terça-feira, junho 29, 2010

Fora da estação (e pela metade), com vocês, um

*
RENGA DE OUTONO

garoa invisível –

finas lâminas que lavam
nossas velhas almas

som de chuva não se vê:
nem se a lua usava luvas

frágeis mãos morenas
penetram a terra negra
buscam a raiz

cavem, cavem, dedos ágeis:
suas unhas fazem medo

na testa gotículas
há pressa na rua escura
meias e uma saia

brandamente as gotas brancas
se transformam: fios de faca

corte – com três lâminas
enfeitou-se um corpo inerte –
sabe mas não sabe

poema de amor na carne
em sutil caligrafia

desenhos que brilham
numa pele que diz: sim
e os corpos se tocam

e como músicos cegos
respiram num só compasso

melodicamente
a pauta foi calculada
e os corpos se tocam

as pedras azuis do ábaco
deslizam para a direita

a crescente luz
os formatos do luar
e o calor sinfônico

joelhos e violoncelos
cicatriz num longo braço

verberam verbenas
na pauta já calculada:
e o som azul chove

o céu imenso em pedaços
nas gotinhas da janela

um gineceu abre-se
um androceu se antecipa:
anteras panteras

as razões de um negro galho
na emoção da flor do ipê


Ivan Justen Santana
Rodolfo Jaruga

quinta-feira, junho 24, 2010

A HISTÓRIA DE SEMPRE, NUNCA, NÃO, SIM, NEM E NADA SEM TUDO OU MAS

*
Nunca desejava assassinar sempre.

Não sabia serem irmãos de sangue.

Sim disse: nada havia que os cindisse.

Nem avisou: hoje é o dia de nunca.

Sempre mandou pra nunca um bumerangue.

Nunca pensou em usar o brinquedo.

Mas sempre decidiu odiá-lo em segredo.

*

quarta-feira, junho 23, 2010

Depois de ler Jaboc, romance de Otto Leopoldo Winck, até a página 21...

*

TUDO É MESMO SIMULACRO


tudo é mesmo simulacro

num labirinto de espelhos

onde narciso confunde-se

com narciso imagem e eco


eco em si nesse osso sacro

sem quaisquer sinais vermelhos

nem clímax final algum de se

esperar por repeteco

*
*

segunda-feira, junho 21, 2010

01. Elabore um título ao seguinte poema e assim torne-se nosso(a) parceiro(a) --

- acréscimo em 23/06:
Resposta da questã 01: Thadeu postou este no blog dele, e acrescentou um título matador, o qual está agora acrescentado aqui: qualquer dúvida, leiam os comentários desta postagem...
*

O CÉU QUE ME TRAGA

eu fumo porque sei que vou virar fumaça
jamais enfrentarei filas no INPS
sete palmos abaixo e a terra me esquece
o poeta é a estrela cadente que passa

nesta terra de reis sou cego em meio à messe
de todo esse tabaco o qual vicia a massa
e me faz abusar do corpo que ultrapassa
a terra o mar o céu no eterno sobe e desce

e como tudo no universo se desfaz
faço de mim a brasa e também combustível
deixo de ser concreto pra ser invisível

em fogo em fúria som silêncio guerra e paz
como num verso que nenhum poeta fez
a estas constelações convergindo outra vez


Antônio Thadeu Wojciechowski
Ivan Justen Santana

quarta-feira, junho 16, 2010

Em celebração ao Bloomsday:

*
SUPEREGO EM REDONDILHA

Meu prezado e caro Ivan:
tua inspiração é vã;

larga mão de ser pedante,
pois ninguém abrigou Dante;

e não sejas cabotino:
ninguém lê Tomás de Aquino;

vê se não desce o sarrafo:
é: ninguém decifra Safo;

nenhum épico é um idílio:
ninguém quer rever Vergílio;

isto não saiu em vídeo:
ninguém assistiu Ovídio;

sim, é amargo o shake: inspira:

ninguém interpreta Shakespeare;

duplamente o caso é vil:
ninguém viu quem foi o Will;

sem Camões nem bem te espantes:
ninguém ri mais com Cervantes;

larga todos estes poetas:
ninguém curte tais estetas;

na poesia há quem se arrisque:
mas ninguém relê Leminski;

bem trovato não é vero:
quem (ninguém!) recorda Homero?

Pata de asno só dá coice:
afinal ninguém leu Joyce;

assim, enfim, tu também:
Ivan, teu nome é Ninguém.

terça-feira, junho 15, 2010

Revelando as fênix

Hoje é dia de jogo do Brasil na copa do mundo, mas tem outra coisa muito mais importante (pelo menos pra mim:)

é aniversário do meu pai -- feliz aniversário, Sr. Rui!

Ontem palestrei sobre Joyce e o Ulysses, no Centro Feminino (vide aqui), e amanhã haverá mais Bloomsday aqui em Curitiba (maiores informações, vide aqui o blog do meu prezado amigo Felipe).

Assim, prospectivamente eu postei o poema de Rilke sobre Odisseu e as sereias, e agora largo aqui a versão que eu e meu camarada William Crosué Teca fizemos para a folclórica balada anglo-irlandesa Finnegan´s Wake, a qual inspirou Joyce a escrever um catatauzinho aí que vocês devem saber qual é...

VELANDO TIM
(Finnegan´s Wake, em versão brasileira dos Dublês de Dublin)

Tim Finnegan vivia na Rua do Passeio,
um gentil irlandês muito esquisitão;
tinha uma língua cheia de asseio
e pra subir na vida ele usava um formão.
Tinha um jeitinho de quem bebia,
o uísque deixava Tim tantã,
e a fim de firmar o pulso a cada dia
bebia um traguinho toda manhã.

