domingo, janeiro 29, 2006

Outro soneto de Emiliano Perneta

SÚCUBO

Desde que te amo, vê, quase infalivelmente,
Todas as noites vens aqui. E às minhas cegas
Paixões, e ao teu furor, ninfa concupiscente,
Como um súcubo, assim, de fato, tu te entregas...

Longe que estejas, pois, tenho-te aqui presente.
Como tu vens, não sei. Eu te invoco e tu chegas.
Trazes sobre a nudez, flutuando docemente,
Uma túnica azul, como as túnicas gregas...

E de leve, em redor do meu leito flutuas,
Ó Demônio ideal, de uma beleza louca,
De umas palpitações radiantemente nuas!

Até, até que enfim, em carícias felinas,
O teu busto gentil ligeiramente inclinas,
E te enrolas em mim, e me mordes a boca!

quinta-feira, janeiro 26, 2006

E em vez de respostas, outro surto de lirismo...

vem a noite,
surge a lua:
meu humor muda veloz -

vento quente,
brisa em brasa:
um verão sonhando em nós -

virações
de carnes cruas
no calor da febre atroz -


vibram sons
nas musas nuas
por meu violão feroz -

novamente
as mesmas tramas:
tema em fás, mis, rés e dós -

vingo um não:
minha alma sua -
digo o sim:
minha alma é sua -
e sigo ouvindo sua voz

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Perguntas irrespondíveis (de mim pra mim)

- Ivan, você não vai mais trabalhar?
- Ivan, cadê o seu dinheiro?
- Ivan, você não vai pro Rio de Janeiro?
- Ivan, o que você vai fazer amanhã?
- E depois, Ivan? E depois?
- Ivan, você não vai beber hoje?
- Ivan, você não vai fumar hoje?
- Ivan, você está paranóico com drogas?
- Ivan, sua mente não está uma bagunça?
- Ivan, você percebe que essa postagem está sem estrutura?
- Ivan, você vai terminar de ler o livro do Rilke que parece um blog?
- Vai devolver o livro sem terminar de ler?
- Ivan, você está me ouvindo?
- Ivan, o que vai ser da sua filha?
- Ivan, o que vai ser de você?
- Ivan, você não vai fazer mais uns versinhos?
- Ivan, você vai ao dentista?
- Ivan, que tal jogar um basquete?
- Ivan, será que existe inferno astral?
- Ivan, você está bem?

sábado, janeiro 21, 2006

Toda vez que você me linka

Toda vez que você me linka
Eu sinto um carinho no meu pescoço –
Eu fico bobinho feito quem brinca,
Feito um cachorro escondendo o osso...

Toda vez que você me linka
Eu fecho os olhos e vejo o teu rosto –
Eu sinto o desejo que você sinta
O mesmo prazer no meu nervo exposto...

Toda vez que você me linka
Eu faço versinhos lindos sem fossa –
Eu viro um vampiro na hora em que finca
Dentes sedentos nos seios da moça...

Toda vez que você me linka
Eu fico feliz feito um pinto no lixo –
Eu rio sozinho, me esqueço da rima
E ponho até mais um versinho na estrofe
Toda vez que você me linka...

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Tarde triste lendo

Hoje eu passei a tarde quase inteira lendo.
Sim: lendo o blog contoscanalhas:
dois anos numa tarde:
claro que não li tudo:
algumas postagens mais longas
eu já tinha lido:
então fiquei me culpando:
você nem linkou...
então linko.
Eu ri bastante ali,
ainda por cima porque estou triste.
Muito triste.
Extremamente triste.

terça-feira, janeiro 17, 2006

A quem comentou a postagem anterior:

meus agradecimentos: videm (plural de "vide") o quinto comentário, no qual me reporto a vocês nominalmente, distribuindo (como mandam a justiça e o meu sobrenome) a cada qual o que lhe é devido...

quanto à tarde de hoje, até parece que eu não sei porque escutei pelo menos trinta vezes a seguinte canção de Miguel Gustavo, na interpretação insofismável de Jards Macalé:

E DAÍ ?...

proibiram que eu te amasse
proibiram que eu te visse
proibiram que eu saísse
ou perguntasse a alguém por ti...

que proíbam
muito mais
preguem avisos
fechem portas
ponham guizos
nosso amor perguntará:
e daí?

e daí
por mais cruel perseguição
eu continuo a te adorar:
ninguém pode parar meu coração
que é teu...
só teu...
todinho teu.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

