A mulher-criança. É a sua entrada em todo o império sensível que sistematicamente a arte deve preparar. Esse deve ser o seu objetivo constante no seu triunfo, afugentando os morcegos com seu repugnante vôo silogístico enquanto os vagalumes tecem sob suas ordens o fio misterioso, o único que pode levar ao coração do labirinto. Essa criatura existe e, se ela não está investida da plena consciência do seu poder, não deixa de ser verdade que é ela que se vê de tempos em tempos fazer uma aparição na mudança de trilhos, comandar por um tempo curto as delicadas engrenagens do sistema nervoso. E é Balkis com seus olhos tão longos que mesmo de perfil parecem olhar de frente, e é Cleópatra na manhã de Actium, e é a jovem feiticeira de Michelet com seu olhar de matagal, e é Bettina perto de uma cascata falando para seu irmão e seu noivo, e é, mais oblíqua ainda só por sua própria impassibilidade, a fada com o grifo de Gustave Moreau, e és tu. Que recursos de felinidade, de devaneio a ponto de submeter a vida a si, de fogo interior a ponto de ir adiante das chamas, de esperteza a serviço do talento e, acima de tudo, de calma estranha percorrida pela luz da espreita, não estão contidos nesses instantes em que a beleza, como que para fazer enxergar mais longe, torna subitamente vã, deixa morrer para ela a agitação dos homens! De que força explosiva esses instantes não estão carregados! A figura da mulher-criança dissipa ao redor de si os mais bem organizados sistemas porque nada pôde fazer com que ela se submetesse a eles ou neles se incluísse. Sua compleição desarma todos os rigores, a começar, eu mal saberia dizê-lo a ela própria, pelos dos anos. Mesmo aquilo que a atinge fortalece-a, embrandece-a, refina-a ainda mais e para resumir completa-a como o cinzel de um escultor ideal, dócil às leis de uma harmonia preestabelecida e que nunca termina porque, sem a possibilidade de um passo em falso, ele está no caminho da perfeição e esse caminho não poderia ter fim. A irradiação subsiste, ou melhor, é a estátua inteira, ainda mais bela se possível fosse, que, despertando para o imperecível sem nada perder de sua aparência carnal, faz sua substância com um sublime cruzamento de raios.
Arcano 17 (página 51)
tradução: Maria Teresa de Freitas & Rosa Maria Boaventura
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