terça-feira, março 31, 2015

O DIA DA BOA-CRIAÇÃO

(com o perdão do cacófato no final)

Naquele dia, o poeta que não foi criado numa faculdade de letras porque achava que lá seria colocado numa caixinha conseguiu sorrir pra poeta que tinha sim sido criada numa faculdade de letras e estava até com projeto pronto pruma dissertação de mestrado combinando poesia e linguística. E também naquele dia a poetisa que não tinha problema em ser chamada de poetisa (e não de poeta) passeava de mãos dadas com o poeta adolescente que pretendia fazer curso de paleontologia mas mesmo assim reconhecia que poderia ser bom fazer um curso de letras, sob os olhares apaixonados duma outra poeta (não poetisa) que também era artista plástica e tinha uma namorada interessada em artes que ainda assim conseguia trampar como assistente administrativa num escritório de advocacia de três sócios que às vezes até conseguiam prestar serviços comunitários e um deles até mesmo lia poesia francesa no original e gostava de Mallarmé, e até de Lautréamont, mas às 18h35 daquele dia um armamento químico-bacteriológico foi detonado nas proximidades daquela cidade, e mesmo assim foi um dia lindo e feliz. E até o diabo que não tinha entrado na história conseguiu cometer uma boa-criação, em vez duma má.

ijs
...

segunda-feira, março 30, 2015

A COLETIVIDADE DOS POETAS

(em saudação à reabertura da Feira do Poeta)

A coletividade dos poetas
da Feira do Poeta, de Curitiba
sempre teve lá
sua estrutura.

Tal coletividade sempre lutou
dentro de uma Fundação
que teve indigestões
quase sem cultura.

Entre mortos e mortas, feridos
e feridas, manteve a coletividade
alguma fugaz, resistente,
eterna e boa catadura.

A coletividade ao redor da Feira
vencerá tudo, se for capaz de
vencer sua própria
estupidez e loucura.

A coletividade dos poetas (e das poetas
e poetisas) da Feira do Poeta, de Curitiba:
dura vida dura que contém
a doença e a cura.

Quem atura?


ijs
...

terça-feira, março 17, 2015

UM POEMA DE VIATCHESLAV IVANOVITCH IVANOV

[vertido daqui (é só clicar: sim, eu tenho noções mínimas de russo, mas sem o inglês estaria num mato sem bússola)]


AMOR

Nós — dois troncos que um só raio incendeia,
Duas chamas de noite na floresta,
Nós — dois meteoros na amplidão imensa,
Dum só destino a dupla aguda flecha!

Nós — duas montarias cujas rédeas
A mesma mão detém, — espora: a mesma;
Dois olhos que a mesma visão contemplam,
Tremor das asas duma só quimera.

Nós — um casal de sombras em lamento
Sobre o sagrado mármore do leito
Onde a ancestral Beleza em sono jaz.

Boca de duas vozes e um segredo,
Uma só Esfinge que esse par perfaz.
Nós — os dois braços duma única cruz.


Viatcheslav Ivanovitch Ivanov

Вячеслав Иванович Иванов (Moscou, 1866 — Roma, 1949)

versão brasileira: Ivan Justen Santana
(Curitiba, 17 de março de 2015)

terça-feira, março 10, 2015

À QUE QUASE NUNCA ESTÁ TRISTE

[pra Faena Figueiredo Rossilho]

__Porque versinhos têm razão
Mesmo se alguém achar que é chiste,
__Faço estes aqui – por que não? –
À que quase nunca está triste.

__Melancolia até que vai
Melhor que raiva e dedo em riste,
__Porém este é um corpo que cai
À que quase nunca está triste.

__Sim: basiquinho, simples, bom.
Sem pena, gaiola ou alpiste.
__Sem arroba nem ponto com,
À que quase nunca está triste.

__Nessa linguagem – já se viu –
E nesta estrofe – nem tu viste –
__Fiz este poema igual a um psiu
À que quase nunca está triste.

__Porque nem nunca quase está
Quem sabe que não é despiste
__E eu sei que enfim agradará
A que quase nunca está triste.

__ijs

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