e Rodolfo Brandão de Proença Jaruga --
em 27/03/2010, este poema foi apresentado ao público
no Paço da Liberdade / SESC Paraná,
durante o Café, Leite Quente e Poesia,
evento organizado sob a curadoria de Élisson de Souza e Silva]
OS POETAS RECORDAM ESSES VERSOS DE PAULO LEMINSKI E BRUNO TOLENTINO, E CONVERSAM
RODOLFO
Se é assim, se os olhos da razão
só vêem falsos vultos na penumbra
ou sombras num espelho impetuoso
que nos revela a cada instante o nada,
o mar vazio em que se agita em vão
o nosso peito ardente, a nossa dor
mais ancestral de ser e já não ser,
se é assim, eu me pergunto então,
que metro mede o mundo, mede o homem?
Os gritos comovidos com a vida
ou a despótica razão regrada?
IVAN
Nem gritos comovidos nem razão
– seja despótica, seja regrada –
são metros pra medir homem ou mundo,
ao menos não só os gritos e as razões.
Os nossos metros são nossas palavras,
infinitas às nossas vidas breves,
mas breves ao vazio do infinito.
Se o homem viu o mundo e disse: é azul!,
nosso azimute é microvibração,
nossas razões, regras e metros são
pequenos demais. E assim se quebram.
RODOLFO
Talvez sejam palavras nosso metro.
Ou não. Talvez não são senão o chão,
o solo, o fundamento da existência,
o denso sedimento do passado,
o resto do que outrora fora rosto.
Tal como uma araucária se levanta
e estende os braços nus à luz do sol,
mas com raízes garras entre o barro,
talvez assim o ser humano seja;
talvez agarre o seu vazio ao verbo
e busque pelos bosques do instantâneo
a luz, a plenitude do sentido.
Talvez não seja busca, seja fuga.
Porém, há sempre esse caminho ambíguo
de rio que flui sem margens pelo abismo,
sem norte certo que não seja ser.
Ou não?
IVAN
_______Ou sim – enfim: não ser ou ser –
mesmo invertendo, interrompendo o rio
que você vê fluindo pelo abismo,
é impossível escapar desse “ou não”.
Mas seus talvezes já viram certezas:
vamos tentar ser mais certeiros, sim?
Pois sim, o ser humano é uma araucária,
e as palavras são, também, chão e resto:
não custa reafirmarmos fundamentos.
Mas que mais? Além disso, só o silêncio?
O choro da Energia abandonada,
a dor da Força desaproveitada,
o rudimentarismo do Desejo
expostos por esta angústia de Augusto
dos Anjos?
RODOLFO
_________Sim, silêncio entre soluços.
É disso que se faz o labirinto
em que rasteja o ser que sente e pensa.
Silêncio entre soluços, nada mais.
IVAN
Nada mais, não! Tem mais tudo no nada,
tem outras travessias (tricks and treats!),
nos trinques tem truques, tratos e extratos,
tem nonadas, tem até dodecuplicadas!,
que as trucadas não acabam nem quando
terminam. Se Leminski na razão
viu paradoxo triplo – vaziomeiocheio –
e Bruno, Tolentino e tautológico,
viu o vazio espelhando o intelecto,
eu digo que há lá mais atrás do espelho,
através deste cheiovaziomeio
há mais sim que neste texto de e-mail...
Driblemos os depressivos gambitos!
Sacrifiquemos com sempreverboímpeto
até mais ver, mais além, muito mais
mais pra lá que quaisqueres infinitos!...
RODOLFO
Pois sim, há sempre um nada além de tudo.
A cada instante o ser que eu sou desfaz-se
e a cada instância inovo a minha face,
enfrento um velho espelho de absurdos.
E nada ou pouco vale o grito surdo
de um peito emocionado ou a sintaxe
de uma razão aflita, mas capaz.
Além de mim, eu sei, o mundo é mudo.
A razão é um poder que a língua exerce
sobre mim, é uma força que me cria.
A emoção é um poder que se irradia
desde mim, são as falhas do alicerce.
Porém, nem a razão nem a emoção
é o que permite, e exige, a criação.
IVAN
Mas não, não é uma falha do alicerce
a força emocional que move o mundo
e as estrelas. Ela, amor – ou qual quer que se
chame este raio a romper o rotundo
vácuo do saber voltado a si: vértice
se achando círculo – nos mostra que um do
outro dependemos. Por mais que quebrem-se
(e aqui se quebram também forma e fundo)
sintaxes, razões, eixos axiomáticos,
tais tentativas subsumem-se a um sim.
