
C´est la souffle de la mére
É o sopro do mar
Et la plage qui attend
E a praia que aguarda
C´est l´oiseau qui a chantée
É o pássaro que cantou
Sur la branche du figuier
Sobre o ramo da figueira

Le premier chagrin du jour
A primeira tristeza do dia
C´est la porte qui se ferme
É a porta que se fecha
La voiture qui s´en va
O carro que se vai
Le silence qui se instale
O silêncio que se instala
Mais bien vite tu revien
Mas bem veloz você volta
Et ma vie retourn son course
E minha vida retoma seu curso
Le dernier bonheur du jour
A última alegria do dia
C´est la lampe qui s´attend
É a lâmpada em que se confia


Dicionário interlinear: Ivan Justen Santana

***

TEMPO NO TEMPO
(ONCE WAS A TIME I THOUGHT)

(J. Phillips / versão: Os Mutantes)

há sempre um tempo no tempo
que o corpo do homem apodrece
sua alma cansada penada se afunda no chão

e o bruxo do luxo baixado o capucho
chorando no nicho capacho do lixo
caprichos não mais voltarão

já houve um tempo em que o tempo parou de passar
e o tal do homo sapiens não soube disso aproveitar
chorando, sorrindo, falando em calar
pensando em pensar quando o tempo parar de passar

mas se entre lágrimas você se achar
e pensar que está a chorar
esse era o tempo em que o tempo é

domingo, novembro 28, 2004

A Morte da Morte Súbita

Hesitei bastante em matá-la:
afinal, era uma boa morte.

Mas até a morte tem que ter seu fim.

***

40 postagens, média de 12 visitas diárias
(4 a mais que o Depois daquele surto):
este blog vai acabar subitamente assim

agora,
com licença,
vou cantar mais uma canção pra mim


anjo da morte

(Marcos Prado/ Edson de Vulcanis/ Os Catalépticos)

a morte é o último mistério da vida
quando você morre e não esquece de deitar
vira uma forma nebulosa na subida
que vive suspensa em qualquer lugar

além-túmulo haverá vida possível?
zumbem como moscas respostas amorfas
tem muita gente que ainda crê no incrível
dormem acordadas, sonham consigo, levantam mortas

assombrado de estar vivo
a morte é um estado de espírito
sou o ser que quer ser redivivo
sozinho, morto, morto, morto, não consigo

sábado, novembro 27, 2004

Entre parentes

As seguintes canções foram feitas sem influência uma sobre a outra, mas possuem sinistras similaridades siamesas. Confiram, deliciem-se e adotem olhares suspeitos para os sujeitos ocultos e os objetos inanimados.


O PIANO ANDOU BEBENDO

O piano andou bebendo
Minha gravata caiu no sono
E a banda voltou pra capital
A jukebox quer tirar uma água do joelho
E o carpet precisa cortar o cabelo
Já o holofote parece um fugitivo do presídio
Porque o telefone está sem cigarros
E a sacada está na correria
E o piano anda de porre
E os cardápios estão morrendo de frio
E o iluminador é cego de um olho
E não se enxerga com o outro
E o afinador de piano usa aparelho no ouvido
E veio com sua mãe a tiracolo
E o piano está de porre
Porque o leão-de-chácara pratica sumô
E o proprietário tem a mente em miniatura
Com um QI de toco de cerca
Pois o piano anda de porre
E não se encontra a garçonete
Nem com um detetor de radiação
Ela odeia você e seus amigos
E não tem como se servir sem ela
E a bilheteria está babando
E as banquetas estão em chamas
E os jornais se rasgaram de dar risada
E os cinzeiros já se aposentaram
Tudo porque o piano bebeu
Não fui eu, não fui eu...


