quarta-feira, setembro 27, 2006

Arte Poética

Mirar o rio feito de tempo e água
e recordar que o tempo é outro rio,
saber que nos perdemos como o rio
e que os rostos passam como a água.

Sentir que a vigília é um outro sonho
que sonha não sonhar, e que a morte
que teme nossa carne é essa morte
de cada noite, que se chama sonho.

Ver no dia ou no ano um símbolo
dos dias do homem e de seus anos,
converter o desrespeito dos anos
numa música, num rumor e um símbolo.

Ver na morte o sonho, no pôr-do-sol
um triste ouro, assim é a poesia
que é imortal e pobre. A poesia
volta como a aurora e o pôr-do-sol.

Às vezes numas tardes uma cara
nos mira lá do fundo de um espelho;
a arte deve ser como esse espelho
que nos revela nossa própria cara.

Contam que Ulisses, farto de prodígios,
chorou de amor ao divisar sua Ítaca
verde e humilde. A arte é essa Ítaca
de verde eternidade, não prodígios.

Também és como o rio interminável
que passa e fica e é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
e é outro, como o rio interminável.


Ivan Jorge Justen Luis Santana Borges, 2006.

domingo, setembro 24, 2006

Outro soneto sísmico, inspirado em quem?



DEUSA A DEUS

Nem bem na mesa a ceia foi servida
Jogo a toalha branca em prol da paz.
Agora que sei pra que serve a vida
Eu faço versos como quem desfaz.

Os convivas brindam vivas ainda;
Só eu, a contragosto, digo mais:
"A festa está que está, mulher, bem-vinda,
Vamos comer, beber, dançar, iguais.

Tenho comigo você, Deusa amiga,
Que nunca desaponta a ponta do prazer,
Tampouco pede pra eu pagar pra ver

Se o populacho continua a intriga."
- Amado, diz a Deusa, o céu nos cai
Como uma luva cai. Levanta e vai.


Antonio Thadeu Wojciechowski
Ivan Justen Santana

sábado, setembro 23, 2006

O Equinócio provoca sonetos sísmicos que dizem sim

Sim,
foi isso
que vocês
leram:

a chegada da Primavera
(quente no Rio
e fria
e pluviosa
aqui na cidade
que não é a "maravilhosa")

provocou fenômenos fora de qualquer tempo e espaço
e também os mesmos velhos novos versinhos floridos:

eu postaria a imagem duma flor,
mas prefiro que você mesma(o?)
imagine como resposta:
a flor "promessa positiva
de felicidade instantânea

e eterna".

O soneto fica para quem tema -
esta postagem é para que você

gema e também responda

sim.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Dia da Árvore...



Um + Uma

O amor, penugem que roça
a pétala mais evanescente

à flor diáfana da paixão
que aflora quase imperceptivelmente,

pega o pélago pelo avesso
e faz cordilheiras trocarem de endereço.

Se um coração se divide em dois
pra absorver o impacto dessa batida,

paixão e amor são, pois,
duas partes duma só partida.


Francisco Cardoso
Ivan Justen Santana

(postagem-presente de aniversário para VOCÊ)

domingo, setembro 17, 2006



uma imagem para uma canção...

É Isso Aí
Ana Carolina

Composição: Damien Rice
(vers.: Ana Carolina)

É isso aí
Como a gente achou que ia ser
A vida tão simples é boa
Quase sempre

É isso aí
Os passos vão pelas ruas
Ninguém reparou na lua
A vida sempre continua

Eu não sei parar de te olhar
Eu não sei parar de te olhar
Não vou parar de te olhar
Eu não me canso de olhar
Não sei parar
De te olhar

É isso aí
Há quem acredite em milagres
Há quem cometa maldades
Há quem não saiba dizer a verdade

É isso aí
Um vendedor de flores
Ensinar seus filhos
A escolher seus amores

Eu não sei parar de te olhar
Eu não sei parar de te olhar
Não vou parar de te olhar
Eu não me canso de olhar
Não vou parar
De te olhar

sexta-feira, setembro 08, 2006


Sauterelle, divertissement de mes désirs, charme de mon rêve; * sauterelle, muse des champs, harmonieuse ailée,

Gafanhota, distração de meus desejos, canção de meu sonho; [...] gafanhota, musa dos campos, harmoniosa alada,

Lyre naturelle, joue-moi ce que j´aime * en frappant avec tes petites pattes tes ailes chanteuses.

Lira natural, musica-me aquela que amo [...] batendo com tuas patinhas tuas asas canoras.

Pour que des peines tu me délivres, et du souci qui me tient éveillé, * sauterelle, toi qui chantes la voix endormeuse d´amour.

Para que das penas tu me libertes, e do transtorno que me tira o sono, [...] gafanhota, tu que cantas a voz ninadora do amor.

En présent pour toi de la ciboule verte le matin je te donnerai * et de la rosée à boire, divisée en petites gouttelettes.

De presente para ti a cebolinha verde pela manhã eu te darei [...] e o orvalho para beber, dividido em pequenas gotinhas.

***

Uma lira de Meleagro, vertida por Pierre Louÿs, revertida por Ivan, o trigrilo polilíngüe, que ama em grego, francês e português...

domingo, setembro 03, 2006

Terça Passada

Terça passada foi a vez do meu camarada rubro-negro Flávio Jacobsen fazer o porão Loquax.

Foi talvez o melhor porão da história: os músicos que acompanhavam (que tocam na banda do Flávio, o Gruvox) arrepiaram mesmo mesmo, os versos foram desenrolados com muita propriedade, e surtiram efeito. Apavoraram.

Depois, o microfone foi aberto e uma polêmica poética política comeu solta.

Mas, porém, contudo, no entanto, todavia, o meu amor, ela não estava lá.

Transcrevo então esses versinhos singelos do Flávio, na tentativa de costurar poeticamente, com atraso, mas com afeto, meu passado, meu presente e meu futuro.


eu vi
os olhos do tigre
detrás do vidro do ônibus
eu vi os olhos do tigre
atrás das grades
de uma jaula
de um caminhão
de um circo