segunda-feira, maio 26, 2014

LEVE PRA VOCÊ

(pra Faena)

Já te perdi e assim percebi teu valor
e já tentei viver sem tirar nem compor.

Risquei uns versos 
riscos sempre estão por perto 


e o nosso amor às vezes míngua
feito uma lua – misteriosa língua.

Mas esse poema não é só pra impressionar,
e sim pra te refletir nesse bem simples olhar,

em verso aceso que o coração-cais te escreve
e faz o peso do universo agora tão mais leve.


ijs

...

quinta-feira, maio 15, 2014

A ANGÚSTIA DA EXISTÊNCIA

(Um poema-ensaio-anseio paranaense)

Disseram que não existe cultura paranaense.
Que a cultura paranaense não tem passado nem
presente nem futuro. Escreveram isso ali,
na rede social.
E é verdade mesmo, pois quem escreveu
é um dos mais notórios fabricantes de
cultura paranaense.
E a cultura paranaense é mais que consistente:
é paraconsistente: não existe e existe –
ocupa e não ocupa dois ou mais lugares
em mais de uns sete ao-mesmo-tempos
no espaço de infinitos lugares nenhuns:
sim, está bem ali.
Olhem só: vocês não sabem o que é:
e está bem por lá:
é a cultura paranaense.
Cultura de uma gente que sabe dizer quem não é.
Sabemos e estamos até cansados de dizer que não.
Outra fabricante de cultura paranaense definiu:
“em Curitiba, os dez mandamentos se resumem a um:
não” – pois é: sim, paranaense não é só
o curitibano que não se enxerga no espelho
do banheiro de manhã – olhem mais ali,
logo ali, em Londrina: Londrina nasceu ontem,
não pode existir, não fica no Brasil: portanto...
É paranaense.
Sim, pode até ser um drama pro Domingos
Pellegrini, que certamente se dependesse dele
moraria num estado chamado Iguaçu,
com capital londrinense – a capital: talvez Foz –
enfim, é outro fabricante de cultura paranaense:
não existe, logo está ali, nesse nosso estado –
e já que estamos citando nomes, não espalhem:
não existiu um compositor musical
chamado Brasílio Itiberê, ali de Paranaguá,
que compôs uma certa “Sertaneja”, música
precursora da mistura de elementos clássicos
com tradição popular – mas cadê essa “Sertaneja”?
Ninguém sabe, ninguém ouviu – portanto:
existe: é paranaense.
Vamos passar à arquitetura:
“o estilo arquitetônico predominante durante
o ciclo do mate, quando Curitiba deu um salto
civilizatório, foi o eclético” – sim, eclético, mas
o que é isso? É o que não é – é a mistura das coisas
que são, portanto, novamente:
paranaenses.
Vamos lá, vamos aprofundar mais ao nível pessoal:
estava eu (até que demorei pra falar de mim, não?
enfim, agora aguentem...) mediando e organizando
um evento bem paranaense: o Bloomsday – sabem,
o Bloomsday, sobre a obra daquele escritor irlandês
James Joyce, que escreveu um livro que não tem ponto
final (epa, claro que tem – então, devia ser algo bem
paranaense), sabem, né, então, estávamos naquela
livraria paranense chamada Fnac, sabem, e eu
fui babaca –
opa, vamos parar: você, Ivan, foi babaca?
Sim, pois é: estava na assistência
(querem coisa mais paranaense que chamar
quem assiste de assistência? – enfim, vamos lá,
Ivan, demorou com a história) estava na assistência
um grande escritor paranaense: Cristóvão Tezza –
ué, mas ele não nasceu em Lages?
Exatamente: eu fui babaca de “brincar” que o
Tezza não podia ser um escritor paranaense –
e enfim, meio que me justificando:
nunca fomos ali tão paranaenses:
a livraria era francesa, o escritor homenageado,
irlandês – mas o nome do shopping, apesar de “park”
era (é) Barigui.
Tá aí.
Podemos ser curitibabacas o quanto nossas falhas
permitam – e gostamos de fazer esses meas-culpas,
pelo menos eu por mim estou gostando disso,
eu que sempre-nunca me orgulhei
de ser curitibano de pai e mãe curitibanos,
e pra meu próprio horror-amor um dia descobri:
se aqui somos alguma coisa,
somos todos (e todas) tingui,
tinguis, tupis, nos nossos topônimos
estão essas “nossas” (com e sem aspas)
origens: Curitiba, Guarapuava, Maringá,
Paraná – pois é: dizem que até nem mesmo
o nome desse estado foi escolhido aqui,
mas está aí, nosso, e nosso de quem,
meus caros e caras pálidas?
O negócio é que o adiantado da hora
me obriga a seguir atrasando e incomodando –
e também me desculpando: Domingos,
nada pessoal: os paranaenses que acham que se
sabem minimamente paranaenses
gostam de que você exista,
tenha seu jeito e suas opiniões:
com o perdão da intimidade
(imperdoável aos curitibanos, mas perdoável –
