sábado, outubro 27, 2007

O ano lírico

PRIMAVERIL

Mês de rosas. Minhas rimas
giram para a vasta selva,
a recolher mel e aromas
de flores ora entreabertas.
Vem, amada. O grande bosque
é nosso templo; ali ondeia,
flutua um santo perfume
de amor. O pássaro voeja
de uma árvore a outra e saúda
tua fronte rosada e bela
como a aurora; e os carvalhos
robustos, altos, soberbos,
quando tu passas agitam
suas folhas verdes trêmulas,
e arcam as ramas como
à passagem da princesa.
Oh, minha amada! É o doce
período da primavera.

Olha em teu olhar o meu,
dá ao vento a cabeleira,
e que banhe o sol esse aro
da tua luz alva e esplêndida.
Deixa que me apertem as mãos
as tuas de rosa e de seda
e ri, e mostrem teus lábios
a púrpura úmida e fresca.
E eu te direi minhas rimas,
tu me ouvirás brejeira;
se acaso algum rouxinol
vier e pousar por perto
e contar alguma história
de ninfa, rosa ou estrela,
não ouvirás nota ou trino,
mas, enamorada e régia,
escutarás minhas músicas
destes meus lábios trêmulos.
Oh, minha amada! É o doce
período da primavera.

Ali há uma clara fonte
que brota de uma caverna,
onde se banham desnudas
as ninfas com seus folguedos.
Riem ao som da espuma,
fendem a linfa serena;
entre a poeira cristalina
escovam as cabeleiras
e sabem hinos de amores
na formosa língua grega,
que em glorioso tempo antigo
Pan inventou nas florestas.
Amada, porei nestas rimas
a palavra mais soberba
das frases dos versos todos
dos hinos da língua mestra
e te direi essa palavra
empapada em mel de Hibléia...
Oh, minha amada! É o doce
período da primavera.

Vão em seus grupos vibrantes
voando as muitas abelhas
como um áureo torvelinho
que esta branca luz alegra;
e sobre a água sonora
passam radiantes, ligeiras,
com suas asas cristalinas
as irisadas libélulas.
Ouve: canta a cigarra
porque ama o sol, que na selva
seu pó dourado polvilha
entre essas folhas espessas.
Seu alento nos dá num sopro
fecundo a nossa mãe terra,
com a alma destes cálices
e o aroma destas ervas.
Vês este ninho? Há uma ave.
São duas: o macho e a fêmea.
Ela tem o ventre branco,
ele tem as plumas negras.
Na garganta possui gorjeio,
as asas brancas e trêmulas;
e os bicos que se entrechocam
como lábios que se beijam.
O ninho é cântico. A ave
incuba o trino, oh, poetas!
das liras universais,
a ave pulsa certeira.
Bendito o calor sagrado
que fez brotar as sementes.
Oh minha amada! É o doce
período da primavera.

A doce musa Delícia
me trouxe uma ânfora grega
cinzelada de alabastro,
de vinho de Naxos plena;
e formosa taça de ouro,
a base cheia de pérolas,
para que eu bebesse o vinho
que é propício para os poetas.
Na ânfora está Diana,
real, orgulhosa e esbelta,
com sua nudez divina
em sua atitude cinegética.
Não quero o vinho de Naxos
nem a ânfora de ansas belas,
nem a taça de onde a Cípria
ao galhardo Adônis reza.
Quero beber deste amor
só em tua boca vermelha.
Oh, minha amada! É o doce
período da primavera.

Rubén Darío
versão brasileira: Ivan Justen Santana