terça-feira, dezembro 12, 2006

Poema escrito em 01/01/2004

O ESCRITOR E O ESCREVINHADOR

No limbo claro-escuro da poesia
Topo com o poeta Marcos Prado,
O qual me estende a mão já fria
Cujo aperto evito, desavisado.

"Você pelo jeito ainda com a mania
De meter em verso tudo que é besteira"
"Mas se foi você que nos deixou nessa fria,
Meu caro Marcos Prado de Oliveira."

Naquele tempo a gente traduzia -
Feito riscar de novo pinturas rupestres,
Mas decassílabos também produzia
Aquela dupla de ex-pretensos mestres...

A troca de farpas continuaria,
Não fossem a tosse santa e o sacro escarro:
Sinais de fim de papo e mais poesia -
Voltei à poeira, e ele, ao barro.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Mulherescas em homenês

Ir à tasca
na busca
e na caça

de Mulherindas
Mulherentes

topar Mulheruscas, Mulheruxas

e
enfim
encontrar uma Mulhená

linda

curva de carência

e endireitália...

quarta-feira, novembro 22, 2006

Ela está comigo digo já nem sei

Já nem sei:

hoje já é mais que como se ontem:

o passado é feito uva passa -

saio dum namoro virtual pra entrar numa história real:

meu sobrenome ainda preserva intacta a justa família de minha mãe

e o legado português do arquipélago dos Açores,

que responde Santana pelo meu pai -

não quero falar muito da minha vida -

o que interessa a mim e a quem me ama

é toda poesia e vida que ainda vou fazer e receber:

daqui em diante nada mais me fará tanto mal

e todo flerte, fatalmente,

terá que ser e já vem tendo sido (sente?)

fatal.

sexta-feira, novembro 17, 2006

58 + 6 = Feliz Aniversário

Atento para o fato que esperei 28 anos pra ver meu time Campeão Brasileiro:

minha filha esperou apenas 1...

Hoje ela completa 6:

estou em Curitiba, um pouco triste.

Ia mencionar os 58 gols do Atlético -

faltam 3 partidas, e amanhã o morumbizinho pode cair...


Mas temos que perder pra fazer a festa dos trouxas...

sábado, novembro 04, 2006

Onde meu ser se espalha:


Hoje parte da minha alma flutuará por este lugar: um doce pra quem comentar dizendo onde é...

sexta-feira, novembro 03, 2006

Gralha Azul Leva No Bico?

A resposta é:

no seu ou no meu?

Eu fui à Pedreira sim: foi tudo filmado pela competente equipe da Tim: e a pessoa que me proporcionou os ingressos chama-se Patty: e já estou falando demais:

é tarde até pro Gralha.

segunda-feira, outubro 30, 2006

O tempo é imblogável:

eis uma verdade:

eu poderia ter blogado sobre as vitórias históricas contra o nacional de montevidéu (a do dia 25, 4! x 1 na Arena, foi com direito a banho de bola e gol antológico...

eu poderia blogar sobre sábado à tarde, quando, em companhia de pantera Graziela e da onça Paola, vimos o CAP golear os paranitinhos por 4! x 0 (com direito a outro gol de parar o jogo e cumprimentar o craque, com felicitações extensivas ao time teu... :P

E sobre sábado à noite? Um Halloween inesquecível, pra preparar o espetáculo de amanhã: e ontem, em diálogo no Bar do Torto, confessei para duas bruxas o encontro que tive com a Princesa das Fadas Azuis: eu estava caracterizado como um Bruce Wayne de araque, e ela me desmascarou como o Oberon que sei mimicrizar: aqui está um trechinho da saborosíssima conversa, entreouvida pelos duendes enquanto bruxas e soldados sacudiam na pista:

Princesa: - Não me apetece o Funk carioca...
Eu: - Tampouco a mim..
...
*explosão conjunta de gargalhadas*

segunda-feira, outubro 23, 2006

Sangue Forte

Aceitar o legado da nossa raça:
apesar dos pés na jaca
e mesmo com toda a jaça
que a humanidade nos trouxe debaixo do braço,
essa nhaca,
essa porra espalhada no meio da praça:

tudo isso, sim,
tudo isso eu abraço,
eu até mesmo assim,
quase feliz e talvez quase escasso,

aceito,
cheio do bom e do velho mau jeito,
não importa o tempo que faça,
eu sei que um dia é meu dia
e outro é da caça.

Bem: depois desses versinhos meio mixolídios, uma prosa em tom maior pra celebrar tudo que um atleticano de nascença deve ainda passar um bom tempo celebrando:

representamos o Brasil na Sul-Americana, e representamos bem, e foda-se que os paulistas ignoram (já que os timinhos deles tomaram goleadas vexaminosas) nós fomos FÓDA, derrotamos o nacional de montevidéu em seu próprio chão (jogando o segundo tempo com um a menos) e estamos prestes a sacramentar a vaga numa semi-final, enquanto

o campeonato brasileirinho já está decidido, os vermes riquinhos paulistinhas do sãopaulinho bambi vão justificar os rios de dinheiro que ganharam roubando no último mundialzinho caça-níqueis, com apoio do repelente ricardinho teixeirinha - que puta orçamento que têm esses caras, né, enquanto o povo é miserável e passa perrengue, mas futebol é isso aí mesmo...

enfim: sem discurso político: parabéns pro grandessíssimo morumbi de bosta (que estádio mais capenga, né mesmo? não concordam aí, torcida colorada?) e quanto a nós:

Dá-lhe, dá-lhe! Esse foi o jogo da Rodada!:

FURACÃO 4! x 3 fortaleza do ceará

duas viradas numa só partida... grêmio e são paulo fizeram um joguinho sem graça perto da batalha lá no castelão (é isso?): aquilo sim é que foi peleja, prélio, partidaço e putz! (4 pês pra cada gol nosso...)...

Uma última observação bem prosaica: assisti ao rock gol de domingo (vi uns trechos) - como são boçais mesmo, premiaram uns timinhos, tinha uma coxinha coitada e linda que cometeu a grande asneira de dizer que "ainda acredita que o Atlético vai cair" (podia guardar um pouco dessa fé pro time dela, que anda precisando muito mais, não é?) -

e o que foi aquele filho do senador e da ex-prefeita? mostrou que é mesmo um pobre de espírito (apesar de toda a riqueza material)...

Mas chega de mágoa: nossa glória está assegurada - somos atualmente o Melhor Time do Brasil - e vamos com tudo porque (diriam os baianos) só não vai quem já morreu.

E mais não digo, que quem não gostou já leu e tomou-lhe um créu.

domingo, outubro 15, 2006

O Rio de Janeiro continua...

indescritível.

Pra dizer o mínimo.

Vou tentar: versinhos mínimos, inescandidos, para delírio do meu grande leitor Rodolfo, um curitibano que sonetiza impecavelmente (foi mal aí, Rodolfo: não contei sílabas nem me esmerei na seleção vocabular da tradução do poema do Borges, mas isso eu comento depois: apareça no porão na próxima terça, que a eloqüência juvenil do bardo aqui vai apavorar novamente por lá:

mas não era isso que eu ia escrever: fecha logo esse parêntese, seu trigre tristram shandyvan...)

Pronto: do Rio eu digo que é realmente uma cidade curvilínea:

fiz agora há pouco uma peregrinação pelos bairros de Botafogo e Flamengo, voltando da Praia Vermelha: nadei lá e não dei em nada, mas tive uma visão do Corcovado e do Redentor: que lindos...

Eu queria a vida sempre assim se você estivesse perto de mim:
...
...

Enfim: volto pra Curitiba em uma hora:
amanhã é dia de trabalho -
deixo aqui, deste fabuloso Cyber Gol, no Flamengo (que hoje ganhou, não?)
um agradecimento a pessoas que se revelaram óptimas no evento de Sábado,
no Castelinho (atual Espaço Cultural Oduvaldo Vianna Filho):

Elisa, Ieda, Sidnei, João Paulo Cuenca (e sua respeitosa respectiva - esqueci o nome, desculpem...), Henrique, Marcelo Moutinho e sua digníssima (também esqueci, eta, desmemoriado), Robson, Sônia, enfim:

pude participar dum evento excelente, um café literário sobre o mononstruosíssimo escriptor máximo chamdo João Antonio, e saúdo especialmente o Professor Alcmeno e a Ieda (de novo, porque ela foi mesmo óptima na organização da Malagueta, Perus e no Bacanaço...)...

Pronto: o Rio de Janeiro é um lugar onde me sinto em casa (eu sou um Ráuli - Haole, para as iníntimas lá do Hawaii... - mas já não me considero mais um alemão perdido na cidade maravilhosa...)

Alô, torcida do Flamengo - alô, garotada carioca - alô, elenco da ópera A Flauta Mágica: foram momentos de altíssima qualidade artística: o Teatro Municipal é MUITO FÓDA, com toda a sua arquitetura (gostei especialmente dos vitrais com as musas...

termino sem fechar os parênteses - foi uma grande viagem...

Até amanhã, até já, até logo

quinta-feira, outubro 12, 2006

Mais um périplo carioca

Hoje é dia das crianças, todo mundo sabe...

