segunda-feira, maio 30, 2011

ENCHO TUA TAÇA

Encho tua taça até o topo.
Encho teu copo até a graça.
Ser feliz é o nosso escopo.
Escapo como você faça.
Desgraça cá pra nós é pouco.
Nem todo tapa vale um soco.
O que mais você quer?
Eu quero um abraço
de urso sincero
pro gaiteiro louco
e um chute no saco
valendo zero
de troco.

Antonio Thadeu Wojciechowski
Ivan Justen Santana

quarta-feira, maio 25, 2011

ABRIGO DA TEMPESTADE

(SHELTER FROM THE STORM, Bob Dylan)

Aconteceu noutra vida, uma de sangue, esforço e drama
Quando a escuridão era virtude e a estrada, apenas lama
Eu vim dos sertões selvagens, um tipo sem identidade
“Entra,” disse ela, “eu te dou abrigo da tempestade”

E se eu passar aqui de novo, considero contada essa fava
Farei sempre o melhor por ela, empenho minha palavra
Neste mundo de ímpia morte, homens lutando sem irmandade
“Entra,” disse ela, “eu te dou abrigo da tempestade”

Nenhuma frase troquei com ela, arriscado qualquer assunto
Tudo até aquela altura foi deixado irresoluto
Imagine um lugar tranquilo, sempre seguro de verdade
“Entra,” disse ela, “eu te dou abrigo da tempestade”

Eu estava gasto, totalmente exausto, alvejado de granizo
Envenenado das veredas e das trilhas sem mais siso
Caçado como um crocodilo, estraçalhado na vontade
“Entra,” disse ela, “eu te dou abrigo da tempestade”

Súbito virei para trás e lá estava ela, sem apelos
Com braceletes de prata nos pulsos e flores nos cabelos
Ela veio a mim, graciosa, limpou-me as marcas da maldade
“Entra,” disse ela, “eu te dou abrigo da tempestade”

Agora há um muro entre nós, algo havia e se perdeu
Tomei tudo como certo, e o erro acho que foi meu
E pensar que tudo começou numa manhã já sem saudade
“Entra,” disse ela, “eu te dou abrigo da tempestade”

O delegado anda sobre brasas e o pastor escala morro
Mas nada mais importa muito, os destinos não têm socorro
E o coveiro funerário sopra a trompa da futilidade
“Entra,” disse ela, “eu te dou abrigo da tempestade”

Já ouvi recém-nascidos chorarem como aves de agouro
E velhos de dentes quebrados, sem amores, sem tesouros
Se entendi sua questão, amigo, não há mais fé nem bondade
“Entra,” disse ela, “eu te dou abrigo da tempestade”

Numa vila sobre a colina, apostaram minhas vestimentas
Barganhei por salvação e me deram venenos de ação lenta
Ofertei minha inocência, paga com desprezo e crueldade
“Entra,” disse ela, “eu te dou abrigo da tempestade”

Estou vivendo no estrangeiro, mas prestes a cruzar a fronteira
A beleza vai no fio da navalha, um dia será minha parceira
Se a quando Deus e ela nasceram eu voltasse a realidade
“Entra,” disse ela, “eu te dou abrigo da tempestade”

Versão Brasileira: Ivan Justen Santana
*

domingo, maio 22, 2011

PROPRIAMENTE

Estranha voz diz: devo parecer alguém.
Mas se eu já fosse alguém, pareceria um outro.
Que diferença faz eu ser montanha ou toco?
Se tropeçar em mim, morro sem ir pro além.

Nem toda sílaba perdoa quem faz bem.
Nem toda letra soluciona um verso solto.
É bem possível que este esteja muito louco:
Sem dor sem cor sem som sem bem sem nem sem sem.

Então tornemos ao começo dessa história.
Nem todo deus existe só em nossa memória.
Àquele que nos escolheu, velas acesas,
Desde que ceda a todos todas as riquezas.

