sexta-feira, julho 31, 2015

QUIETO

(na paquera de Faena Figueiredo Rossilho)

Quieto, faço o ego ficar quieto
ouvindo a lua cheia.

Meu coração bate no teto,
escuta faísca e incendeia.

Procura aquele coração:
seu grão: seu grão-vizir:

e a amada na estação
vê um céu fugir.

ijs
*

sexta-feira, julho 10, 2015

Dois poemas "meus" para Faena Figueiredo Rossilho

*
VERIFICAÇÃO DE IDENTIDADE

Este não é Dante.
Esta é uma foto de Dante.
Este é um filme em que um ator finge ser Dante.
Este é um filme com Dante no papel de Dante.
Este é um homem que sonha com Dante.
Este é um homem chamado Dante que não é Dante.
Este é um homem que imita Dante.
Este é um homem que se faz de Dante.
Este é um homem que sonha que é Dante.
Este é um homem que é a cara escarrada de Dante.
Esta é uma imagem de cera de Dante.
Este é um sósia, um duplo, um gêmeo.
Este é um homem que pensa ser Dante.
Este é um homem que todos, salvo Dante, pensam ser Dante.
Este é um homem que todos, salvo ele mesmo, pensam ser Dante.
Este é um homem que ninguém pensa ser Dante, salvo Dante.
Este é Dante.

***

POR QUE OS POETAS MENTEM: MOTIVOS ADICIONAIS

Porque o momento
em que a palavra feliz
é dita
nunca é o momento da felicidade.
Porque o sedento não traz
aos lábios sua sede.
Porque pela boca da classe operária
não passa a expressão classe operária.
Porque quem se desespera
não tem vontade de dizer:
"Estou desesperado."
Porque orgasmo e orgasmo
estão a mundos de distância.
Porque o moribundo, em vez de declarar
"estou morrendo", estertora apenas
um gemido baixo
e, para nós, incompreensível.
Porque são os vivos
que enchem o ouvido dos mortos
com suas notícias atrozes.
Porque as palavras sempre chegam
tarde demais ou cedo demais.
Porque é um outro,
sempre um outro,
quem fala
e porque
aquele de quem se fala
silencia.
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textos originais: (ERKENNUNGSDIENSTLICHE BEHANDLUNG e WEITERE GRÜNDE DAFÜR, DAS DIE DICHTER LÜGEN)
Hans Magnus Enzensberger

traduções: Nelson Ascher

fonte: Poesia alheia; 124 poemas traduzidos. [tradução e organização: Nelson Ascher] Rio de janeiro: Imago, 1998 [pp. 314-17]

digitação e curadoria: Ivan Justen Santana
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