Tom Waits

versão brasileira: Marcos Prado & Ivan Justen Santana

***

crowley´s home

cresce capim no meu carpet
as cortinas escorrem pela janela
os rodapés sobem pelas paredes
o sofá é tragado pelo piso movediço
outono dos lustres: caem lâmpadas

a estante me hipnotizou e está em posição de ataque
a banheira prepara o bote
a porta da cozinha me mastiga o estômago
a mesa engatinha pelo corredor
a cadeira saltou com os quatro pés no meu peito
sangue jorra pelas tomadas
os quadros fogem da realidade
saio voando pela varanda
saio voando pela varanda
saio voando pela varanda


Marcos Prado & Edson de Vulcanis

quinta-feira, novembro 25, 2004

A volta do eterno retorno II

__
Eu só tenho uma meia vida
Disse o homem radioativo
Antes de levar chumbo


Ivan Justen Santana, Edson de Vulcanis e Francisco Cardoso

terça-feira, novembro 23, 2004

_ _ _ _ _

o azar, depois de muito tempo perdido
entre fichas e baralhos de um cassino
resolveu casar e ganhar um filho
com a sorte, de quem hoje é legítimo marido

para a sorte foi um casamento magnífico
pois cansara de ser uma principiante
com ela, azar seria um homem muito rico
desde que não possuísse nenhuma amante

mas surgiu na história uma tal de probabilidade
e a sorte logo percebeu os jogos de azar
isso reacendeu a velha rivalidade
e, pela sua regra, ela teria que pagar

“azar, vamos colocar as cartas na mesa”
disse, com a garantia de que iria ganhar
“sorte, pela probabilidade, vou perder, com certeza,
mas é nela que eu vou apostar”


(Marcos Prado – o livro dos contrários – 1996)

segunda-feira, novembro 22, 2004

____

dito pelo
não dito,
assino embaixo
do que nunca
foi escrito


(poema de Francisco Cardoso)

esta transcrição foi um oferecimento de

ossurtado.blogspot.com

leia, comente, ame, mate e morra

domingo, novembro 21, 2004

A volta do que não foi lá mesmo

__
sambódromo
central do brasil
metrô do rio
copacabana
arpoador
pedra da gávea
ponte rio-niterói

fui, vi e visitei:
faltou bastante coisa,
principalmente um lugarzinho
onde eu mais queria entrar
e não entrei

***

epílogo:

uma volta triunfante: 13 horas de ônibus,
acotovelado ao lado dum passageiro gordo,
com uma parnanguara falante no assento de trás...

da próxima vez juro que vou de avião,
vestido de terrorista.

sábado, novembro 20, 2004

Certas canções

__

Copacabana me engana

eu sigo chamando, chamando, mas você não me abraça

eu não nasci pra ser o superbacana, mas

enquanto o lobo não vem vamos passear na praça?


sexta-feira, novembro 19, 2004

O tempo vai passando

e minha cabeça roda.

estive no MAC hoje, em Niterói.

Gostei de rodar nesse disco voador:
agora só falta o circo voador...

Amanhã é Copacabana, se o mundo não acabar.

De declínio em declínio
vejo o pó e o esterquilínio:

a arte da perda não é de difícil domínio.

Perdoem o hermetismo, mas não tenho tempo pra explicar:
o tempo aqui no cyber vai se esgotar.

quinta-feira, novembro 18, 2004

Minha alma canta

___
Desafinada, mas canta.

O Rio de Janeiro é psicodélico por natureza.

Vim num ônibus convencional lotado: quarenta e tantas pessoas compõem uma mostra significativa da humanidade inteira: crianças que choram de madrugada, o tradicional chato de galocha que não pára de falar com o passageiro ao lado e tenta vender alguma coisa, mães com filhos no colo, freiras, idosos, casais, enfim, a renca toda.

Chegando perto da rodoviária, passamos ao lado do Galeão: olhei desprevenido pela janela e um avião a menos de cem metros fazia a aterrissagem. Do outro lado, ao longe, o cristo redentor: seria ele mesmo ou uma antena como as outras, nos outros morros? Sei lá.

Ainda não fui pra praia. O clima está fechado. Volto no sábado. Comprei o jornal do brasil. Estou matando as saudades da minha filha, que fez quatro anos: os vizinhos organizaram uma festa bacana: dúzias de crianças, música em alto volume, dança e comilança. Meu mal jeito paranaense levou um drible carioca: já estou internalizando o sotaque: fala mole e dengosa: eu mesmo teria arrepios, se fosse há um tempo atrás.