De ida para o passado

no que pensei em voltar
eu já estava ali:
buscando cabular
o dia em que nasci

depois de tudo perdido
e antes de qualquer achado
me flagrei decidido
a faltar ao próprio batizado

assim, pelo sim
ou pelo não
não compareci
à primeira comunhão

velocíssimo
e extremamente lento,
estive dia e noite ausente
na minha festa de casamento

as outras datas todas
suportaram minhas ausências:
passei a vida inteira disposto
a ir às últimas conseqüências

no fim, pro meu enterro,
por meu acerto ou por meu erro
eu até pensei que iria

mas essa jornada
foi imprevistamente adiada
até uma suposta missa de sétimo dia

terça-feira, janeiro 10, 2006

Estranhas dúvidas

Será possível alguém te segurar pelo braço e sugar tuas energias?
Será possível que nesse "pacote" de energias pode entrar a tua vontade de se entorpecer?
Será que é porisso que eu não fumo nem bebo desde o dia 1o. deste ano?
Será que eu deveria prosseguir com a série das musas em vez de fazer essas perguntas cabulosas?
Será que eu devia ter tocado aquela canção ao telefone pra ela?
Será que alguém vai responder alguma dessas questões nos comentários?

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Para minha musa Erato

Eu quis enfim desistir de nós:
Tentei tanto te e me convencer –
Sentia falta de um jeito de terminar...

Então eu disse certamente sei lá,
Afirmei taxativamente um talvez
E escolhi definitivamente um ou.

Hoje acordei, olhei no espelho:
Não estava mais ali quem falou.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

O pior diálogo comigo mesmo que eu jamais consegui escrever

- E aí? Vai postar um diálogo consigo mesmo de novo?
- Não: vou postar um diálogo "não consigo mesmo"...
- Putz: isso também não é novidade: e você sabe...
- Sei? O que?
- Que maltratando assim sua própria pessoa (e sua persona poética), mesmo com toda ironia infinita que você pretende que nunca seja de verdade, você maltrata também as pessoas que gostam de você...
- Eu não consigo evitar: e como você pôde notar, eu tenho escrito cada vez pior, e isso quando consigo...
- Pois é: e além disso faz tempo que você não posta...
- Enfim, quando você diz pra outras pessoas que sua felicidade está com prazo de validade vencido, que você não sabe mais reagir bem a coisa nenhuma, onde quer chegar com isso?
- Eu estive pensando em postar sinceramente, escrever mesmo o que eu penso, mas como você pode ver, não está saindo nada que preste: não consigo nem responder a essa sua última pergunta.
- Você fez ameaças terríveis, foram da boca pra fora porque você tem se revelado incapaz de fazer qualquer coisa até o fim, inclusive aquilo que você sabe que está errado.
- É: eu falei só pra tentar ferir, machucando ainda mais a mim mesmo, apenas por ter pensado a respeito...
- E agora? O que vai ser: o ano mudou de dígito, você nem sequer conseguiu desejar feliz ano novo com sinceridade pra ninguém...
- As perspectivas, eu ia dizer que são ruins, mas a última das atitudes em que estou me refugiando é uma quase-catatonia: nem sequer me entorpecer pra esquecer eu agüento mais. Então não sei das perspectivas. Sei e você também sabe que é necessário mudar de atitude.
- É. Você ouviu esse gato aí no terreno ao lado miando feito um lamento?
- Ouvi: não sou eu, mas eu acho que precisava chorar de um jeito como esse...
- Aconselho você a não reler isso e postar logo, antes que sua conexão discada caia de novo.
- É melhor não reler mesmo: foi tudo escrito de improviso e de novo não consegui dizer mesmo o que eu queria.
- Então poste logo.
- Tá: amanhã quem sabe a gente esteja melhor.
- Não conte com isso: você sabe que a pior hora é a retomada da consciência, o momento de acordar e conseguir se levantar pra enfrentar mais um dia...
- Isso é exagero: o pior é quando alguém fala alguma coisa que te faz lembrar de tudo de uma vez e amargar como que um sal nas feridas.
- Tá: mas você sabe que pode superar qualquer coisa: você é bom.
- Assim você me faz chorar...
- Lágrimas de ironia?
- Não sei. Chega. Vamos dormir que a gente pelo menos ainda sonha.
- Boa noite, grito mudo.
- Boa noite, silêncio ensurdecedor.