Mas as coisas que ninguém ainda sabe e quem ler isso agora vai saber são muito foda (eu disse FÓDA):

- vim ao Rio de Janeiro, estou no Flamengo (e já antecipando a torcida rubro-negra para o clássico de domingo contra o pobre corinthians... Urubus e gambás vão se estranhar feio no Maraca, e quem sabe este curitibano compareça pra eventualmente apartar quaisquer animadversões...)

- o negócio mesmo é que a coisa ficou totalmente supercarioca pro meu lado:
senão vejamos: (senta que lá vem a prosa poética...)

"caminhando contra o vento num sol de quase novembro eu tinha o pão-de-açúcar à minha frente e fui parar no mausoléu de Estácio de Sá, que tem forma de pirâmide (o mausoléu, não o estácio) no limite entre a praia do Flamengo e a enseada de Botafogo e por ali eu subi numa Mangueira pra colher da forma mais primitiva (sacudindo os galhos) quatro mangas que eram duma cor muito verde e rosa..."

Mas o melhor momento do dia talvez tenha sido antes, e merece negrito e tinta vermelha, me deparei com o guitarrista dos Titãs, Sr. Antonio Belotto (Mr. Mader, lá para as negas dele - putz, que brincadeira mais sem graça, enfim...) junto com Mr. Charles Gavin, sendo que Mr. Belotto acabou se despedindo de mim com um "Falou, Mestre" que realmente me deixou ferido de imortal egomania: eu não caibo mais em mim, definitivamente, apesar do amor estar me pinçando as entranhas com lentidão crucial...

Tá: essa postagem acabou - amanhã tem mais...

quarta-feira, outubro 04, 2006

Entramos em Outubro:

é mês de Sylvia

e ela, selvagem, reclama sua presença -

então,

dedicando novamente à minha amada,

(eu não me canso de olhar... não vou paraar...)

aí está uma versão para The Sleepers

poema composto num mês de Outubro,

numa "colônia de férias para artistas"

(Yaddo, 1959) - ela e Ted

estavam just married...


DORMENTES

Mapa algum traça a rua
Onde tal par de dormentes está.
Perdemos desse mapa o rastro.
Deitam-se como debaixo d´água,
Numa luz azul, imutável,
A porta-janela entreaberta

Cortinada de renda amarela.
Através das fendas estreitas
Odores de terra úmida sobem.
A lesma deixa um rastro prateado;
Densos matagais cercam a casa.
Prestamos um olhar pra trás.

Entre pétalas pálidas feito a morte
E folhas firmes em suas formas
Dormem, boca a boca.
Uma neblina branca vem subindo.
As narininhas verdes respiram,
E reviram-se no seu sono.

Despejados daquela morna cama
Somos um sonho que eles sonham.
Suas pálpebras detêm a sombra.
Dano algum lhes pode vir.
Fazemos o molde em nossas peles
E deslizamos noutro tempo.


Sylvia Plath
Versão Brasileira:

Ivan Justen Santana

quarta-feira, setembro 27, 2006

Arte Poética

Mirar o rio feito de tempo e água
e recordar que o tempo é outro rio,
saber que nos perdemos como o rio
e que os rostos passam como a água.

Sentir que a vigília é um outro sonho
que sonha não sonhar, e que a morte
que teme nossa carne é essa morte
de cada noite, que se chama sonho.

Ver no dia ou no ano um símbolo
dos dias do homem e de seus anos,
converter o desrespeito dos anos
numa música, num rumor e um símbolo.

Ver na morte o sonho, no pôr-do-sol
um triste ouro, assim é a poesia
que é imortal e pobre. A poesia
volta como a aurora e o pôr-do-sol.

Às vezes numas tardes uma cara
nos mira lá do fundo de um espelho;
a arte deve ser como esse espelho
que nos revela nossa própria cara.

Contam que Ulisses, farto de prodígios,
chorou de amor ao divisar sua Ítaca
verde e humilde. A arte é essa Ítaca
de verde eternidade, não prodígios.

Também és como o rio interminável
que passa e fica e é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
e é outro, como o rio interminável.


Ivan Jorge Justen Luis Santana Borges, 2006.

domingo, setembro 24, 2006

Outro soneto sísmico, inspirado em quem?



DEUSA A DEUS

Nem bem na mesa a ceia foi servida
Jogo a toalha branca em prol da paz.
Agora que sei pra que serve a vida
Eu faço versos como quem desfaz.

Os convivas brindam vivas ainda;
Só eu, a contragosto, digo mais:
"A festa está que está, mulher, bem-vinda,
Vamos comer, beber, dançar, iguais.

Tenho comigo você, Deusa amiga,
Que nunca desaponta a ponta do prazer,
Tampouco pede pra eu pagar pra ver

Se o populacho continua a intriga."
- Amado, diz a Deusa, o céu nos cai
Como uma luva cai. Levanta e vai.


Antonio Thadeu Wojciechowski
Ivan Justen Santana

sábado, setembro 23, 2006

O Equinócio provoca sonetos sísmicos que dizem sim

Sim,
foi isso
que vocês
leram:

a chegada da Primavera
(quente no Rio
e fria
e pluviosa
aqui na cidade
que não é a "maravilhosa")

provocou fenômenos fora de qualquer tempo e espaço
e também os mesmos velhos novos versinhos floridos:

eu postaria a imagem duma flor,
mas prefiro que você mesma(o?)
imagine como resposta:
a flor "promessa positiva
de felicidade instantânea

e eterna".

O soneto fica para quem tema -
esta postagem é para que você

gema e também responda

sim.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Dia da Árvore...



Um + Uma

O amor, penugem que roça
a pétala mais evanescente

à flor diáfana da paixão
que aflora quase imperceptivelmente,

pega o pélago pelo avesso
e faz cordilheiras trocarem de endereço.

Se um coração se divide em dois
pra absorver o impacto dessa batida,

paixão e amor são, pois,
duas partes duma só partida.


Francisco Cardoso
Ivan Justen Santana

(postagem-presente de aniversário para VOCÊ)

domingo, setembro 17, 2006



uma imagem para uma canção...

É Isso Aí
Ana Carolina

Composição: Damien Rice
(vers.: Ana Carolina)

É isso aí
Como a gente achou que ia ser
A vida tão simples é boa
Quase sempre

É isso aí
Os passos vão pelas ruas
Ninguém reparou na lua
A vida sempre continua

Eu não sei parar de te olhar
Eu não sei parar de te olhar
Não vou parar de te olhar
Eu não me canso de olhar
Não sei parar
De te olhar

É isso aí
Há quem acredite em milagres
Há quem cometa maldades
Há quem não saiba dizer a verdade

É isso aí
Um vendedor de flores
Ensinar seus filhos
A escolher seus amores

Eu não sei parar de te olhar
Eu não sei parar de te olhar
Não vou parar de te olhar
Eu não me canso de olhar
Não vou parar
De te olhar

sexta-feira, setembro 08, 2006


Sauterelle, divertissement de mes désirs, charme de mon rêve; * sauterelle, muse des champs, harmonieuse ailée,

Gafanhota, distração de meus desejos, canção de meu sonho; [...] gafanhota, musa dos campos, harmoniosa alada,

Lyre naturelle, joue-moi ce que j´aime * en frappant avec tes petites pattes tes ailes chanteuses.

Lira natural, musica-me aquela que amo [...] batendo com tuas patinhas tuas asas canoras.

Pour que des peines tu me délivres, et du souci qui me tient éveillé, * sauterelle, toi qui chantes la voix endormeuse d´amour.

Para que das penas tu me libertes, e do transtorno que me tira o sono, [...] gafanhota, tu que cantas a voz ninadora do amor.

En présent pour toi de la ciboule verte le matin je te donnerai * et de la rosée à boire, divisée en petites gouttelettes.

De presente para ti a cebolinha verde pela manhã eu te darei [...] e o orvalho para beber, dividido em pequenas gotinhas.

***

Uma lira de Meleagro, vertida por Pierre Louÿs, revertida por Ivan, o trigrilo polilíngüe, que ama em grego, francês e português...

domingo, setembro 03, 2006

Terça Passada

Terça passada foi a vez do meu camarada rubro-negro Flávio Jacobsen fazer o porão Loquax.

Foi talvez o melhor porão da história: os músicos que acompanhavam (que tocam na banda do Flávio, o Gruvox) arrepiaram mesmo mesmo, os versos foram desenrolados com muita propriedade, e surtiram efeito. Apavoraram.

Depois, o microfone foi aberto e uma polêmica poética política comeu solta.

Mas, porém, contudo, no entanto, todavia, o meu amor, ela não estava lá.