Hoje São Gonçalo e Niterói. Amanhã, Copacabana, quem sabe. Depois de amanhã é o fim de semana. Sabe lá. O futuro é delírio.

terça-feira, novembro 16, 2004

A quem a poça interessar

***

Minha vida anda maravilhosa e horrível como sempre
Então hoje horrível vou embarcar para a cidade maravilhosa

A idéia é ver minha maravilhosa filha
Depois de sete horríveis meses de distância

Quem sabe eu veja também outra criatura que povoa meus sonhos
Quem sabe não

Será uma viagem maravilhosa
Nessa chuva horrível

E agora uma canção
Maravilhosamente horrível


*cante mentalmente enquanto estiver postando*

Escravos de blog
Blogavam sem parar
Edita
Posta
Deixa ficar

Blogueiros com blogueiras
Fazem
Zigue
Zigue
Zag


*repete refrão até perder a razão*

sexta-feira, novembro 12, 2004

Pai e Mãe

Na postagem de ontem não linkei meu pai e minha mãe:

http://palavradepantera.blogspot.com

Já que não honrei pai e mãe,
acho que um dia vou sem pai nem mãe pro inferno.

III. CÂNTICO DE SÃO JOÃO

(imaginar a cabeça de São João servida numa bandeja, cantando)

O sol que um sobressalto
Apruma para o alto
Em breve redescende
Incandescente

Por um momento a treva
Das vértebras se eleva
Em uníssono passo
Por todo o espaço

Para que esta cabeça
Solitária apareça
No vôo singular
Da foice no ar

Em completa ruptura
Mais repele ou fratura
A desavença antiga
Que ao corpo a liga

Bêbada de jejum
Que persegue nalgum
Salto louco a vogar
Seu puro olhar

Lá no alto onde os cumes
Eternos têm ciúmes
De que possais vencê-los
Todos ó gelos

Mas levada ao abismo
Pelo mesmo batismo
Que elegeu minha sina
Grata se inclina.


(1913)

(quem souber o autor ponha o dedo aqui)

Tradução de Augusto de Campos (1987)

quinta-feira, novembro 11, 2004

Eu sou o homem mosca

>>>

Muito bem: ninguém pediu, mas aqui vai uma postagem quilométrica sobre mim, pra vocês quem sabe entenderem porque esse web log tem o nome esdrúxulo que tem.

Vamos começar tentando relatar o sonho da noite passada, mas nada do estilo Jack Kerouac (Book of dreams), já que pra mim o melhor prosador da geração beat é o William Burroughs, assim como o melhor poeta é o Lawrence Ferlinghetti (o Ginsberg perde de longe).

Acabei de esquecer a primeira parte do sonho: só lembro que então eu estava numa janela e aí como de costume saí voando (é costume quando se trata dos meus sonhos eu esquecê-los instantaneamente, além de olhar por janelas e sair voando como se estivesse nadando no ar).

Logo encasquetei que era o super-homem e precisava apagar um incêndio nalgum lugar (uma tragédia faiscante causada por péssimas instalações elétricas que estavam fritando dúzias de pessoas a cada momento que passava), mas então sobrevoei uma quadra de colégio e lindas garotas estavam praticando handball: maliciosamente voei até a bunda duma delas e engolfei-a nos meus braços (ela parecia estranhamente uma garota carioca que ainda não conheço de vista): dali em diante resolvi esquecer o incêndio que tomava proporções dantescas e me concentrar inteiramente no vôo hipererótico com a belezura, que despi selvagem e aí me enfiei com ela numa espécie de escaninho de concreto bem apertado, onde estávamos, bem, como direi, brincando de bicho de quatro pernas, quando percebi que eu estava mesmo era todo encolhido e suado no sofá da sala do apartamento da minha mãe, onde tenho capotado por uns tempos. Um sonho realmente sensacional... Ah, lembrei da primeira parte:

Eu estava num local próximo ao que parecia ser a Pedreira Paulo Leminski (espaço enorme aqui em Curitiba onde acontecem shows) e escutava os Doors lá no palco da Pedreira tocando uma canção: a canção era do Walmor, o melhor guitarrista que eu já vi tocar na minha frente, e ele estava por ali sem saber direito por que os Doors executavam sua canção: todo mundo (inclusive eu) estava fumando maconha e rindo, e então entramos num carro que ficou lotado e depois subimos ao apartamento não sei de quem, onde olhei pela janela...