porque inexistentes – aos paranaenses),
o teu sobrenome de imigrante, Domingos,
é o mesmo sobrenome de Kolody,
de Leminski, de Trevisan, de Karam,
de Bueno, de Wojciechowski, e até do
França – sim, do Alexandre França,
esse grego curitibano que agora resolveu
morar em São Paulo – do mesmo jeito
que aquele Carlos Careqa, que mantém
essa nossa cultura bem paranaense:
que não existe, está aí, não incomoda,
incomoda –
e ninguém nota.
Aliás, alguém aí
ouviu falar da Ada Macaggi?
Então, lá
em Paranaguá,
políticos confundem Júlia da Costa
com Júlia Wanderley
nas inaugurações de bustos de praças,
portanto: sim, existe
a cultura paranaense,
existiram e existem e existirão
Arrigo Barnabé,
Itamar Assumpção,
que são lá de Londrina,
de Arapongas, ou não –
voltando aos mais paranaenses
lá de Santa Catarina, como não:
se por lá existe uma cidade chamada
Curitibanos, que quem nasce lá deve ser o quê?
Curitibanense? Ou não existe: ou melhor: sim:
paranaense.
Uma cultura que se deseja assim nenhuma,
apagada, emprestada, que quer ser outra
ou adota fácil o que “vem de fora” mas
nasceu logo ali, ali nesse nosso mundo,
tão inexistente e paranaense – enfim:
vamos a mais um descarrego pessoal,
que isso aqui é um poema inexistente,
uma coisa típica paranaense:
alguém aí já viu uma gralha azul
plantando uma araucária?
Que angústia mais angustifólia –
sinto como deve ser essa saudade,
estou escrevendo esse ensaio-anseio também
pruma certa paranaense
que agora está vivendo nos “esteits” –
Xanda Lemos, veja só, que vergonha,
me perdoe a menção – mas vamos rápido
a um corte pra falar de inimizade, calma aí,
que esse treco tem que ser mais polêmico,
então reservem a Xanda e sua banda – e também
a banda Mordida, e quem sabe nessa enrolação
eu também deva mencionar um certo xará,
o Ivan Rodrigues, filho daquele Ivo Rodrigues,
daquela banda, o Blindagem, a Blindagem, enfim,
eu sei, vocês não conhecem, não existe, pois é:
paranaense, demasiadamente paranaense.
Mas estou perdendo o pé:
eu ia falar dum amigo curitibano meu,
um camarada aí, o Márcio Renato dos Santos –
sim: esse também – publicou recentemente
um livro-dicionário sobre Curitiba:
vejam lá, leiam: eu não li (ainda),
sou um tremendo curitibabaca,
mas soube que no livro o Márcio diz
que “autofagia” não existe, que os curitibanos
são na verdade muito críticos e exigentes,
vejam só então:
não é perfeito, perfeitamente
paranaense? –
nos negamos com facilidade:
e aí nesse negamos podemos
até negar que somos “um Brasil diferente”,
e também dizer que não houve escravidão aqui,
e promover esse apagamento duma mestiçagem
duma negritude
que possivelmente vamos ter muita vergonha
em confessar – afinal:
paranaenses, percebem, não existimos,
não temos nem mais a nossa própria
maledicência, está se perdendo...
E o sotaque? Qual sotaque?
Agora está virando mais marcadamente
uma fala acaipirada, porque não, de jeito
nenhum somos caipiras, somos esse
experimento de “primeiro” mundo,
não é mesmo?
Somos essa tentativa
de não ser jacus
que acaba sendo ainda mais jacu:
vide os socorros batéis...
Enfim,
como sempre,
restou muito a ser dito –
quase fiquei ainda mais aflito,
e se é poema também tem que ser
alguma forma de grito – mas tolerem,
que é um modo curitibano – e paranaense,
de ser assim tímido, calado, quieto,
mas de repente flutuante – pois é:
de fato – ultimamente sentimos que
estava acontecendo algo,
que as pessoas (muita gente vindo de fora,
querem algo mais contraditoriamente
paranaense?) estavam mais simpáticas,
mudando, se enturmando –
e realmente – mudamos pra novamente
voltar a amaldiçoar nossas angústias
de existência inexistente,
e agora – ei, e agora, você nem falou
das artes plásticas, do problema do grafite,
da oficialidade versus o vandalismo,
e já vai indo?
É, meu caro Ivan:
a sua loucura não é mais
nem menos paranaense
que a de todos esses que nem fazemos
uma identidade cultural homogênea:
quem sabe com toque de gênio,
ainda com algum oxigênio pra queimar, mas –
não, não existimos como povo,
o Brasil não é isso, nada é assim,
a rima até que é fácil nesse fim,
e você com essa mania de “sim”
quem sabe faça sorrir algum querubim
se não se esquecer de dar à amada um quindim
de um versinho apaixonado e nada chinfrim,
mas outra vez enfim,
volte pra sua tese, não existe cultura paranaense,
não tem jeito, não adianta, esquece,
já bastou, de novo: fim.