Transcrevo então esses versinhos singelos do Flávio, na tentativa de costurar poeticamente, com atraso, mas com afeto, meu passado, meu presente e meu futuro.


eu vi
os olhos do tigre
detrás do vidro do ônibus
eu vi os olhos do tigre
atrás das grades
de uma jaula
de um caminhão
de um circo

quarta-feira, agosto 23, 2006

OU ES-TU

ONDE ESTÁS

Je voudrais te parler cristal fêlé hurlant comme un chien dans une nuit de draps battants
comme un bateau démâté que la mousse de mer commence d´envahir
où le chat miaule parce que tous les rats sont partis
Eu queria te falar cristal fendido uivando como um cachorro numa noite de panos drapejantes
como um barco desmastreado que a espuma do mar começa a invadir
onde o gato mia pois todos os ratos se foram
Je voudrais te parler comme un arbre renversé par la tempête
qui a tellement secoué les fils télégraphiques
qu´on dirait une brosse pour les montagnes pareilles à la machoire inférieure d´un tigre
qui me déchire lentement avec un affreux bruit de porte enfoncée

Eu queria te falar como uma árvore estatelada pela tempestade
que sacudiu de tal maneira os fios telegráficos
que dir-se-ia uma escova para as montanhas semelhantes à mandíbula inferior dum tigre
que me dilacera lentamente com um ruído apavorante de porta forçada
Je voudrais te parler comme une rame de métro en panne à l´entrée
d´une station où je pénètre avec une écharde dans un orteil pareil à un oiseau dans une vigne
qui ne donnera pas plus de vin qu´une rue barré
oú j´erre comme une perruque dans une cheminée
qui n´a plus rien chauffé depuis si longtemps
qu´elle se croit le comptoir d´un café
où les cercles laissés par les verres dessinent une chaîne
Eu queria te falar como uma seção de metrô em pane na entrada

duma estação na qual penetro com um espinho num artelho semelhante a uma ave numa vinha
que não dará mais vinho que uma rua barrada
onde eu erro como uma peruca numa chaminé
que não aquece nada já faz tanto tempo
que ela pensa agora que é um balcão dum café
onde os círculos deixados pelos copos desenham uma corrente
Je te dirais simplement
que je t´aime comme le grain de blé aime le soleil se levant en haut de sa tête de merle
Eu te diria simplesmente
que eu te amo como o grão de trigo ama o sol erguendo-se no alto de sua cabeça de melro


Benjamin Péret
Ivan Justen Santana & Priscila Manhães

segunda-feira, agosto 21, 2006

Pra não passar meio batido...

Pra não passar meio batido nos comentários, agradeço nessa postagem epilogal as manifestações de apreço (bem como as observações sagazes) da parte de

Alexandre França, Zoe de Camaris, Bárbara Lia, Beco Prado, Marcelo Trancoso e Nyha (cujo blog encontros com o vampiro eu ainda não li nem vi, mas já gostei, se é que eu não amo quando me chamam de Ivampiro... *gargalhadas nosferáticas*)

sobre a terça passada no Wonka - por sinal, amanhã vai ter mais bacanagens poéticas por lá, como de costume, e estarei presente (na assistência, desta feita..) - não perdam de novo...

Agradeço também o poeta Batista de Pilar, a quem prometi declamar versinhos que por lapso meu não mandei lá: aí vão...


Meu amigo, o poeta Batista de Pilar

Meu amigo, o poeta Batista de Pilar
entra no bar feito quem sai de casa,

feito quem está prestes a cantar
a última canção.

___________Pare com a cachaça,
Batista! eu digo ao lhe passar o copo,

e apenas um olhar dele me arrasa,
e se é pra beber todas logo eu topo...

E então bebemos toda a madrugada,
e declamamos todos os poemas, sem

pestanejar.
________- Não devemos nada,
Batista, não devemos a ninguém!

E ouvindo a minha frase assim errada,
Batista sai do bar com só uma ponta

de alegria,

________e eu fico, pra pagar a conta.

sexta-feira, agosto 18, 2006

- Positivo, copiamos tudo, Wonka Loquax: câmbio final...

Eta que o juvenil aqui não deixa por menos na empáfia...

Então digo mais: esqueci de mencionar os versinhos em japonês que destrincei na fatídica terça, com direito a tradução comentada (e de fato eu traduzi tudo que disse, "menas" o começo da Celebration of the Lizard, que mandei no início do início, e que era pra verter ao português no final - o qual acabou não sendo bem um final - talveliz perhapiness "um fim que começa" - pra recordar um poema em parceria com o polacodabarreirinha...)...

E visto que eu prometi versinhos, pra encerrar de vez o ensejo, aqui vão dois poeminhas minimalistinhas e iconoclastinhas a seu modo - dado que se reportam a grandes canções de máxima emotividade. O primeiro é do irrefragável Paulo Leminski, e o segundo é deste seu criado (que pegou essa mania agora...):



lamente
uma
___vez

_______

sem ti
nem tal
eu sou

quarta-feira, agosto 16, 2006

- Aqui é Loquax Wonka: estamos te ouvindo: alto e claro, câmbio...

Pois então: atendendo a curiosidade geral e particularmente a de Gisele Trierweiller:

o evento foi muito dialógico - a assistência colaborou e interferiu com aplausos, sorrisos, gargalhadas desbragadas, e até mesmo sinais de desrespeito alcoolizado que contribuíram muito pra distender a cancha e a paciência deste vosso criado...

Mandei poemas em grego, latim, provençal, russo, inglês - e até mesmo em português (inclusive versinhos de minha lavra...) - falei quase tudo que tinha calculado - disse quase todos os versinhos que queria e quem sabe até precisava e não precisava dizer.

Agradeço aos amigos todos pela força (inclusive ao Lepre, que não estava lá, mas manifestou antecipadamente o apoio), especialmente na pessoa do Alexandre França, que chegou mesmo a exarar prontamente um poema de rebote em referência aos interessantíssimos incidentes ocorridos durante a função.

Agradeço também à Barbara Lia - e à Zoe de Camaris, para quem gastei versinhos felinos a serem devidamente reciclados no mês que vem - quando será a vez dela e eu tentarei modestamente coadjuvar.

Tenho que me reportar também ao Mario Domingues, que anfitriou tudo com toda a catega, e disciplinou também depois a homenagem ao Leminski, quando outros poetas puderam nos brindar com o que de melhor eram capazes...

Enfim: semana que vem tem mais - e hoje eu vou lá de novo, ouvir música indiana, fazer a opção culinária, e flutuar em direção ao satori que ainda bem que vai demorar pra me atingir...

Quanto aos versinhos, fica pra depois, valeu?

sábado, agosto 12, 2006

- Loquax Wonka, 15 do 8, câmbio...

E aí eu ia escrever um texto respondendo ao título, o que seria bem infanto-juvenil de minha parte, mas quem sabe seja melhor explicar:

nesta próxima terça-feira, 15 de agosto, no Wonka Bar (na Trajano Reis, ali onde era o Birinights... você sabe, não? ... é entre a Inácio Lustosa e a Paula Gomes, no meio da quadra, à esquerda de quem sobe e à direita de quem desce...), será finalmente a minha vez de ser jogado às feras amantes da poesia... A entrada são módicos R$1,99 - fora o que você vai consumir pra suportar as circunstâncias...

O bar abre às 21h e a função deve começar ali pelas 23h... Será uma oportunidade rara de ver e ouvir minha eloquência juvenil (esse é o título da bagaça que estou planejando), fora o fato de que na seqüência vamos todos prestar homenagem a Paulo Leminski (nós, quer dizer: todos os convidados e o público presente, ou seja: como diriam deus e o mundo e todos os anjos e demônios: junte-se a nós...)...

Além dos versinhos, prometo desde já que vou explicar a origem e o significado dos nomes Wonka e Loquax...

Não perdam.

domingo, agosto 06, 2006

Isso foi um assalto... E não tem o crédito da tradução...

ESCRITO COM TINTA VERDE

A tinta verde cria jardins, selvas, prados,
folhagens onde gorjeiam letras,
palavras que são árvores,
frases de verdes constelações.

Deixa que minhas palavras, ó branca, desçam e te cubram
como uma chuva de folhas a um campo de neve,
como a hera à estátua,
como a tinta a esta página.

Braços, cintura, colo, seios,
fronte pura como o mar,
nuca de bosque no outono,
dentes que mordem um talo de grama.

Teu corpo se constela de signos verdes,
renovos num corpo de árvore.
Não te importe tanta miúda cicatriz luminosa:
olha o céu e sua verde tatuagem de estrelas.

Octavio Paz

sexta-feira, agosto 04, 2006

Breton de novo, porque você disse claro...

A mulher-criança. É a sua entrada em todo o império sensível que sistematicamente a arte deve preparar. Esse deve ser o seu objetivo constante no seu triunfo, afugentando os morcegos com seu repugnante vôo silogístico enquanto os vagalumes tecem sob suas ordens o fio misterioso, o único que pode levar ao coração do labirinto. Essa criatura existe e, se ela não está investida da plena consciência do seu poder, não deixa de ser verdade que é ela que se vê de tempos em tempos fazer uma aparição na mudança de trilhos, comandar por um tempo curto as delicadas engrenagens do sistema nervoso. E é Balkis com seus olhos tão longos que mesmo de perfil parecem olhar de frente, e é Cleópatra na manhã de Actium, e é a jovem feiticeira de Michelet com seu olhar de matagal, e é Bettina perto de uma cascata falando para seu irmão e seu noivo, e é, mais oblíqua ainda só por sua própria impassibilidade, a fada com o grifo de Gustave Moreau, e és tu. Que recursos de felinidade, de devaneio a ponto de submeter a vida a si, de fogo interior a ponto de ir adiante das chamas, de esperteza a serviço do talento e, acima de tudo, de calma estranha percorrida pela luz da espreita, não estão contidos nesses instantes em que a beleza, como que para fazer enxergar mais longe, torna subitamente vã, deixa morrer para ela a agitação dos homens! De que força explosiva esses instantes não estão carregados! A figura da mulher-criança dissipa ao redor de si os mais bem organizados sistemas porque nada pôde fazer com que ela se submetesse a eles ou neles se incluísse. Sua compleição desarma todos os rigores, a começar, eu mal saberia dizê-lo a ela própria, pelos dos anos. Mesmo aquilo que a atinge fortalece-a, embrandece-a, refina-a ainda mais e para resumir completa-a como o cinzel de um escultor ideal, dócil às leis de uma harmonia preestabelecida e que nunca termina porque, sem a possibilidade de um passo em falso, ele está no caminho da perfeição e esse caminho não poderia ter fim. A irradiação subsiste, ou melhor, é a estátua inteira, ainda mais bela se possível fosse, que, despertando para o imperecível sem nada perder de sua aparência carnal, faz sua substância com um sublime cruzamento de raios.