Não há motivo nenhum para eu fazer isso agora, mas vou revelar os blogs que leio bem regularmente:

http://intimaloucura.blogspot.com

http://www.monti.blogger.com.br (blog de um amigo meu que confessa que não lê blogs com freqüência: já eu tenho devorado aplicadamente a literatura virtual...)

http://copy-paste.blogspot.com (esse eu recomendo muito, pois é uma espécie de digesto de toda a blogsfera: colam por ali coisas interessantes de outros blogs, então é um bom lugar pra garimpar e vadiar através de textos diversos)

http://orabolas.blogspot.com

http://www.mordida.blogger.com.br (minha banda favorita)


Por último, mas talvez não o suficiente pra matar esse meu surto textual, aqui vai um trecho bacana que achei num livro, e que fala um pouco poética e loucamente sobre como surgem versos na cabeça de uma criatura humana, e fala também simpaticamente duma mosca (não contem pra ninguém, mas eu sou o homem-mosca, da canção da banda Criaturas, que um dia eu vou escrever sobre ela) e (repetindo) fala sobre versos, que são a tônica aqui nesse (na boa expressão de uma amiga minha) blogspício:

"Eis como nasceram os versos. Voltara para casa tarde da noite e, em vez de deitar-me, demorava-me no estúdio onde acendera a luz do gás. Uma mosca, atraída pela claridade, pôs-se a azucrinar-me. Consegui acertar-lhe um golpe, de leve para não sujar-me. Esqueci-a e só mais tarde percebi como, em cima da mesa, lentamente ela começava a reanimar-se. Estava parada, ereta, e parecia mais alta que a princípio, porque uma das patinhas se estropiara e não podia flexionar-se. Com as duas patas posteriores alisava aplicadamente as asas. Tentou mover-se, mas caiu de costas. Endireitou-se e voltou ao seu aplicado mister.

Foi então que escrevi os versos, espantado por haver descoberto que aquele pequeno organismo, penetrado por tamanha dor, fosse orientado em seu esforço ingente por duas convicções errôneas: em primeiro lugar, alisando com tanta obstinação as asas ilesas, o inseto revelava desconhecer de que órgão derivava a dor; além disso, a aplicação de seu esforço demonstrava que em sua mente minúscula existia a convicção fundamental de que a saúde é um dom comum a todos e que devemos fatalmente recuperá-la se a perdemos. Eram erros perfeitamente desculpáveis num inseto cuja vida dura apenas uma estação, e a quem não sobra tempo para adquirir experiência".

(Trecho de A consciência de Zeno, de Italo Svevo. Tradução: Ivo Barroso.)

quarta-feira, novembro 10, 2004

Joachim Du Bellay (*1525 - †1560)

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(mais um soneto em três cores...)


Si nostre vie est moins qu'une journée...


Si nostre vie est moins qu'une journée
En l'eternel, si l'an qui faict le tour
Chasse nos jours sans espoir de retour,
Si périssable est toute chose née,

Que songes-tu, mon ame emprisonnée ?
Pourquoy te plaist l'obscur de nostre jour,
Si pour voler en un plus cler sejour,
Tu as au dos l'aele bien empanée ?

La, est le bien que tout esprit desire,
La, le repos où tout le monde aspire,
La, est l'amour, la, le plaisir encore.

La, ô mon ame au plus hault ciel guidée !
Tu y pouras recongnoistre l'Idée
De la beauté, qu'en ce monde j'adore.

(1550)

***

Se a nossa vida é menos do que uma jornada
No infinito, se o ano quando reinicia
Nos leva os dias só deixando nostalgia,
Se qualquer coisa ao nascer já está condenada,

Com o que tu sonhas, minha alma aprisionada?
Por que te agrada a escuridão do nosso dia,
Se a fim de voar a mais brilhante moradia
Tu tens no dorso essa asa tão bem empinada?

Lá está o bem que todo espírito deseja,
Lá está o repouso que todo mundo almeja,
Lá o amor, lá o prazer também tem o seu canto.

Lá, ó minha alma, guiada ao céu mais altivo,
Reconhecerás ali o Ideal mais vivo
Da beleza, que neste mundo eu amo tanto.


***

Se a nossa vida não passa duma noitada
Comparada ao eterno, se o ano zera os dias
Comendo o tempo sem deixar gosto de nada,
Se carnes hoje quentes logo acabam frias,

Que delírio é esse, hein, minha alma amarrada?
Por que tão alegrinha nas tardes vazias,
Se pra estar pronta pra folia imaginada
Você vai costurando tantas fantasias?

