terça-feira, março 25, 2008

TRÊS PARCERIAS RESGATADAS

A primeira é com o Thadeu, feita na maior parte por ele, mas tem os meus pitacos por ali;

a segunda é com o Plínio Gonzaga, no bar A Gata Comeu no dia 8 de dezembro de 2006 (início da semana de homenagens ao finado poeta Marcos Prado) – os dois versos finais são praticamente roubados dum poema que fiz com o Francisco Cardoso;

portanto, a terceira é pra tentar compensar o Francisco, mas essa parceria com ele foi só até o verso 9: o resto eu completei sozinho, e espero que ele me perdoe por todas essas gafes...


UMA GARRAFA SEM GÊNIO

A tristeza foi tudo o que sobrou
Pra mim, dentro da garrafa vazia,
Pois muito longe da festa eu estou,
Empobrecendo a rima da poesia.

Há pouco tantos por aqui havia
Brindando aos deuses o sonho do gol
Num estádio lotado de alegria,
E agora nem eu aplaudo o meu show.

Só um hiato cabe em lapso como esse,
O eclipse é total, e a lua, nova,
Mas à luz do verso me salvo nesse

Interlúdio imortal. Perdi o interesse:
Nada como um som indo atrás da prova
De que existe vida além dessa cova!

***

A CAVERNA DO BURACO NEGRO

prados, colinas e ravinas,
penhascos, depressões, vales,
cidades, maremotos, ruínas,
montes, montes e montes –
todos os lugares de relevo
não mexem um pêlo da minha sina,
todas as montanhas de nervos
e os intensos rios de lava
não valem um cabelo que resvala –
eu não celebro aniversários de morte,
a vida é que deve a essa descida –
dobrei todas as esquinas,
me perdi em todas as propostas
e agora até as frentes frias
me deram as costas.

***

ETERNA FEMININA

A mulher, a que afresca o teto do meu crânio
E algarismou meu alfabeto extemporâneo,
A sempiterna e carinhosa companhia
Cujo espinho de cor-de-rosa me amacia
E me amalgama o barro em lava incandescente –
Se me chama, me amarro, sem trava aparente;
Se me incita, e excita a cítara mais avara,
Ela compartilha o todo que amealhara –
Feliz combinação de forma e de intenção:
Um triz de distração na norma rigorosa,
Um quê de seriedade em meio à desrazão,
Um O de boca, um U de bunda, um A de rosa,
__Um E de bela, um I de indecisivamente,
__Que ilude, molha, frisa e ameniza a mente.

terça-feira, março 18, 2008

OUTRO PÁSSARO

Levantei de madrugada com o crânio mais que nada
Rebatendo a velha ladainha que um bebum criou;
Sim, aquela, quem não lembra, a velha marcação da lenda
Duma certa ave agourenta, a qual repete um mesmo som —
A ave vem e pousa lenta, repetindo um mesmo som —
__Invenção do velho Poe.

Eu sabia que era fria refazer noutra poesia
Tal estrofe, já vazia, feito andar na contra-mão;
Entretanto fui caindo, como um sol, me achando lindo,
Imitando outros no fim do indecoroso e bom refrão —
Fui caindo, um sol caindo, repetindo o bom refrão —
__Pra alegrar meu coração.

Só que mais triste eu ficava, minha situação mais brava
E a caneta, mais que escrava, já pedia um fim também;
Pois a métrica tão justa e a cadência tão augusta
E insalubre a quem se assusta custam bem mais que um porém;
Custam mais que um entretanto, que um contudo e que um porém;
__Mas eu não passava sem.

Vi depois, sem sacanagem, que faltava um personagem,
Que os bordões, quando eles agem, não se lançam no vazio;
— Chega de metalinguagem, mude a rima agora em cima,
Tente incrementar o clima e diga onde é que já se viu:
Teus versinhos, sem persona, sempre errando, isso é civil?
__Nisso ouvi, distinto, um: — Psiu!

Ah, viu só? — Eu já sabia: nesta madrugada fria
(Que clichês!) demoraria, mas viriam emoções!
— Emoções são coisa de Emo... — Ou será, por outra, o demo?
— Sei que devo mas não temo remover os travessões
(Na cabeça as tantas vozes me causavam confusões)
__— Tire então os travessões!

Reorganizando a mente, notei repetidamente
Que devia tão somente retraçar os passos meus:
Simplifico os descaminhos, deixo ao léu desvios mesquinhos,
Fico aqui no meu cantinho (mais clichês), mercê de Deus...
Fico bem aqui sozinho, não vai só quem vai com Deus...
__— Não é Deus, mas são teus eus...