Arcano 17 (página 51)

tradução: Maria Teresa de Freitas & Rosa Maria Boaventura

segunda-feira, julho 31, 2006

Só pra não perder

a brincadeira que meu irmão fez ontem durante o acachapante prélio entre Atlético x flamengo: "eles vieram todos cheios, hein: Tim Maia e Ed Motta na dupla de ataque..."

E pra não perder também o ensejo de comentar o baile: porra, que partida lancinante, sentimentos confusos da parte da torcida sobre o craque Dagoberto (vai, Dago! fora, seu traíra! boa, Dago, seu palhaço, quer comer a bola? passa a bola, Dago! porra...), a torcida flamenguista tentando (sem sucesso) ser páreo pro nosso coro fanático (diga-se que minha filha adorou as bexiguinhas amarelas que eles trouxeram por modos de festejo da copinha do brasil - e tomaram o coro "putaqueopariu: cadê o campeão da copa do brasil" na telha...)...

Enfim, ao fim e ao cabo, tivemos uma atuação perfeita da muralha Cléber fechando a meta, lampejos de Dagoberto e um lance de catigoria do colombiano Ferreira, que encaçapou finalmente a redonda dardejando o ângulo carioca aos 22 minutos do segundo tempo. Hurra!

Fora os dois pênaltis claríssimos que o idiossincrático árbitro não marcou pra nós - e (como não mencioná-la?) a bandeirinha linda ali à direita distraindo nossa vista com suas duas coxas qual esculturas roxas de frio... Duplo hurra!

E assim deixamos os pobres urubuzinhos simpáticos na zona da morte e vamos pegar domingo próximo o corintianzinho em crise aguda...

Dá-lhe, dá-lhe, futebol é bem isso aí mesmo que você está vendo...

terça-feira, julho 25, 2006

Abri o Arcano 17, de André Breton, e li essa mensagem pra você:

Já que a vida te quis contra tua própria vontade, não és aquela que pode se dar a ela apenas pela metade. A dor e até mesmo o sonho de sucumbir a isso terão sido para ti nada mais do que portas, abertas para a necessidade sempre renovada de comover, de sensibilizar, de embelezar esta vida cruel. Tu sabes como eu a vejo através de ti, plumas de rouxinol na sua cabeleira de pagem. Sua agitação te mantém, eu não conheço nada mais perturbador do que a idéia de que ela te invadiu inteira novamente. A ofensa era tão grande que apenas um semelhante poder de perdão podia estar à altura dela. Mais bela, a solução do mais terrível de todos os enigmas estava em ser mais bela do que sempre havias sido. Mais bela por ter colocado do teu lado as Dominações. Mais bela por saber consentir ao dia hora por hora, à relva talo por talo. Mais bela por ter tido que retomar o filtro e por ser suficientemente bem-nascida para tê-lo levado a teus lábios sem reservas, passando por cima de tudo o que ele podia conter de terrivelmente amargo. Não foi necessário nada além da assistência de todas as forças que se manifestam nos contos para que das cinzas surgisse a flor-que-perfuma, saltasse o animal branco cujo olho longo desvenda os mistérios dos bosques.

Tradução: Maria Teresa de Freitas & Rosa Maria Boaventura

sexta-feira, julho 21, 2006

Autopsicanálise dialognóstica

Antes de começar propriamente a postagem, uma questão: o que será que eu quis dizer com esse título? Não sei bem, mas que ficou sugestivo e quase totalmente pedante, até que ficou...

E então eu ia responder em comentário os comentários da postagem anterior, e não obstante outrossim frustro essa intenção e respondo aqui mesmo: até onde eu sei o Lepre não tem um blog, infelizmente não é possível perturbá-lo por esse meio, ainda...

Lepre que por sinal enigmou o meu sorriso: talvez eu deva confessar que segredei no ouvido da Ieda (feliz proprietária do Wonka), diante das travessuras poéticas de Lepre e sua trupe: “sou velho demais pra tanto vanguardismo”... Ao que ela decidida e veementemente ripostou: “Não, você não é”.

Enfim, tudo no espírito da bagunça: a força performática e poética do Lepre é inconteste... Quem sorriu, riu e se divertiu só confirmou isso.

Fico na bronca só por ele não ter me ajudado politicamente com a minha gafe, escrevendo o nome da - como é mesmo o nome dela?...

E não obstante outrossim de novo, essa postagem é pra ser ainda mais esquizofrênica, então vou mudar de assunto e quem sabe continuar no mesmo:

o fato é que eu tenho vários motivos pra execrar Décio Pignatari, e uma quantidade igualmente variada e forte pra experimentar a sensação contrária:

dessa forma, reencarno o ladrão de postagens e ponho abaixo um poema de Heine que Décio traduziu: esse poema faz parte dos dois grupos de motivos, mas isso eu não vou explicar agora, que chega de ficar me explicando...

Canção

Quando mergulho os olhos nos teus olhos,
___Vão-se o pesar e a dor;
E quando colo a boca em tua boca,
___Revivo em novo ardor.

No corpo em corpo, é como se do alto
___Me invadisse o teu charme;
Mas quando dizes, baixo: Eu te amo!,
___Amargo é o meu chorar-me.

quarta-feira, julho 19, 2006

Apenas pra deixar registrado eternamente

eu ando confuso mesmo e até troquei o nome de Dorothy Parker pelo da Elizabeth Bishop na postagem anterior - mas quem a não ser eu ia notar isso, ou melhor: notar e apontar o tropeço?

Mas chega de ego um pouco: eu quero dedicar essa postagem ao Luiz Felipe Leprevost -

depois do espetáculo poético de ontem, ainda no Wonka Bar, ele se queixou do meu "risinho" durante a pungente função, que eu achei um troço muito muito - gostei muito mesmo, Leprechaun!

Momentos altos: o canto e percussão da Melina, a declamação da (putz, não lembro o nome), enfim, dela mesma, que o Leprechaun depois reclamou também que ninguém estava entendendo (eu estava, Leprechaun - pode acreditar que eu estava sorvendo mesmo os poemas...), e, claro, as performances poéticas do Lepre - especialmente no momento Butô e amassando papel.

Não é desculpa razoável, mas se eu estivesse menos curitibano e mais dionisíaco, teria feito um papel mais digno na assistência, cabriolando e tocando flauta pânica...

Então, tá, né...

segunda-feira, julho 17, 2006

A essência da sátira no meio da bagunça

E ela postou um passarinho morto.

Eu pensei até em Catulo, e no poema que penso que foi a Elizabeth Bishop que fez tirando sarro do poema de Catulo, escrevendo como se fosse Safo e satirizando o poema do passarinho morto do Catulo.

Enfim, a maior bagunça:

ela postou a foto da Nicole Kidman no papel de Virginia Woolf.

Ela postou a foto da Nicole Kidman com nariz postiço no papel de Virginia Woolf olhando a flor e o passarinho morto...

Tá, enfim, eu ia falar da bagunça da minha vida, não do nariz da Virginia-Nicole e ela postou a foto do gato que ganhou não sei de quem depois então o negócio era o poema que eu escrevi pra mim mesmo...

É: eu mesmo, pra mim mesmo. Tóin ne mim de mim pra mim que o egão aqui não é bolinho...

O troço é que a essência da sátira (aprendi com o Gregório) é um negócio pra lá de sadomasoquista em que o satirista é capaz de se autoflagelar pelo bem da poesia...

Deveria ser de uma maneira disfarçada pra dar graça, então eu devia ter postado os seguintes versos em comentário anônimo ao soneto em arra-erra..., só que não vou fazer isso:

aí vai direto que já está acabando o tempo:


Arrepende-te do que tua boca escarra,
O teu verso é feito máquina que emperra,
Tua musa esfarrapada e velha mirra.

Por que ainda fazes rimas com pachorra?

É que é assim que um burro tenta encher a burra...

sexta-feira, julho 14, 2006

Desatualizando recentissimamente

Não considerei lá grands coisa de comentar então que lástima que o "melhor jogador do mundo" do último final de semana encerrou sua carreira expulso, depois de fazer o que fazeu...

Aliás, como disse minha amada filha, não me fale do Zidane!

Então deixa eu voltar a 1869 e a algumas três postagens atrás e encher isso aqui com versinhos, que é disso que o meu povo e a minha pova amam... (erri uma concordância verbal na postagem anterior: nota zero pra mim outra vez...)...