Festa (!) onde a presença de espírito é bem-vinda,
Festa onde há sossego e também o diabo a quatro,
Festa onde existe prazer e existe amor ainda,

Festa, ô minha alma, onde o seu fino trato
Pode reconhecer aquela Idéia linda

Que aqui mesmo no mundo cão eu idolatro.



Versões Brasileiras: Ivan Justen Santana

1997

quinta-feira, novembro 04, 2004

Luís Vaz de Camões (*1525? - †1580)

___

Pensamentos, que agora novamente
Cuidados vãos em mim ressucitais,
Dizei-me: ainda não vos contentais
De terdes quem vos tem tão descontente?

Que fantasia é esta, que presente
Cada hora ante meus olhos me mostrais?
Com sonhos e com sombras atentais
Quem nem por sonhos pode ser contente?

Vejo-vos, pensamentos, alterados;
E não quereis, de esquivos, declarar-me
Que é isto que vos traz tão enleados?

Não me negueis, se andais para negar-me;
Que, se contra mim estais alevantados,
Eu vos ajudarei mesmo a matar-me.


(publicado em 1595)


***

pensamento, meu caro pensamento, me convença
o que penso ser não é o que você pensa

lembro de não pensar tal como antigamente
contente de ter quem o tem tão descontente

no entanto, você vai e vem com este sorriso alegre
que por si só não basta e a mim não serve

nenhum me negue, se pensa em renegar-me
estarei a postos para ajudá-lo a despensar-me


livre adaptação:

Marcos Prado, Sérgio Viralobos e Antonio Thadeu Wojciechowski

(publicado em 1992)

quarta-feira, novembro 03, 2004

A EXIMENINA E A ENDIMENINA

...

Além de não ter cumprido o que escrevi na postagem anterior (amanhã tem mais), vou continuar postergando um soneto de Camões e sua tradução/ atualização, feita por uns amigos meus em 1996. E vou voltar a falar prosaicamente aqui (em prosa mesmo), mas como eu adoro poesia, é prosa sobre poesia.

Ultimamente eu vinha detestando sequer ouvir falar em Augusto dos Anjos, porque além de ser um dos três melhores poetas brasileiros, ele foi muito surrado, repetido, tresrepetido, principalmente aquele soneto que fala da ingratidão (esta pantera), e do beijo que é a véspera do escarro.

Aliás, é com poemas como esse que a gente aprende que poesia não é só aquela viadagem que fazem pra ganhar as mulheres em vez de agarrar logo duma vez, e que pode ser um negócio divertido e aterrorizante, feito música ou cinema.

Só que quem gosta mesmo não pára de achar novos poemas e acaba se enchendo e esgotando (ou achando que esgotou) autores tão bons e clássicos como Augusto, Gregório de Matos, Hilda Hilst, Joyce, Shakespeare, Dante, Cruz e Sousa et caterva ad infinitum.

Mas o Augusto é cabuloso mesmo, eu acabo sempre voltando a ele, ou ele mesmo é que grita das estantes para mim. Foi o que aconteceu esses dias aqui na casa da minha mãe. Eu estava zanzando pelo quarto e umas folhas de apostila do meu irmão na estante me chamaram a atenção: era uma série de sonetos do Augusto (inclusive o famigerado Versos Íntimos).

E o poema que gritou para mim eu ainda não conhecia. Assim, tomo a liberdade de postá-lo aqui (depois de toda essa lenga-lenga dispensável) para o gáudio dos pouquíssimos e santíssimas leitores e leitoras. Bom divertimento, e depois me contem se descobriram o que são a endimenina e a eximenina...


CONTRASTES

A antítese do novo obsoleto,
O Amor e a Paz, o Ódio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!

O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e outra divina
São como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!

Eu sei de tudo isto mais que Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
Junta-se um hemisfério a outro hemisfério,

Às alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz também os caixões do cemitério!...


Augusto dos Anjos

segunda-feira, novembro 01, 2004

Ressaca do Dia das Bruxas

...


Depois de postagens verdadeiramente sentimentais,
e antes de cumprir quaisquer promessas,
vou postar rapidinho uma quadrinha burra,
só pra matar saudade dos velhos tempos.

Amanhã tem mais.

***

A reta saiu pra dar uma volta
e voltou com medo do demo na cruz.
Nada vale mais que uma frase solta:
o último que sair apague a luz.