(refrão:)
Truque na morte, dance comigo,
varra o soalho, chacoalhe pra mim;
é ou não é assim como eu digo
uma grande bagunça velando Tim!?

Certa manhã Tim já tava torrado,
a cabeça pesada o fez bambear;
caiu da escada e quebrou seu crânio
e o levaram pra casa a fim de o velar.
Enrolaram Tim num lençol limpinho
e o deitaram na cama de revés,
à sua cabeça um barril de vinho
e um galão de uísque a seus pés.

(refrão:)

Os amigos vieram para velá-lo
e a viúva Finnegan dava um caldo,
primeiro ela trouxe chá com bolinhos,
depois uísque, tabaco e cachimbos.
Biddy O´Brien pôs-se a chorar:
"Um cadáver tão limpo jamais se viu!
Tim, camarada, por que nos deixar?"
"Ah, fecha essa matraca!" disse Paddy McGill!

(refrão:)

Aí Maggie O´Connor ganhou controle,
"Biddy," disse ela, "por certo você erra!"
Mas Biddy pregou-lhe o cinto na goela
e deixou-a no chão, esticada e grogue.
Então no velório o pau quebrou,
e foi homem a homem, mulher a mulher,
a lei da pancada ali se instalou,
salvem morto e feridos quem puder!

(refrão:)

Aí Mickey Malone sentiu o drama
quando um copo de uísque voou assim:
tirou-lhe uma fina e caindo na cama
o copo derrama-se sobre Tim!
Tim revive! Ele ressuscita!
Timothy vindo de volta, eu vi,
diz: "Vamos beber toda essa birita!
Almas do diacho, acham que eu morri?"

(refrão:)

terça-feira, junho 08, 2010

A ILHA DAS SEREIAS

*
Quando, atendendo a seus anfitriões,
após o dia inteiro de trabalho, narrava
suas viagens marítimas e tribulações
em voz calma, nem sequer suspeitava
como apavorá-los, e quais intempestivas
palavras usar para que, como ele viu
naquele tranquilo arquipélago anil,
também os ofuscasse o brilho áureo das ilhas
cuja mera visão traz novamente
o perigo, e não mais em repuxos
de fúria em tumulto, como sempre;
mas sem um som toma os marujos
que sabem: algumas vezes se ouve
uma canção daquelas ilhas douradas –
e eles se lançam aos remos como se
estivessem cercados
pelo silêncio que no espaço imenso
existe, e nos seus ouvidos insiste,
como se ao reverso fosse o denso
canto a que nenhum mortal resiste.


Rainer Maria Rilke
Versão brasileira:
Ivan Justen Santana

domingo, junho 06, 2010

PRA TODAS AS PESSOAS QUE CONHEÇO E QUE GOSTAM SIM DE POESIA...

(qualquer dúvida sobre o título e a quem este poema é dedicado, reportar-se à lista de blogues aqui ao lado para maiores referências imediatas...)

*
Sim, eu também já fui daqueles chatos de galocha
pra quem nenhum verso, nenhuma frase prestava.

E agora, por não querer ser mais um crica broxa,
talvez eu sofra, ao inverso, de complacência brava.

Enfim: minha visão crítica (seja rígida, seja frouxa)
não melhora nem piora as artes da palavra,

e estes dísticos aqui, com essas rimas de trouxa,
contam pouco ou nada à poesia que hoje se grava.

Mas quero e vou celebrar assim, nas coxas,
as tantas maravilhas lidas por mim, sem trava.

Por mais que pegue e largue métrica (era nenhuma),
rimas (névoas-nadas de vaidades, truques e firulas)

– e ainda que achem que só aumento o cordão
dos puxa-sacos – destaco que a poesia está à solta:

sim, assim como as bruxas, a violência e o horror,
tem cada vez mais poetas, cada vez mais arte ao redor,

cada vez mais merda e lixo, sim, mas cada vez mais
são mais motivações e mais razões e mais canções

pra criar mais
alegria: multiplicar o prazer
e assassinar a dor.

quarta-feira, junho 02, 2010

JOVEM PRA SEMPRE

(Forever Young, Bob Dylan)

Que Deus te benza e guarde sempre,
Que os teus desejos se realizem,
Que faças sempre o bem aos outros
E deixe-os fazer bem a ti.
E que uma escada até as estrelas
Construas para percorrê-la,
Que tu prossigas jovem sempre,
Jovem pra sempre, jovem pra sempre,
Que tu prossigas jovem sempre.

Que amadureças à justiça,
Que amadureças à verdade,
Que saibas sempre discernir
E as luzes ver em torno a ti.
Que tenhas sempre mais coragem,
Que te ergas alto e sejas forte,
Que tu prossigas jovem sempre,
Jovem pra sempre, jovem pra sempre,
Que tu prossigas jovem sempre.

Que tuas mãos sempre se ocupem,
Que teus pés sempre sejam ágeis,
Que tuas bases sejam firmes
Quando vierem vendavais.
Que o coração sempre te anime,
E sempre cantem tua canção,
Que tu prossigas jovem sempre,
Jovem pra sempre, jovem pra sempre,
Que tu prossigas jovem sempre.


Versão brasileira: Ivan Justen Santana

terça-feira, junho 01, 2010

UMA NÊNIA A WILSON BUENO

*

Nossa Santa já não pode mais ser Cândida

Nossa vida assassinada e cada vez mais bandida

Facada que vem sem nem falar pra que vinha


Mas as frases não acabam no final da linha

Um sangue de poeta grava toda a escrivaninha


*