quinta-feira, março 09, 2006

Eu só reflito você...*

*

ESTIVAL

Rubén Darío

___I

A tigresa de Bengala,
com sua lustrosa pelugem de listras,
está alegre e gentil, está de gala.
Salta pelas águas ariscas
dum riacho, ao cerrado
bambuzal; logo ei-la diante
da rocha à entrada de sua gruta.
Ali lança um rosnado,
se agita feito uma bacante
e eriça de prazer a pele hirsuta.

A fera virgem ama.
É o mês do ardor. Parece o solo
um rescaldo, e o sol
no céu, imensa chama.
Pela ramagem sepulcral
salta em fuga um marsupial.
A jibóia incha, dorme, esquenta-se
ao tórrido lume;
um pássaro senta-se
repousando sobre o verde cume.

Sentem-se vapores de forno;
e a selva indiana,
em lufadas de ar morno,
lança, sob os langues tons
do céu, um sopro de si.
A tigresa ufana
respira a plenos pulmões,
e ao ver-se bela, altiva, soberana,
dilata os seios, acelera as pulsações.

Contempla sua grande pata, e nela a garra
de marfim; logo toca
o veio de uma rocha,
o testa e o marca.
Observa então seu flanco
que açoita com o rabo pontiagudo
em preto e branco,
inquieto e felpudo;
depois seu ventre. Em seguida
abre as largas mandíbulas, altaneira
qual rainha a exigir vassalagem;
e então fareja, busca, segue. A fera
exala algo à maneira
de um suspiro selvagem.

Um surdo rosnado
ouviu. Depressa
volve a visão de lado a lado.
E cintila o olhar verde e dilatado
ao ver de um tigre a cabeça
surgir sobre o topo de um penhasco.
O tigre aproximava-se.
____..............................Mui garboso.

Gigantesco talhe, pêlo fino,
olhar puxado, robusto pescoço,
era um Don Juan felino
na selva. Em silenciosos solavancos
vem, vê a tigresa inquieta, sozinha,
e lhe exibe os brancos
dentes; e logo agita
a cauda catita.

Ao caminhar se via
seu corpo ondear, com garbo e bizarria.
Miravam-se os músculos inchados
debaixo da pelugem. E se diria
ser aquela criatura
um rude gladiador da altura.
Os pêlos eriçados
do lábio relambia. Quando andava,
seu peso afundava
a relva verde e mole,
e o ruído de seu bafo semelhava
o ressoar de um fole.
Ele é, ele é o rei. Cetro de ouro
não, mas a garra vasta
que se crava régia no crânio do touro
e carnes desbasta.

A grande águia negra, de pupilas
de fogo e curvo bico reluzente,
tem o Aquilão; as fundas e tranqüilas
águas são do caimão; o elefante
possui planalto e planície;
a víbora, os juncais à sua malícia;
e um ninho aquecido,
na árvore suspendido,
é da ave doce e terna
que ama a primeira luz.
_______........................Ele, a caverna.

Não inveja ao leão a juba, nem ao potro
o casco, nem ao hipopótamo
o lombo corpulento,
que, sob as ramagens do copado
baobá, ruge ao vento.

Assim caminha orgulhoso, chega, afaga;
corresponde a tigresa que lhe espera,
e com carícias as carícias paga,
em seu selvagem ardor, a carniceira.

Depois, o misterioso
tato, as impulsivas
forças que arrastam com poder pasmoso;
e – Oh, grande Pan! o idílio monstruoso
sob as vastas selvas primitivas.
Não aquele das musas de brandas horas
suaves, expressivas,
nas curtas auroras
e nas azuis noites pensativas;
mas o que a tudo inflama, anima, exalta,
pólen, seiva, calor, nervo, braveza,
e em torrentes de vida brota e salta
do seio da grande Natureza.

____II

O príncipe de Gales vai à caça
por bosques e por morros,
com seu grande séquito e cachorros
da mais fina raça.

Silenciando o tropel dos vassalos,
detendo parelhas e cavalos,
com a visão inquieta
contempla os dois tigres, na entrada
da gruta. Demanda a escopeta,
e avança e não se abala.

As feras se acariciam. Não ouviram
o tropel dos caçadores.
A esses terríveis seres,
embriagados de amores,
com cadeias de flores
poderiam tê-los jungido
à nevada concha de Citera
ou ao carro de Cupido.

O príncipe atrevido
se adianta, se aproxima, pára;
aponta a arma e fecha um olho; dispara;
da arma o estrondo
ecoa pelo bosque fechado.
O tigre sai correndo
e a fêmea cai, o ventre perfurado.

Oh, está morrendo!... Mas antes, fraca, hirta,
esguichando sangue pela ferida aberta,
com olhar dolorido
fita aquele caçador, lança um gemido
feito um ai! de mulher..., e cai morta.

_____III

Aquele macho que fugiu, bravo e medonho
com os raios ardentes
do sol, em seu covil depois dormia.
E então tem um sonho;
que enterrava as garras e os dentes
em ventres rosados
e peitos de mulher; e que engolia
em pedaços delicados
refeições tão plenas,
como tigre guloso entre gulosos,
umas quantas dezenas
de bebês tenros, louros e saborosos.


Versão brasileira: Ivan Justen Santana

2 comentários:

Anônimo disse...

Ivan, estou chocado, acabei de escutar na TV... onaireveS foi preso!!! (Tony)

Anônimo disse...

Isso tá lindo, lindo, lindo...
Nina