Antonio Thadeu Wojciechoski
Ivan Justen Santana

*

segunda-feira, maio 16, 2011

CURITIBA EM LOS ANGELES: PROVA DO CRIME

Cliquem aqui e vejam Adam Cahan lendo o poema a seguir, em Los Angeles, e mencionando esse time de poetas curitibanos, ao som de Human Language, do rapper californiano AC Alone

À ALTA CLASSE CULTURAL CURITIBANA
Ivan Justen Santana
TO THE HIGH-CLASSED CULTURED FROM CURITIBA
(Translated by the author)

Quem vai a toda parte,
vai a Alexandria e à França,
vaiaria as grandes artes
(música, letra e dança)
do Alexandre França?
One who travels the world (all its parts),
who travels to Alexandria and to France,
would he or she hiss at the great arts
(songs, plays and dances)
of Alexandre França?

E quem destrói de novo as Tróias
mas já foi a um de noivos cursilho
desconstruiria as canções do Troy Rossilho?
And one who destroys all Troys and Ylions
but who bends and knees to his received religion,
would he deconstruct the songs of Troy Rossilho?

E quem não se alivia e não espanta o tédio
ouvindo Lívia e os Piá de Prédio?
And who is not relieved and away from boredom
by listening to Lívia e os Piá de Prédio?
(Lívia and the Boys in the Condo)

Sei que aquela criatura
que não escanhoa a barba
nem bebe um mate amargo (feito eu)
agadanhará o CD-livro Língua Madura
de Octavio Camargo, Bárbara & Thadeu.
I know for a fact that he who shaves correctly
and doesn’t drink a sour mate [´Ma:te] (a kind of tea)
like me he will buy the Book-CD Língua Madura
(Mature Tongue), from Octavio Camargo,
Bárbara & Thadeu (The Polack from Barreirinha!)

Então não me xingues nem te vingues
e nunca tentes me dar de talho
se eu leio os versos do Mario Domingues
e as lascas do Ricardo Schmitt Carvalho,
e não pense que é lasqueira
se eu tolero e curto as duchas do Ricardo Corona,
e envernizo os livros do Rodrigo Madeira,
bem como os do Adriano Smaniotto
e os do Edson Falcão –
um é imperador, sem ser escroto,
e o outro, filósofo, fez sua lição –
todos estes sabemos o quanto é fabuloso
ler trabalhos críticos e poéticos do Adalberto
Müller e do Maurício Mendonça Cardozo,
os quais não seriam o que são hoje
não fossem mestres da altura de Marcelo Sandmann,
Benito, Bueno, Tezza, Venturelli, Winck,
e outros doutos doutores da UFPR...
So do not plan revenge nor send me curses
and never dare attack me with your tallyho
if I read from Mario Domingues his verses
and also those from Ricardo Schmitt Carvalho,
and do not think it is my madness, minha pira [´mi: ɲa ´pi: rə]
if I tolerate and dig the poems from Ricardo Corona,
and if I varnish the books from Rodrigo [Wood] Madeira,
as well as those from Adriano Smaniotto
and from Edson Falcão – (Falcon Edson!)
the former is an emperor without being a scrottum,
and the latter, a philosopher, knows his lesson –
those like us we all can say how fabulous it is
to read the critic and poetic works from Adalberto
Müller and from Maurício Mendonça Cardozo,
who would not be what they are today
were it not because of masters like Marcelo Sandmann,
Benito, Bueno, Tezza, Venturelli, Winck,
and other wise professors from UFPR
(the Federal University of Paraná)…

– Tá legal, Ivan: encerre!
– Alright, Ivan: time to settle down… – Ha!

Sim, encerro antes do fim,
pois a poesia também desabrocha
em meninas assim
como Sabrina, Lu, Nara e Lindsey Rocha,
sem esquecer Bárbara Lia, Marilia Kubota,
Monica Berger e, sim,
a não menos que magnífica Luci Collin.
Yes, I’ll settle down before the end,
since poetry also blooms from
girls like these (poets, I’d say:)
Sabrina, Lu, Nara and Lindsey,
last but not least Bárbara Lia, Marilia Kubota,
Monica Berger and, yes (with a grin!)
the no less than magnificent Luci Collin.