Nos vemos todos lá no MON,
na exposição
do João
Turin.


...

terça-feira, maio 06, 2014

Revisão rápida do domingo passado no Instituto Neo-Pitagórico

Foi ótimo visitar novamente o Templo das Musas, rever o presidente Anael, conversar com o Manoel Anísio e a Eliane Martins, e participar do sarau poético organizado pela Andréia Carvalho, que faz parte da turma poética da revista virtual Mallarmargens -- bom também conhecer pessoalmente o jovem Caio Tardelli, que tem publicado belos artigos sobre poesia simbolista nesta revista. E bom também ouvir poetas daqui, dali e de lá, alguns considerando Rimbaud um precursor do simbolismo, outras afirmando que Alphonsus, Cruz e Sousa, e Eduardo Guimaraens são a "trindade" simbolista brasileira [do Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro dá pra extrair umas trinta trindades, sendo que a "paranaense" seria formada por Emiliano, Silveira Neto e Dario, com Adolfo Werneck, Ricardo de Lemos e Ismael Martins na "reserva", e pelo menos mais umas três trindades possíveis...] -- Enfim, o Simbolismo é flexível e permeável mesmo: em certo sentido, toda poesia é simbolista, pois é feita com palavras, esses símbolos tão icônicos e indiciáveis, não? Enfim de novo, a foto aí foi feita pelo Decio Romano.

sexta-feira, maio 02, 2014

Os últimos dois textos do meu irmão aqui

Neste fim de semana completam-se quatro semanas da morte do meu irmão Cid Justen Santana. Resolvi registrar aqui mais dois textos. Não são os últimos dele, mas os últimos que vou postar aqui. Eu não ia postar a crônica, A Noite de um Dia Difícil, porque é prosa, e porque quando digitei achei que o texto não estava tão bem realizado quanto poderia. Bobagem crítica da minha parte: foi escrito em 1987, quando o Cid tinha 16 anos incompletos, e também selecionado para o livro do concurso literário do Positivo daquele ano. O Cid emplacou quatro anos seguidos sendo selecionado e premiado nesse concurso, de 1985 a 1988.