Um Sobrescrito

Olha pra mim; meu nome é Podia-ter-sido;
Também me chamam Não-mais, Tarde, Em Despedida;
Coloco a concha do mar-morto a teu ouvido
Jogado aos pés beira-do-mar da tua Vida;

No teu olhar o espelho em que jaz refletido
Este que tinha a forma do Amor e da Vida,
E por meu verso agora é sombra intolerável,
Tela frágil cobrindo o mais impronunciável.

Nota o quanto estou estático! E se bater
Instantânea na alma a macia surpresinha
Da Paz Alada ninadora de suspiros -

Então tu me verás sorrir, e reverter
Tua Visão à (em teu seio) emboscada minha
Insone com frios olhos comemorativos.

Dante Gabriel Rossetti

versão surpresinha:
Ivan Justen Santana

domingo, julho 09, 2006

Como se eu fosse crítico de arte, cronista esportivo, poeta, lógico, louco e, acima de tudo, apaixonado e dedicado a amar... Puxa...

Então, eu ia dizendo: como se eu fosse mais Veríssimo que o próprio Veríssimo, e principalmente, mais verdadeiro e falso que qualquer pessoa capaz de produzir e atribuir um texto ao Veríssimo – coisa, de fato, que seu próprio nome já fundamental e perfeitamente contra-argumenta.

Escrever sobre a arte do futebol, assim, a princípio, já é muito duvidoso: arte? Futebol?
O que representam esses conceitos?

A noção de futebol, aparentemente simples, envolve as noções e os conceitos de:
esporte, jogo, tática, batalha, guerra, alegria, amor...
Enfim, um cronista esportivo não quer saber de conceitos ou muita filosofia...
Um cronista esportivo que se preze mesmo, quer fazer poesia em forma de prosa, seguindo a lição dos melhores: Mario Filho, Nelson Rodrigues, Armando Nogueira...
Vide o caso patético, e eu diria mais, peripatético, do nosso (paranaense) Carlos Alberto (aka Nêgo) Pessoa.

Mas sim, vamos voltar ao início do que eu queria dizer: este blog não apresentou virtualmente nenhuma menção ao futebol e à copa do mundo, a qual está prestes a terminar: porra, todo mundo só fala nisso e eu tentei fugir: assisti sozinho: não queria participar do delírio e da histeria coletiva, mas não dá pra não postar sobre.

Então, logicamente, entro de cabeça pra compensar a abulia (bom nome para um blog com postagens esparsas e dispersivas)...

Disseram na TV agora pouco que essa foi a copa dos zagueiros: puta merda: aí eu pensei o óbvio, o lógico, o simplesmente: perdemos de um a zero: era só ter economizado um gol contra o Japão e outro contra Gana, que Zidane e os alêlêblê tinha ido pra casa e nós teríamos encaçapado Portugal e faríamos com a Itália a final mais foda da história: e agora estaria todo mundo em polvorosa, pulando e babujando.

Mas o futebol, todos sabem, é uma caixinha de Pandora.

Então eu abri a caixinha, e descobri que hoje está frio e chovendo, e eu estava ali sozinho, diante do computador, sem internet, sem telefone, com a televisão de 29 polegadas dizendo: me assista, mas o coração apertado, inquieto, reclamando a presença daquela a quem farei votos de amar mais dedicada e compenetradamente na vida.

Que puxa...

Agora é a prorrogação.

quinta-feira, julho 06, 2006

Vou enchouriçar mais um soneto...

Ocorre que eu ia pela rua e de repente me atacaram os espíritos de Gregório de Matos Guerra e Manuel Maria Barbosa du Bocage, e aí deu no que deu (em homenagem especial a você, Thadeu...):

Nesta vida já escutei Violeta Parra;
Sei também que bom cabrito é o que não berra,
Mesmo quando adoram métrica que erra
Ou se a rima assim me agarra e sai na marra...

Mas eu próprio me peço: não force a barra
Na volúpia veludosa que te encerra -
Pois por mais que suba ou desça a pé a serra
Fico sempre bem carente em qualquer farra...

Eu termino este soneto então por birra:
Rimo todas as vogais até que morra
E que enfim chorem por mim um hip, hip, hurra!

Não me tragam no velório incenso e mirra,
Nem se espantem da loucura dessa porra
Já que eu nunca cultivei surra nem curra.

sexta-feira, junho 23, 2006

Partículas na suspensão

Pois então: o futebol aí e você nem tóin no treco, o Bloomsday acontecido e você finge que nem tchuns na parada, os amigos pintando e bordando e você dormindo cedo, o trabalho sempre naquelas mas até que vai bem porém você numas bem numas, a massa de ar quente deixando os dias azuis e você nublado, chuvoso, seco, sóbrio, apoplético, abúlico, sonambúlico, e na falta de maiores adjetivos: um neca, um nada, um zero à esquerda da esquerda do zero à esquerda...

E aí faz um poema: uma porcaria de poema autocomiserativo, falso, falso feito o seu estado de animação suspensa, feito sua cara de vou tocando a vida parece que em ponto morto, mas enfim: vá lá: uma porquice dum poema, e pra que serve essa coisa-blog então?

Posta essa bosta logo!

Aí está:

Não reclame, Ivan,
Não choramingue:
Aí está tua TV:
Perto, perto,
Muito perto
E sempre perto de você.

Não se queixe, Ivan,
Também tem a família,
Que te ama e te provê:
Perto, perto,
Muito perto
E sempre longe de você.

E tua filha, Ivan,
Ela é magnífica,
E te traz razão de ser:
Perto, longe,
Muito longe
E sempre longe de você.

Tem também, Ivan,
A tua amada,
Que te admira e que te lê:
Longe, longe,
Muito longe
E sempre longe de você.

quinta-feira, junho 01, 2006

Diagnóstico instantâneo

Você é muito inteligente,
está cheio de conhecimento,
mas permite que isso alimente sua insuportável arrogância.

Você não sabe amar direito:
é um filho, um cônjuge e um pai frustrante e frustrado.

E agora ainda escreve isso
esperando que tenham pena de você.

Quando é que você vai acordar, Ivan?

sexta-feira, maio 26, 2006

Blogando com impropriedade

Muito bem, essa é uma postagem rápida:

meu amigo Antonio Monti me pergunta sobre a Ode ao Rouxinol, de John Keats.

Há uma boa tradução feita por Augusto de Campos,
está num livro chamado LINGUAVIAGEM
(não confundir com viadagem, querido Tony).

Foi editado pela indefectível Companhia das Letras,
e muito me admira que um paulista da gema (sem viadagem de novo)
não conheça este belo trabalho tradutório do inobnubilável (idem)
príncipe dos poetas concretistas do bairro das Perdizes...

Por sinal, o livro de traduções de Keats que meu orientador,
John Milton, e o estrambólico (idem) Alberto Marsicano
publicaram chama-se As Invisíveis Asas da Poesia,
que é de um verso da referida Ode.

Ou muito me engano (coisa bem comum) ou a Ode não consta
nesta edição. Então o negócio é ir atrás da tradução do Augusto
(de novo sem viadagem, por favor).

Ontem eu di uma olhada (idem) e viajei (idem) no texto da Ode,
cujas oito estrofes terminam com um "será que estou acordado
ou dormindo?",
e que começa com um "meu coração dói, parece que tomei um
veneno e estou indo pros infernos...", algo assim.

De qualquer modo, a respeito de rouxinóis,
em vez dos delírios de Keats,
sou mais um haicai de Issa:

trila o rouxinol:
brilho de lua,
reflexo de sol

Bom, esta postagem já está longa e confusa demais,
então chega.

quarta-feira, maio 17, 2006

Em meio ao caos de sentimentos e realidades pesadas de pesadelos, versinhos para abrigar corações que sobrevivem...

Je rêve de vers doux et d'intimes ramages,
De vers à frôler l'âme ainsi que des plumages,

Eu sonhei versos doces de íntimas ramagens,
Versos cocegando a alma ao modo de plumagens,
De vers blonds où le sens fluide se délie
Comme sous l'eau la chevelure d'Ophélie,
Versinhos onde o senso fluido se desfia
Feito os cabelos Dela imersos na água fria,

De vers silencieux, et sans rythme et sans trame
Où la rime sans bruit glisse comme une rame,

Versos silenciosos, sem ritmo ou drama extremo
Onde a rima sutil desliza feito um remo,

De vers d'une ancienne étoffe, exténuée,
Impalpable comme le son et la nuée,

Versos dum arcaico estofo, extenuado,
Impalpáveis feito o som ou o céu nublado,
De vers de soir d'automne ensorcelant les heures
Au rite féminin des syllabes mineures.

Versos de tardes de outono que enfeitiçam horas
No rito feminil das sílabas menores.
De vers de soirs d'amour énervés de verveine,
Où l'âme sente, exquise, une caresse à peine...
Versos de tardes de amor, nervosa bebida,
Onde a alma goza, doida, uma carícia doída...


Je rêve de vers doux mourant comme des roses.
Sonhei versos doces morrendo feito as rosas.

Albert Samain (1858-1900)
Ivan, o cocegador cocegante

quinta-feira, maio 04, 2006

Soneto já antigo novinho em folha


Impossível dizer como começa
essa impressão voraz feito uma enchente:
tentar falar qual sensação é essa,
sacada tão só inconscientemente,

é o meu trabalho ingrato de poeta:
a sina de assassino de versinhos -
os sempre assim rebeldes meus versinhos,
os arremates meus longe da meta...