Pois bem: e já que não tens verruga,
dize-me – já que és bambambam –
já leste os poemas de Rodolfo Jaruga,
de Paulo Bearzoti e de Jaques Brand?
Indeed: and since you have no warts (and kick no rugger)
tell me – since you’re whambam (and play the grand) –
ever read the poems from Rodolfo Jaruga,
from Paulo Bearzoti and from Jaques Brand?

Entretanto, e portanto, finalizando
antes que pensem que o cordão dos
puxa-sacos aqui estou cada vez mais
aumentando, o encerramento eis que aí vai
em estilotanka de Pai-Mei-Hai-Kai:
However, and therefore, in conclusion,
before one thinks I’m a great addition to
the team of The Arsekissers (who increase by
numbers), I’ll finish this by saying hi!
in the tankastyle of a Pai-Mei Hai-Ku-Do-Kai:

quem Leminski
– Alice, Paulo, Estrela –
também Leprevost
one who reads and plays Paulo Leminski
– Alice [solitude, récif, étoile, see Mallarmé], Estrela [Star] –
also reads and plays Luiz Felipe Leprevost

e se com todos estes nem todos vão
eu – por minha vez – vou!
and if with all those not everyone will come
I – for my own turn – will go!

sábado, maio 14, 2011

TELEPATIA

Literatura é telepatia com todo um passado.
As obras são variantes de todas as obras anteriores.
Não é o indivíduo quem faz literatura, é a Humanidade.
A etimologia é o modelo de uma verdadeira ciência da literatura.
E o plágio, o mais importante dos recursos literários.

Os bem vizinhos de Naziazeno assistem ao ‘pega’ com o leiteiro.

Encontraria a Maga? Tudo no mundo começou com um sim. Encontraria a Maga? Milkau cavalgava molemente o cansado cavalo que alugara para ir do Queimado à cidade do Porto do Cachoeiro, no Espírito Santo. Encontraria a Maga? Não sinto o meu corpo. Encontraria a Maga? Uma noite dessas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Encontraria a Maga? – Nonada. Encontraria a Maga? – Aquela criatura – dizia-me sóror Teresa com o olhar nublado de uma piedosa desconsolação – aquela criatura me parece bem extraordinária. Encontraria a Maga? Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho. Encontraria a Maga? O porteiro do edifício Deauville ouviu o ruído dos passos furtivos descendo as escadas. Encontraria a Maga? Resolvi comprar papel e tinta, tenho muito que escrever. Encontraria a Maga? Eu sobrevoava com meu helicóptero os caminhões despejando areia no limite do imenso mar de gelatina verde. Encontraria a Maga? ergo sum, aliás, Ego sum Renatus Cartesius, cá perdido, aqui presente, neste labirinto de enganos deleitáveis, – vejo o mar, vejo a baía e vejo as naus. Encontraria a Maga? No fundo do mato virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Encontraria a Maga? Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma, bateu em casa às quatro e quinze da tarde. Encontraria a Maga? Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte.