Segue aqui também o Ascensão e Declínio, escrito em 1985. É o primeiro poema dele selecionado no concurso, que resultava (parece que isso acontece até hoje) na publicação do livro Palavra Viva. Poema de um piá de 13 para 14 anos. Ascensão e declínio. E eis a postagem final de tributo ao meu irmão. Valeu, Cid!

***

A Noite de um Dia Difícil

Dias difíceis todos nós temos. São quando o relógio trabalha mais do que nós, ou quando o supermercado está cheio, ou quando a energia acaba. No mais, ligamos a ignição do carro e voltamos pra casa, tendo o cuidado de desligar o rádio quando começa o informe estatal.

A noite de um dia difícil é diferente, repleta de pensamentos. Mesmo que os computadores não queiram, quando algo diferente acontece, nós começamos a pensar. E eu penso.

Penso que não sei se as pessoas continuarão a correr inescrupulosamente atrás do dinheiro, como única alternativa pra uma sobrevivência decente. Somos escravos das horas, do patrão e do "descanso semanal remunerado". O egoísmo e a ambição desunem os homens. Todos correm todos os dias atrás de todo o dinheiro que possam conseguir. Uns poucos andam mais devagar, loucos ou divagadores, ou catadores de lixo. Os carrinhos de madeira não são leves... Os transeuntes fogem apressados dos monstros metálicos que fomos nós mesmos que inventamos porque não sabemos mais andar. Até dar um acidente. A multidão que se forma pra ver um acidente de carro não é muito diferente da legião de formigas que se forma em volta de um gafanhoto morto. E chegamos em casa e acendemos os fios de tungstênio e cobre. Às vezes uma sirene distante indica que houve mais uma desgraça na cidade. Acendemos a televisão instintivamente, mesmo que não queiramos ver televisão. É porque é moda, porque amanhã no trabalho vão comentar o capítulo de ontem que é o hoje amanhã. Afinal as pessoas gostam de conversar e não gostam de contas, e vão pra festas onde se esquecem das contas, bebem acima da conta e falam de assuntos que não são da sua conta. Mas isso são só pensamentos da noite de um dia difícil.

O bicho-homem se esconde na sua toca. Ainda há lá alguns buracos pra sabermos o que está acontecendo lá fora, e pras pessoas se suicidarem com toda a comodidade e segurança. À noite, servem também pra se olhar pra lua prateada, que serve pra lembrar que ainda estamos na Terra e que já houve homens cuja única preocupação era caçar antílopes e olhar pra lua. Esses instrumentos pra ver através das paredes chamam-se janelas. Janelas. Pontinhos brilhantes no céu da noite. Cada um deles é uma pessoa, uma realidade que eu não conheço. Vemos milhares de pessoas todos os dias e milhares de pontinhos todas as noites e não conhecemos ninguém. Somos apenas mais um semblante, mais uma janela. "Janela" não é uma boa palavra pra se terminar uma frase. Não tem ritmo, não é musical. Mas hoje em dia as músicas, que são mais importantes que as poesias, são muitas vezes meros amontoados de acordes permeados de gritos e convulsões, sem lógica ou uma idéia a transmitir. Servem pra que as pessoas se amem em salões chamados danceterias, se mexendo pra lá e pra cá como se tivessem maleita ou quebranto. É porque querem parecer charmosas, querem ser aceitas pela sociedade do consumismo, do imediatismo e do belo. Estamos tão consumistas que julgamos poder fazer as coisas sumirem, desaparecerem apenas porque não nos servem mais. Jogamos algo no lixo querendo que se desintegre, que os átomos desapareçam, contrariando a própria Lei de Lavoisier. Nessa sociedade imediatista, a forma vale mais que o conteúdo, o hábito faz o monge. A sociedade nos impede de sermos nós mesmos. A sociedade nos transforma em robôs. Bip, bip... você já lubrificou suas engrenagens hoje? Mas isso são só pensamentos da noite de um dia difícil.