Tá: apesar da fuga total ao tema
(mas sem nunca perder ela de vista),
aí está a sensação que se assimila

à citada impressão que faz que eu gema
e mais não diga que não seja pista:
a rima já entregou: você, Priscila.

terça-feira, maio 02, 2006

Você, sempre você...

Você é minha imaginação
e minha realidade,
minha razão
e minha insanidade:
todos os meus caminhos vão
na direção

da sua cidade.

domingo, abril 30, 2006

Já que você virou um adulto amargurado, que tal voltar a ser uma criança feliz?

The Lion

The Lion, the Lion, he dwells in the Waste,
He has a big head and a very small waist;
But his shoulders are stark, and his jaws they are grim,
And a good little child will not play with him.

O Leão

O Leão, o Leão, morador das savanas sem fim,
Possui um crânio enorme e uma cinturinha assim;
Porém seus ombros largos, e as mandíbulas, afiadas,
Não são brinquedos próprios às crianças educadas.


The Tiger

The tiger, on the other hand,
Is kittenish and mild,
And makes a pretty playfellow
For any little child.
And mothers of large families
(Who claim to common sense)
Will find a tiger well repays
The trouble and expense.

O Tigre

Já o tigre, por seu turno,
com sua índole mansa,
será excelente amigo
para qualquer criança.
As mães de larga prole,
tão cheias de certezas,
bem sabem como um tigre
poupa muitas despesas.


Hilaire Belloc
Versão brasileira:
Ivan, o siberiano amestrado.

terça-feira, abril 25, 2006

Os versinhos: sempre os versinhos...

Hoje eu triste levantei sorrindo
num contraste tal qual nunca vi:
o dia estava extremamente lindo

e nenhuma pista de você aqui.

segunda-feira, abril 24, 2006

Sorte póstuma de hoje

Você tem um coração generoso e é bem amado, mas vai continuar achando que sua vida está arruinada, ouvirá o choro agônico da pessoa que você ama, terá trinta e sete ataques de nervos e nunca mais vai querer falar com ela até a meia-noite...

segunda-feira, abril 17, 2006

Domingo de Páscoa:

dia da ressurreição do deus da sua civilização:
você se sente morrer como cristão
e como cidadão.

Você passa o domingo inteiro sem ver ninguém:
sozinho, sozinho totalmente,
você se sente morrer como gente,
você se sente morrer como pai,
filho, irmão, neto, primo, sobrinho e tio;
ainda mais complicado,
você se sente morrer como amor,
amante e amado;
você se sente morrer como torcedor,
como poeta, como amigo:
você se sente morrer consigo.

Você sente também que tudo que faz é falho:
você morre até como colega de trabalho.

Você sente enfim que morrer mesmo seria perfeito:
mas quem é você pra morrer tanto,
ou pra morrer de qualquer jeito?

Mortas as rimas, morre também a sua prosa:
é mole ou quer mais?
Bem: você se sente mole:
e por isso quer mais.

quarta-feira, abril 05, 2006

Modesta contribuição pretensiosíssima ao Livro dos Contrários, de Marcos Prado

O tigre se encontrou com o cordeiro
na selva surreal do imaginário:
impossível dizer qual por primeiro
saudou: "Mas se não vejo o meu contrário!"

Depressa o tigre intrépido alertou,
com olhos faiscantes quais coriscos:
"Eu sempre amedrontei quem me topou,
pois minhas listras são sinais dos riscos."

O cordeiro obtemperou calmamente,
sorrindo feito a estrela da manhã:
"Mesmo a voragem faz bem à semente,
ternura que se aprende em minha lã."

Incapaz de interpretar tais finuras,
o tigre abriu a boca e devorou-o:
foi quando as duas belas criaturas
fundiram-se num anjo que ergueu vôo.

sábado, abril 01, 2006

A dona do meu coração...

A dona do meu coração é bem estranha
no jeito que ela lida com o que ganha:

meu coração batendo à sua porta,
confiante que com ele ela se importa.

Às vezes ela mima ele no colo,
às vezes ela solta ele no solo...

Tem horas que ela mata ele nos peitos,
momentos em que lista os seus defeitos,

tem dias que ambos passam feito vítimas
e noites que enchem com loucuras íntimas...

A dona do meu coração é bem estranha
mas sempre que eu me jogo ela me apanha.

quinta-feira, março 30, 2006

versinhos balsâmicos (refletidos por ti*)

*

DAS UTOPIAS
Mario Quintana

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!

terça-feira, março 28, 2006

a dor que agora dói ne mim

a dor que agora dói ne mim
não é qualquer dorzinha assim

a dor que agora dói ne mim
não é qualquer riminhazinha que dá fim

a dor que agora dói ne mim
não dá pra te explicar timtim por timtim

a dor que agora dói ne mim
não some nem com pó de pirlimpimpim

a dor que agora dói ne mim
não é por te saber tão perto e longe enfim

não é por tantos nãos e im
perfeições que escrevo aqui

talvez então seja porque
eu hoje não ouvi

não compreendi
pedi pra você repetir

sentindo a dor que agora dói ne mim
na palavrinha que você me disse sim

quinta-feira, março 23, 2006

Pediu ganhou...

se nosso sexo
é sempre assim,
assim não iria
a bissetriz
verter-te despida?

por isso peço
que espirre em mim:
vai ser o dia
mais feliz
da minha vida...

Vamos abrir as portas da esperança...

(um diálogo fora do tempo e do espaço)

- Ivan: você deve escolher todas as seguintes alternativas:
- Oba! Quer dizer: tá bom: manda...
- Você vai ver seu time em crise (sem o técnico germanofáustico) perder em seu próprio chão, e assim ser eliminado do campeonato, com direito a contusão do craque da equipe; depois você vai ver pela TV o time perder de novo, em solo carioca, no dia (na noite) do seu aniversário (e também do craque em crise); você vai ser enxovalhado neste dia de aniversário, vai sofrer uma dose concentrada das torturas acumuladas ao longo dos últimos tempos...
- É emocionante: e o que mais?
- O pior fica pro fim: na manhã seguinte, ligeiramente ressaqueado, você vai acordar sorrindo e o dia vai estar lindo.
- Eu não mereço tanto...
- Não mesmo: melhor você voltar pros versinhos antes que se quebre o encanto...
- Positivo, operante: deixa aqui pro beque que só mesmo em rima eu adianto.

quinta-feira, março 09, 2006

Eu só reflito você...*

*

ESTIVAL

Rubén Darío

___I

A tigresa de Bengala,
com sua lustrosa pelugem de listras,
está alegre e gentil, está de gala.
Salta pelas águas ariscas
dum riacho, ao cerrado
bambuzal; logo ei-la diante
da rocha à entrada de sua gruta.
Ali lança um rosnado,
se agita feito uma bacante
e eriça de prazer a pele hirsuta.

A fera virgem ama.
É o mês do ardor. Parece o solo
um rescaldo, e o sol
no céu, imensa chama.
Pela ramagem sepulcral
salta em fuga um marsupial.
A jibóia incha, dorme, esquenta-se
ao tórrido lume;
um pássaro senta-se
repousando sobre o verde cume.

Sentem-se vapores de forno;
e a selva indiana,
em lufadas de ar morno,
lança, sob os langues tons
do céu, um sopro de si.
A tigresa ufana
respira a plenos pulmões,
e ao ver-se bela, altiva, soberana,
dilata os seios, acelera as pulsações.

Contempla sua grande pata, e nela a garra
de marfim; logo toca
o veio de uma rocha,
o testa e o marca.
Observa então seu flanco
que açoita com o rabo pontiagudo
em preto e branco,
inquieto e felpudo;
depois seu ventre. Em seguida
abre as largas mandíbulas, altaneira
qual rainha a exigir vassalagem;
e então fareja, busca, segue. A fera
exala algo à maneira
de um suspiro selvagem.

Um surdo rosnado
ouviu. Depressa
volve a visão de lado a lado.
E cintila o olhar verde e dilatado
ao ver de um tigre a cabeça
surgir sobre o topo de um penhasco.
O tigre aproximava-se.
____..............................Mui garboso.

Gigantesco talhe, pêlo fino,
olhar puxado, robusto pescoço,
era um Don Juan felino
na selva. Em silenciosos solavancos
vem, vê a tigresa inquieta, sozinha,
e lhe exibe os brancos
dentes; e logo agita
a cauda catita.

Ao caminhar se via
seu corpo ondear, com garbo e bizarria.
Miravam-se os músculos inchados
debaixo da pelugem. E se diria
ser aquela criatura
um rude gladiador da altura.
Os pêlos eriçados
do lábio relambia. Quando andava,
seu peso afundava
a relva verde e mole,
e o ruído de seu bafo semelhava
o ressoar de um fole.
Ele é, ele é o rei. Cetro de ouro
não, mas a garra vasta
que se crava régia no crânio do touro
e carnes desbasta.

A grande águia negra, de pupilas
de fogo e curvo bico reluzente,
tem o Aquilão; as fundas e tranqüilas
águas são do caimão; o elefante
possui planalto e planície;
a víbora, os juncais à sua malícia;
e um ninho aquecido,
na árvore suspendido,
é da ave doce e terna
que ama a primeira luz.
_______........................Ele, a caverna.