– Espere até eu acabar este cigarro. – Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria. – Espere até eu acabar este cigarro. Esperemos mais, pensou ela; e seguiu serenamente ao encontro de Ricardo Coração dos Outros. – Espere até eu acabar este cigarro. Tem mais não. – Espere até eu acabar este cigarro. Bêbado, quem me comprenderá? – Espere até eu acabar este cigarro. E a cidade se aproximava veloz e eu via os vidros dos edifícios. – Espere até eu acabar este cigarro. ... – Espere até eu acabar este cigarro. Ventos de sul a leste, moderados. – Espere até eu acabar este cigarro. E eu vou ficar aqui, às escuras, até não sei que hora, até que, morto de fadiga, encoste a cabeça à mesa e descanse uns minutos. – Espere até eu acabar este cigarro. Pelo meu espírito passaram tantos incidentes e tantas reminiscências da minha vida, ligados àquelas duas criaturas, que hoje repousam ali no sagrado silêncio da velha necrópole. – Espere até eu acabar este cigarro. Travessia. – Espere até eu acabar este cigarro. Vamos à História dos Subúrbios. – Espere até eu acabar este cigarro. Não sei como vamos todos caber no exíguo quarto da pensão. – Espere até eu acabar este cigarro. Eu te suplico, a ti e à tua ainda inumerável geração, abandonemos os nossos ódios destruidores, reconciliemo-nos antes de chegar ao instante da Morte... – Espere até eu acabar este cigarro. Sim. – Espere até eu acabar este cigarro.

E ele dorme.
*

sexta-feira, maio 06, 2011

RECONHECENDO...

RECONHECENDO O MARASMO E O PEDANTISMO ORA REINANTES NESTE SEU BLOGUE-HOSPÍCIO PORÉM AINDA HUMILDE-TUGÚRIO-POÉTICO, IVAN ENSAIA UMA TERZA RIMA COMO FORMA DE RETORNO AO PASSADO, EM BUSCA DE TEMAS PERDIDOS NUM JÁ LONGÍNQUO ANO DE DOIS MIL E OITO...

Tá. O clima aqui ficou meio pedante.
Assim, sem mais, pra não perder a mão,
vou ensaiar de novo um metro dantes

utilizado neste blogue tão
pouquinho frequentado ultimamente.
É que a terzina então, certa ocasião,

serviu tanto a um pseudovate inclemente
que quis me desfechar golpe fatal,
quanto ao contra-argumento meu, al dente,

tentando replicar com bem o mal.
Enfim, talvez melhor nem fosse mais
lembrar aquele combate sacal,

de lances bons e maus e outros que tais,
mas isso é só à guisa de introdução.
O fato é que, relendo obras gerais,

me veio novamente esta intenção
de iluminar outras minas escuras,
que o não serão na cor de distinção,

mas sim como se em versiluminuras
pudesse eu combinar agoras mesmos
a passados dantescos e às futuras

gerações de leitores e de textos,
e então de novo provocasse o novo,
ou seja, o encantamento sem pretextos

(e sempre em textos), seja em forma de ovo
de Colombo, ou qualquer outro descoco,
conforme versaram que faço. Chovo,

sim, eu admito, chovo mais um pouco
num molhado mal olhado e pior visto,
e a métrica escapou. Perdoem o louco

manobrando acentos com tons sinistros,
de antitécnica versificatória
que tropeça em ectlipses, pés, sons, ritmos,

e já negligencia a própria história,
deixa de lado, pendurado, o assunto,
posando como cabra expiatória.

Mas se você chegou até aqui, junto
comigo, me compreendendo, merece
que eu seja mais sucinto. Assim, pergunto:

você acredita que poesia é prece?
E esses quarenta versos anteriores?
Quis compô-los como se o fossem. É, e se

me interpretarem falsas minhas flores
das rimas que oferto com fé e esforço,
se acharem que elas não traduzem dores,

amores, horrores, saibam que torço
mais pro mistério que pro ceticismo.
Nas asas do mistério, no seu dorso

a poesia sobrevoa o abismo.
E neste intuito-prece-verso-anarco-
organizado assim no metro cismo

sem cinismo um sismo pra traçar arco
envolvendo tudo e todos, quem amo
e quem sequer odeio, em mesmo barco,

barco insano como assim também o chamo.
E assim também chegamos num momento
bom pra acabar. Não funcionou meu plano.

Valeu a tentativa: sopro ao vento.
Se você continua aqui, assopre-o:
é apenas um impulso ao pensamento,

feito em suspiro mas sem moto próprio.
Moveu-o, ou me moveu, como partida
de ida bêbada e de retorno sóbrio,

alguma inspiração de nossa vida.
*