Àquele sim fundamental dos práticos,
a esse sim que nos cala e nos diz sim.
Sem sim, metas e teses, em metástase,
sobram simplesmente sem rima sim.
RODOLFO
Talvez o sim dos sábios, esse sim,
princípio feminino do ocidente,
que escapa aos moles lábios mulheris,
decerto lábios dóceis, porém hábeis,
o sim que traz em si o sêmen da razão
e por que não da emoção também,
o duplo e dúbio e amoroso sim
talvez sucumba mudo e genuflexo
ante o sentido, origem do divino,
e dos humanos o mais alvo fim.
IVAN
Protesto viva e veementemente!
Não venha travestir sim de dublê
e os duplos fiquem lá com Dostoiévski!
Um sim nunca sucumbe genuflexo:
sim sem mudez transcende qualquer sexo!
Pois sim não fica à frente do sentido:
sim é sempre assim o próprio sentido!
RODOLFO
Neste momento da conversa, Ivan,
eu me pergunto qual imagem
nos revelar iria a antinomia
que nós mal começamos a tanger.
Que imagem nos seria a bela síntese
desses conceitos, frouxos pelo tempo?
O pensamento criativo, eu creio,
não é senão o esforço sem sentido
que uma razão emocionada faz
para alcançar as lindes do sentido.
E o sim, que é síntese do verbo,
é só o princípio dessa caminhada
em precipício, nunca é o fim.
Perseguir o sentido é dar sentido
à vida. E o pensamento quando vivo,
tenso, emocionado e racional,
ele tende, ao render-se, a se fazer,
a transformar-se em simples poesia.
E a palavra vai a par do pensamento,
e o destino de uma língua é um poema.
Razão e emoção são condições
do denso pensamento ocidental.
E a imagem que me vem aos olhos
é a de um rochedo negro e impassível
ungido por um mar impetuoso.
As altas ondas de um azul marinho
explodem brancas contra a pedra escura,
carícias de cristal em pele rude,
e as aves, riscos negros espirais,
voam alvoroçadas em alarde,
e o céu parece recurvar-se à cena,
acinzentado, atento ao drama, grave.
E este poeta então entende tudo,
entende que a pesar do enfrentamento,
de todas as contradições ingênuas,
da aflição, das feridas e das dores,
que a pesar do passado em cicatrizes
e de todas as incompreensões,
é tudo um baile a desvelar aos olhos
a beleza de instâncias da existência,
fragmentos do real que se reúnem
sob o auspício arbitrário do sentido.
IVAN
Rodolfo: já respondo a questão-síntese,
mas, antes, tolere aqui que eu me queixe
ao Élisson, o maior responsável
por escolher o tema deste diálogo.
Tentarei ser, conforme o nome: Justen.
Cito Élisson, no e-mail de convite,
diz: “Dentro das temáticas propostas,
e após ler alguns escritos seus,
gostaria de convidar vocês
[sim!] para que declamem poesias
na temática razão x emoção.”
Confesso: quando li isso, pensei:
“Falar em razões e emoções é coisa
daquela cançãozinha do NX
Zero”... Zero foi quanto eu mereci
por pensar assim, tão chão, tão mesquinho.
E o Élisson, destaque-se, escolheu
com base em leituras que fez de nós.
Então, com o tema temos nossa vez
e conforme você versou, Rodolfo,
eis que “mal começamos a tanger
a antinomia”. Que imagem seria
“a bela síntese desses conceitos”?
Entre razões e emoções, qual saída?
É, sim, fazer valer a pena ser
poeta, e escutar de volta a chave
na fechadura da porta. Moramos
na Rua Real Grandeza, sim, cito
agora MACALÉ, Jards. Abram, vejam:
jatos de sangue! Abram, voltem, vejam:
espetáculos de beleza!...
Não penso em dar um corte, nem embromo:
sei com Jards que vale a pena ser poeta,
e isso sei também com você, Rodolfo,
com Waly Salomão, com Tolentino,
com quantos, quantas, poetas aqui!
Você, Rodolfo, e todos nós sabemos:
“apesar das contradições ingênuas,”
você versou tão bem que eu cito mais:
“fragmentos do real que se reúnem”
“e este poeta então entende tudo”
“e o destino de uma língua é um poema”!
O destino de uma língua é um poema:
– isso foi sim muito bem dito mesmo,
pois início, meio e fim são poesia
e assim todas questões são respondidas!
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