Não inveja ao leão a juba, nem ao potro
o casco, nem ao hipopótamo
o lombo corpulento,
que, sob as ramagens do copado
baobá, ruge ao vento.

Assim caminha orgulhoso, chega, afaga;
corresponde a tigresa que lhe espera,
e com carícias as carícias paga,
em seu selvagem ardor, a carniceira.

Depois, o misterioso
tato, as impulsivas
forças que arrastam com poder pasmoso;
e – Oh, grande Pan! o idílio monstruoso
sob as vastas selvas primitivas.
Não aquele das musas de brandas horas
suaves, expressivas,
nas curtas auroras
e nas azuis noites pensativas;
mas o que a tudo inflama, anima, exalta,
pólen, seiva, calor, nervo, braveza,
e em torrentes de vida brota e salta
do seio da grande Natureza.

____II

O príncipe de Gales vai à caça
por bosques e por morros,
com seu grande séquito e cachorros
da mais fina raça.

Silenciando o tropel dos vassalos,
detendo parelhas e cavalos,
com a visão inquieta
contempla os dois tigres, na entrada
da gruta. Demanda a escopeta,
e avança e não se abala.

As feras se acariciam. Não ouviram
o tropel dos caçadores.
A esses terríveis seres,
embriagados de amores,
com cadeias de flores
poderiam tê-los jungido
à nevada concha de Citera
ou ao carro de Cupido.

O príncipe atrevido
se adianta, se aproxima, pára;
aponta a arma e fecha um olho; dispara;
da arma o estrondo
ecoa pelo bosque fechado.
O tigre sai correndo
e a fêmea cai, o ventre perfurado.

Oh, está morrendo!... Mas antes, fraca, hirta,
esguichando sangue pela ferida aberta,
com olhar dolorido
fita aquele caçador, lança um gemido
feito um ai! de mulher..., e cai morta.

_____III

Aquele macho que fugiu, bravo e medonho
com os raios ardentes
do sol, em seu covil depois dormia.
E então tem um sonho;
que enterrava as garras e os dentes
em ventres rosados
e peitos de mulher; e que engolia
em pedaços delicados
refeições tão plenas,
como tigre guloso entre gulosos,
umas quantas dezenas
de bebês tenros, louros e saborosos.


Versão brasileira: Ivan Justen Santana

terça-feira, março 07, 2006

só mais um poeminha de amor...

minhas lágrimas em teus olhos
me falaram de amor:
pra que queimar meus miolos
se basta ofertar-te uma flor?

se tudo que eu dissesse
chegasse até você como prece,
quem sabe a falta de pressa
fosse afinal um fim que começa

sem essa de querer ser deusa:
já é demais ser só você mesma:
você já descansou minha beleza

musa: nossa comida está servida
no banho, na cama e na mesa


Antonio Thadeu Wojciechowski e Ivan Justen Santana

terça-feira, fevereiro 28, 2006

DIRETO DE SÃO PAULO, AO VIVO, UM POEMA COM INÍCIO, MEIO E SEM FINAL FELIZ.

Caso eu forçasse o meu lápis ou o teclado
pra produzir algum versinho combinado,

não é certeza, mas muito provavelmente
faria um poema mesmo digno de gente:

eu até poderia enganar qualquer uma
que desejasse se enxergar inteira em bruma

e cada letra viraria então verdade,
ganhando assim com a rima a realidade.

Mas meu sentimento não é somente som:
não é só esse ó aqui que soa certo e bom:

quando eu começo (e comecei) minha arapuca
é pra roçar sem nenhum dó na tua nuca,

é pra pescar teu corpo, e de quebra o coração,
é pra fazer do nosso amor enfim canção

que muito mais do que palavra é sopro da alma,
é olho no olho, lábio em lábia, palmo a palma.

Só que se você faz pouco caso e não liga
me sinto feito um poeminha duma figa,

feito um versinho que perdeu o metro e a rima
(buscando embaixo o que ficou ali pra cima):

feito um Cupido que só atira bumerangues:
um coração que bate seco por seus sangues.

segunda-feira, fevereiro 27, 2006

MAIS UM TEXTO DE HOSPÍCIO, PARA DETALHAR A RAZÃO DA MINHA VIDA E MEU ESTADO EMOCIONAL NO PERÍODO

O ENIGMA

Numa certa vez incerta, um cidadão que por pura coincidência se chamava Édipo foi consultar o Oráculo, que por pura coincidência era o de Delfos.

Aí, por pura coincidência, o cidadão Édipo chegou para uma muito sedutora pitonisa que vivia por lá e perguntou: “Qual é a resposta do Enigma?”

E a pitonisa, muito sedutora: “É uma face imaginária enquadrada numa circunferência.”

Então Édipo percebeu que não sabia qual era a pergunta do Enigma.

E assim tudo ficou por isso mesmo.

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

TODA A VERDADE SOBRE O DESAPARECIMENTO DE IVAN JUSTEN SANTANA

Pois então: o que ocorreu mesmo foi que, após fechar seu botequinho predileto da rua Trajano Reis, Ivan se deparou com sua própria imagem espelhada no laguinho ali diante do cavalo-monumento do Largo da Ordem.

Nisso ele pressentiu algo e no que olhou pro lado viu se materializar uma ruiva estupefaciente (um olho verde, o outro furta-cor), de pele muito pálida e com um vestido preto que cobria apenas as partes mais insinuantes.

Ela disse vemcá com o indicador da mão esquerda, e no que Ivan fez menção de ir lá, uma luz cegante o abduziu até o interior duma cozinha hiperdimensional.

Enquanto um gato preto gigante com chapéu de mestre-cuca preparava iguarias inigualáveis, uma cadela trifauce identificou-se como a psicanalista, e cada uma das suas caras carrancudas fez a Ivan uma pergunta:

– Por que está aqui?
– Não sei, eu...
– Qualé a sua?
– É que eu...
– Você só pensa em si mesmo: é tudo eu, eu, eu?
– Mas eu...

Aí o gato bateu com uma colher no prato e numa explosão de trevas surgiu o anjo portador da luz, o qual determinou, apontando seu dedo inflamado para Ivan:

– Ficarás aqui até segunda ordem.
– Então tá, disse Ivan, encolhendo os ombros.

E foi assim que tudo aconteceu.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Porque o amor não admite reflexões prudentes

Tá: então nem você nem eu entendemos direito por que eu postei sobre um flerte com a morte, ou por que eu transformei minha fuça hirsuta numa face glabra.

Mas uma das explicações possíveis pro flerte com a morte foi a efeméride desse último dia 6: completaram-se 90 anos da morte do poeta nicaraguense Rubén Darío: na minha sacrossanta ignorância, eu já tinha ouvido falar nesse chapa, mas nesta última segunda entrei de novo na biblioteca e, além ter virado Borges e Cortázar (por alguns instantes), metamorfoseei-me em Rubén Darío, aprendendo que meu primeiro nome era Félix (se me lembro direito) e que nasci no dia 18 de janeiro de 1867 e morri em 6 de fevereiro de 1916.

Toda essa prosa pernóstica não diz nada do que eu quero mesmo dizer, que está aqui nestes versinhos de Rubén Darío, por mim traduzidos e dedicados para aquela que não me sai do pensamento

PORQUE O AMOR NÃO ADMITE REFLEXÕES PRUDENTES

Senhora: o Amor é violento,
e quando nos transfigura
nos inflama o pensamento
a loucura.

Não peças paz a meus braços
que aos teus braços estão presos:
são de fúria os meus abraços
e são de incêndio meus beijos;
e seria vão o intento
de qualquer razão obscura
se me inflama o pensamento
a loucura.

Minha mente é iluminada
com chamas de amor, Senhora,
qual tenda da madrugada
e qual palácio da aurora.
E ao olor do teu ungüento
vai atrás minha ventura,
e me inflama o pensamento
a loucura.

Meu gozo teu paladar
como um favo conceitua,
como no santo Cantar
mel et lac sub lingua tua.
A delícia: teu alento
em tão fino vaso apura,
e me inflama o pensamento
a loucura.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Flerte com a morte

não consegui olhar direto
dentro dos olhos dela:
ali,
a milímetros da morte certa,
relaxei,
tentei não pensar em nada
ou coisa que o valha:

sim, o fim sorriu pra mim
e eu não vi
nem o fio da navalha...


(isso é supostamente um poema celebrando o fato de que eu raspei barba, bigode e cabelo...)

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Entrei na biblioteca, abri um livro e quando vi

tinha me transformado em Jorge Luis Borges:

O AMEAÇADO

É o amor. Terei que me esconder ou fugir.

Crescem os muros de sua prisão, como num pesadelo. A bela máscara mudou, mas, como sempre, é única. De que me servirão meus talismãs: o exercício das letras, a vaga erudição, a aprendizagem de palavras em línguas exóticas, a serena amizade, as galerias da Biblioteca, as coisas comuns, os hábitos, o jovem amor de minha mãe, a sombra militar dos meus mortos, a noite atemporal, o sabor do sonho?

Estar contigo ou não estar contigo é a medida do meu tempo.

O cântaro já se quebra sobre a fonte, já o homem se levanta com a voz da ave, já se obscureceram os que olham pelas janelas, mas a sombra não trouxe a paz.