Temos fitas em nosso videocassete e livros em nossa biblioteca com figuras de árvores, selvas, bichos e cores. E quando nos cansarmos podemos olhar pela janela e ver prédios e flores brotando do chão. Mas as flores também nascem nos gramados que os jardineiros plantam pra depois cortar. As flores, quando ficam belas, são arrancadas por brutos que também amam, pois amar é permitido e significa gostar duma pessoa do sexo oposto, uma espécie de egoísmo a dois, porque as pessoas que se trancam em suas próprias casas precisam de outras que lhes satisfaçam o desejo. E que também ouçam quando estas reclamarem do silêncio ou do gosto do purê no almoço. Afinal não somos uma ilha, embora o oceano, poluído, cada vez aumente mais. E uma ilha não tem água por cima nem por baixo, enquanto nós temos espaços vazios por todos os lados. Nas cidades se agrupam pessoas vizinhas em Tempo e Espaço e afastadas em Espírito. Alguns não agüentam a pressão e viajam ao mundo dos sonhos. Eu já não sei mais direito o que está certo e o que está errado. Mas isso são só... você já sabe o resto.

É muito fácil e confortável pensar só nos próprios problemas. Deixar pra ser socialista na faculdade e depois se acomodar pro resto da vida, enquanto pobres coitados alheios a regimes e ideologias morrem de fome. Pior cego é o que não quer esperar doador de córnea...

Os homens buscam doutrinas perfeitas como se governo fizesse milagres. Esquecem que mudanças vêm de dentro pra fora, que se você quer deixar o mundo melhor deve ficar você melhor. Mas o problema é que o sistema escraviza a todos, ele está impregnado em nossas vísceras. O egoísmo de cada um não permite um mundo de igualdade com liberdade. O futuro é tão incerto que talvez até por ironia do destino, o mundo fique melhor. Talvez hoje mesmo haja condição de uma pessoa ser feliz, sabendo que está fazendo a sua parte, que vai morrer tentando deixar o mundo melhor. Ou não. Depende da índole de cada um. Mas isso são só pensamentos da noite de um dia difícil.

Cid Justen Santana (texto selecionado no décimo primeiro concurso literário Palavra Viva, da sociedade educacional Positivo, em 1987)

***

ASCENSÃO E DECLÍNIO

Quão grandiosa foi minha escalada!
Quão harmoniosa foi ela organizada!
Não, não posso pensar
no que era, no que fui, no que seria, no que sou,
nem pensarei, então, no que serei.

Subi na vida.
Doce escalada sofrida.
Ah, se pudesse voltar...
Não, eu não iria arriscar
perder tudo que tinha,
voltar a essa vidinha
mais baixa, mesquinha...

Corroído e corrompido fui
pela classe ostentosa.
Mas agora
o lugar de onde caí era mais alto:
minha queda foi do asfalto
para o macadame.
Fui filhinho de madame,
fui reizinho mandão,
mas agora o meu pão,
como o dos que pisei,
será do trigo que eu semear
e do trigo que eu colher.

Tão enorme era a plantação,
mas agora, agricultor
sem cavalo, sem tração,
minha aragem é a dor,
perdi o trator, o moedor, o arado,
perdi os empregados.
Agora sou eu o trator, o moedor,
o arado e os empregados.

Nunca tinha comido melado,
me sujei, me lambuzei,
quão maior eu fui
através dos que pisei.
No esbanjamento
era e sempre fui
um tremendo dum nojento.

Agora que o carro me deixou,
ó Deus, quão penoso é o caminho
do viajante que pegou carona
– a condução foi sua dona –
e agora tem que andar
sem carona a ajudar,
sem ninguém para chorar
pela queda silenciosa
da mão de obra ociosa.

Miséria, me larga!
Não me leva outra vez!
Minhas posses de burguês
foram e foram!
Se sofri para subir, e desci,
agora que mal aguento esta vida,
como poderei novamente emergir?

Não. Devo desistir.
A sorte não bate duas vezes
e eu voltei, de fazendeiro
a tocador de reses.


Cid Justen Santana (texto selecionado no nono concurso literário Palavra Viva, da sociedade educacional Positivo, em 1985)

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