Dessa vez eu te descubro, refleti, ficando rubro,
Sem saber se já era outubro, ou talvez nem fosse abril -
Pois o caos era tamanho, dava assim em mim um banho,
E eu perdia o jogo ganho pra saber se alguém ouviu -
Pra saber se mais alguma criatura além ouviu
__O distinto e claro: — Psiu!

Novamente o psiu ressoa, vejo então que a hora é boa
Pra flagrar qual é a pessoa causadora da aflição;
Sem tardança ou qualquer falha se projeta-me esta gralha
Cuja voz atroz se espalha declarando enfim quais são —
Quais são as mais necessárias providências da razão —
__Grita a gralha: — Larga mão!

Hoje nem sei se é tão certa dessa gralha a descoberta:
Largar sempre a mente aberta, largar tudo que é ruim —
Sei que enfim vou aplicando o bem que a gralha disse quando
Flutuou na esfera vã do meu poema tão chinfrim —
Flutuou e o próprio Poe, com tal pasticho tão chinfrim,
__Se torceu na tumba e fim.

segunda-feira, março 10, 2008

TENTANDO COLAR NOVAMENTE OS CAQUINHOS DO ESPELHO DO BANHEIRO

Você voltou pra casa (tá legal: quitinete no centrão nervoso)
Quase correndo porque sabia que um mínimo desvio -
Até um sorriso da vizinha do terceiro andar
Ou a saudação de rotina da porteira ingênua -
Podia estragar a iminência do poema longo -
Você sofreu consciente esse ataque da vida diária,
Ainda é noitinha e o clima ainda é propício,
E você sabe que vai usar o recurso da terceira pessoa
Como se fosse a primeira,
Velho truque de perspectiva já invectivado anteriormente,
Sacado do gibi do Punho-de-Ferro,
Tendo ainda em vista que o texto a ser escrito é quase prosa,
Que o verso longo e sem medida é sinal de explosão e cansaço,
Que depois ao ser postado vai bagunçar tudo por causa da formatação e do comprimento da coluna,
Sabendo sim que nenhum suporte é grande o suficiente pra abrigar a inspiração poética,
Lembrando também de novo e de novo aquele seu poema escrito no rolo de papel higiênico que seria o único a aturar qualquer tamanho de verso quando usado em formato "paisagem",
Percebendo sim que isso está mais pra prosa e que escrever em prosa,
Você já disse uma vez ao Sandrini,
Dá-lhe a sensação de estar traindo a Musa,
Mas até que está musical,
E até vai meio que rimando,
Então toca o pau,
Ivan,
Sim,
Ivan, você sabe que vai usar dessa vez todos os nomes,
Vai aproveitar o embalo destampatório-emocional,
Vai entregar o jogo todo sem disfarce ficcional,
Vai falar da postagem do Pinduca
(que intimidade é essa? Nem você sabe, mas vá lá)
que você leu e lembrou daquela noite de 1999,
homenagem aos dez anos de falecimento do Leminski,
quando você quase recém-ingresso no mestrado na magnífica USP,
recém-ingresso no escalafobético CRUSP e toda a beleza da coisa
(teatro de graça todo fim de semana na ECA,
cinema de graça todo dia no CINUSP,
biblioteca mágica e silenciosa,
sensação de morar no Parque Barigüi em plena Sampa desvairada, etc)
você mal segurou o mal-estar que o Pinduca lhe causou,
com toda aquela ironia em cima dos uspianos,
e anteontem você leu a postagem em que o mesmo Pinduca
faz alguma (enfim, alguma) concessão à academia,
termo sim execrável aos drop-outs e quejandos,
e aos poetas mais ao estilo do Leminski
que era enfim o teu "objeto de estudo"
(e olha a mudança pronominal - teu, seu, você, tu, enfim, foda-se)
enfim,
você nem soube como comentar isso lá na espelunca sem que parecesse
que você é mesmo esse acadêmico,
esse mestre que surtou pra concluir a porra toda,
e você luta pra voltar àquela sensação antiga e boa de escrever poesia,
você luta pra colar novamente os caquinhos do espelho do banheiro,
peleja pra voltar a ser o grande poeta de bosta que você achava que era -
você chegou na quitinete e ligou o computador,
insuportável a pressa de começar a despejar o surto-impulso em verso,
você não agüentou o tempo de inicialização,
pegou um caderno pra não perder o embalo,
não escreveu nada porque nunca aparece uma caneta nessa hora,
é uma das neuroses que você herdou da sua mãe,
e aí achou lá uma página mal-caligrafada pela Joelma:
"Ivan, fomos a praça caminhar
liguei o PC p/ ouvir música
e deu a tela azul"
muito poético, sim, praticamente
um haicai selvagem em estado de animação suspensa,
do tempo que tua filha ainda morava com vocês,
do tempo em que as coisas não estavam condenadas,
tá, você sabe que ainda não estão,
vai rastejando ainda agora,
conseguiu estopar com a canabis diária e o álcool ocasional,
mas vê que anda sempre por um fio pra recair de novo,
está aí acordando cedo,
fazendo exercício,
cozinhando o blog em banho hiper Maria,
traduzindo o Johnny Panic and the Bible of Dreams
& Other prose writings da idolatrada Sylvia,
a suicida favorita de todos e todas,
e isso te remete à Ana Cristina César,
sim,
você acaba de voltar da BPP,
onde perlustrou o Inéditos & Dispersos
e se assombrou com o primeiro poema infantil ilustrado
no qual a protagonista se joga das alturas,
putz, você sabe que não vai se jogar também,
você sabe que está ainda achando tudo horrível e por certo também fabuloso,
você prevê que ainda assim não vai ser sincero o suficiente,
não vai falar (ops, já está falando) que quase se mijou de rir
na lan-house lendo os poemas em parceria
do Thadeu e do Edson,
e que leu o poema mais recente do Thadeu,
sentindo aquele ciúme leproso de
"Porra, quando é que eu vou jorrar versos assim?",
e...
vai, continua!
E a tua vida afetiva que você bagunçou o quanto pôde,
Não vai citar alguma coisa?
Você sabe que não, que elas vão se arrepiar,
Que uma não quer, que outra babaria, que aqueloutra nem me fale,
Mas que no momento você decidiu ficar "um tempo sozinho"
Provavelmente pelo velho egoísmo e crueldade naturais,
Pra poder ir dormir quase chorando feito o covarde fraco que tu és,
E agora a empolgação vai diminuindo,
Você já atacou o teclado a la Bukowski (bata nela, bata na máquina
Feito um boxeador), você sabe que vai quem sabe até editar os inícios de linha
Porque a porra do editor de texto está maiusculizando sozinho de novo,
Você sabe que daqui a pouco vai salvar esse troço no disquete
Sim, você ainda usa o venerado disquinho quadrado,
Vai revisar, vai falsificar aqui e ali,
Mas vai correr até a cyber loja próxima pra postar tudo isso,
Depois voltar pra casa (vide o início),
Ler a Clarice que te anda obsedando,
E o primeiro livro da tetralogia do Rio Apa
Pra complementar leituras do teu hipotético doutorado,
A respeito da Literatura Paranaense, "A Angústia da Existência",
Que você sabe que existe mas que também não existe
Se for considerar o panorama brasileiro,
O qual já é ultra-periférico mundialmente,
O teu estado do Paraná, então,
Periferia da periferia da periferia da periferia,
E ainda assim os livros estão todos lá,
Caindo aos pedaços mas estão lá,
E o texto do Jamil Snege sobre isso, então,
Aquele capítulo do Como eu se fiz por si mesmo,
Não é genial? Não é aquilo mesmo?
Enfim, que nojo de usar esse enfim que você flagra
Quando não é você mesmo que está usando,
Voltando:
Você vai postar esse troço e amanhã já vai acordar pensando
Se alguém comentou, se o Pinduca tomou conhecimento:
Porra, você quer o quê?
Quer voltar sim a ser considerado gênio
Do jeito que você sabe que não é,
Quer repercussão, quer ser amado e odiado
(você já é, isso não é tão difícil assim)
enfim,
de novo,
você tentou voltar com tudo (e contudo...)
não disse nem metade do que queria,
ou talvez um pouco mais do que queria ou podia,
ou seria capaz,
e agora, rapaz,
agora é hora de encerrar a sessão de descarrego
e ir até o mercado buscar os teus limões do bem,
antes passar no cyber-treco e postar essas,
essas...
você sabe que tem que mandar alguma artilharia pesada aqui,
no final: esse é o final -
você disfarça,
olha pra janela,
nenhum Esteves vai te dar Adeus,
a paisagem urbana é aquela mesma, sim, aquela
e existe apenas o cansaço da noite de um dia fácil/difícil,
existe a possibilidade do sorriso,
a auto-complacência,
o momento em hífen que aguarda a próxima palavra,
e, eventualmente, alguma rima boa por ali à toa
que ainda te abençoa
e te escalavra.