É, já sei, o amor: a ansiedade e o alívio de ouvir tua voz, a espera e a memória, o horror de viver uma hora depois da outra.

É o amor com suas mitologias, com suas pequenas magias inúteis.

Há uma esquina pela qual não me atrevo a passar.

Os exércitos já me cercam, as hordas.

(Esta casa é irreal; ela ainda não a viu.)

O nome de uma mulher me dedura.

Me dói uma mulher no corpo todo.



(ligeiramente adaptado de El Amenazado, El oro de los tigres)

domingo, janeiro 29, 2006

Outro soneto de Emiliano Perneta

SÚCUBO

Desde que te amo, vê, quase infalivelmente,
Todas as noites vens aqui. E às minhas cegas
Paixões, e ao teu furor, ninfa concupiscente,
Como um súcubo, assim, de fato, tu te entregas...

Longe que estejas, pois, tenho-te aqui presente.
Como tu vens, não sei. Eu te invoco e tu chegas.
Trazes sobre a nudez, flutuando docemente,
Uma túnica azul, como as túnicas gregas...

E de leve, em redor do meu leito flutuas,
Ó Demônio ideal, de uma beleza louca,
De umas palpitações radiantemente nuas!

Até, até que enfim, em carícias felinas,
O teu busto gentil ligeiramente inclinas,
E te enrolas em mim, e me mordes a boca!

quinta-feira, janeiro 26, 2006

E em vez de respostas, outro surto de lirismo...

vem a noite,
surge a lua:
meu humor muda veloz -

vento quente,
brisa em brasa:
um verão sonhando em nós -

virações
de carnes cruas
no calor da febre atroz -


vibram sons
nas musas nuas
por meu violão feroz -

novamente
as mesmas tramas:
tema em fás, mis, rés e dós -

vingo um não:
minha alma sua -
digo o sim:
minha alma é sua -
e sigo ouvindo sua voz

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Perguntas irrespondíveis (de mim pra mim)

- Ivan, você não vai mais trabalhar?
- Ivan, cadê o seu dinheiro?
- Ivan, você não vai pro Rio de Janeiro?
- Ivan, o que você vai fazer amanhã?
- E depois, Ivan? E depois?
- Ivan, você não vai beber hoje?
- Ivan, você não vai fumar hoje?
- Ivan, você está paranóico com drogas?
- Ivan, sua mente não está uma bagunça?
- Ivan, você percebe que essa postagem está sem estrutura?
- Ivan, você vai terminar de ler o livro do Rilke que parece um blog?
- Vai devolver o livro sem terminar de ler?
- Ivan, você está me ouvindo?
- Ivan, o que vai ser da sua filha?
- Ivan, o que vai ser de você?
- Ivan, você não vai fazer mais uns versinhos?
- Ivan, você vai ao dentista?
- Ivan, que tal jogar um basquete?
- Ivan, será que existe inferno astral?
- Ivan, você está bem?

sábado, janeiro 21, 2006

Toda vez que você me linka

Toda vez que você me linka
Eu sinto um carinho no meu pescoço –
Eu fico bobinho feito quem brinca,
Feito um cachorro escondendo o osso...

Toda vez que você me linka
Eu fecho os olhos e vejo o teu rosto –
Eu sinto o desejo que você sinta
O mesmo prazer no meu nervo exposto...

Toda vez que você me linka
Eu faço versinhos lindos sem fossa –
Eu viro um vampiro na hora em que finca
Dentes sedentos nos seios da moça...

Toda vez que você me linka
Eu fico feliz feito um pinto no lixo –
Eu rio sozinho, me esqueço da rima
E ponho até mais um versinho na estrofe
Toda vez que você me linka...

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Tarde triste lendo

Hoje eu passei a tarde quase inteira lendo.
Sim: lendo o blog contoscanalhas:
dois anos numa tarde:
claro que não li tudo:
algumas postagens mais longas
eu já tinha lido:
então fiquei me culpando:
você nem linkou...
então linko.
Eu ri bastante ali,
ainda por cima porque estou triste.
Muito triste.
Extremamente triste.

terça-feira, janeiro 17, 2006

A quem comentou a postagem anterior:

meus agradecimentos: videm (plural de "vide") o quinto comentário, no qual me reporto a vocês nominalmente, distribuindo (como mandam a justiça e o meu sobrenome) a cada qual o que lhe é devido...

quanto à tarde de hoje, até parece que eu não sei porque escutei pelo menos trinta vezes a seguinte canção de Miguel Gustavo, na interpretação insofismável de Jards Macalé:

E DAÍ ?...

proibiram que eu te amasse
proibiram que eu te visse
proibiram que eu saísse
ou perguntasse a alguém por ti...

que proíbam
muito mais
preguem avisos
fechem portas
ponham guizos
nosso amor perguntará:
e daí?

e daí
por mais cruel perseguição
eu continuo a te adorar:
ninguém pode parar meu coração
que é teu...
só teu...
todinho teu.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

De ida para o passado

no que pensei em voltar
eu já estava ali:
buscando cabular
o dia em que nasci

depois de tudo perdido
e antes de qualquer achado
me flagrei decidido
a faltar ao próprio batizado

assim, pelo sim
ou pelo não
não compareci
à primeira comunhão

velocíssimo
e extremamente lento,
estive dia e noite ausente
na minha festa de casamento

as outras datas todas
suportaram minhas ausências:
passei a vida inteira disposto
a ir às últimas conseqüências

no fim, pro meu enterro,
por meu acerto ou por meu erro
eu até pensei que iria

mas essa jornada
foi imprevistamente adiada
até uma suposta missa de sétimo dia

terça-feira, janeiro 10, 2006

Estranhas dúvidas

Será possível alguém te segurar pelo braço e sugar tuas energias?
Será possível que nesse "pacote" de energias pode entrar a tua vontade de se entorpecer?
Será que é porisso que eu não fumo nem bebo desde o dia 1o. deste ano?
Será que eu deveria prosseguir com a série das musas em vez de fazer essas perguntas cabulosas?
Será que eu devia ter tocado aquela canção ao telefone pra ela?
Será que alguém vai responder alguma dessas questões nos comentários?

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Para minha musa Erato

Eu quis enfim desistir de nós:
Tentei tanto te e me convencer –
Sentia falta de um jeito de terminar...

Então eu disse certamente sei lá,
Afirmei taxativamente um talvez
E escolhi definitivamente um ou.

Hoje acordei, olhei no espelho:
Não estava mais ali quem falou.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

O pior diálogo comigo mesmo que eu jamais consegui escrever

- E aí? Vai postar um diálogo consigo mesmo de novo?
- Não: vou postar um diálogo "não consigo mesmo"...
- Putz: isso também não é novidade: e você sabe...
- Sei? O que?
- Que maltratando assim sua própria pessoa (e sua persona poética), mesmo com toda ironia infinita que você pretende que nunca seja de verdade, você maltrata também as pessoas que gostam de você...
- Eu não consigo evitar: e como você pôde notar, eu tenho escrito cada vez pior, e isso quando consigo...
- Pois é: e além disso faz tempo que você não posta...
- Enfim, quando você diz pra outras pessoas que sua felicidade está com prazo de validade vencido, que você não sabe mais reagir bem a coisa nenhuma, onde quer chegar com isso?
- Eu estive pensando em postar sinceramente, escrever mesmo o que eu penso, mas como você pode ver, não está saindo nada que preste: não consigo nem responder a essa sua última pergunta.
- Você fez ameaças terríveis, foram da boca pra fora porque você tem se revelado incapaz de fazer qualquer coisa até o fim, inclusive aquilo que você sabe que está errado.
- É: eu falei só pra tentar ferir, machucando ainda mais a mim mesmo, apenas por ter pensado a respeito...
- E agora? O que vai ser: o ano mudou de dígito, você nem sequer conseguiu desejar feliz ano novo com sinceridade pra ninguém...
- As perspectivas, eu ia dizer que são ruins, mas a última das atitudes em que estou me refugiando é uma quase-catatonia: nem sequer me entorpecer pra esquecer eu agüento mais. Então não sei das perspectivas. Sei e você também sabe que é necessário mudar de atitude.
- É. Você ouviu esse gato aí no terreno ao lado miando feito um lamento?
- Ouvi: não sou eu, mas eu acho que precisava chorar de um jeito como esse...
- Aconselho você a não reler isso e postar logo, antes que sua conexão discada caia de novo.
- É melhor não reler mesmo: foi tudo escrito de improviso e de novo não consegui dizer mesmo o que eu queria.
- Então poste logo.
- Tá: amanhã quem sabe a gente esteja melhor.
- Não conte com isso: você sabe que a pior hora é a retomada da consciência, o momento de acordar e conseguir se levantar pra enfrentar mais um dia...
- Isso é exagero: o pior é quando alguém fala alguma coisa que te faz lembrar de tudo de uma vez e amargar como que um sal nas feridas.
- Tá: mas você sabe que pode superar qualquer coisa: você é bom.
- Assim você me faz chorar...
- Lágrimas de ironia?
- Não sei. Chega. Vamos dormir que a gente pelo menos ainda sonha.
- Boa noite, grito mudo.
- Boa noite, silêncio ensurdecedor.