segunda-feira, março 10, 2008

TENTANDO COLAR NOVAMENTE OS CAQUINHOS DO ESPELHO DO BANHEIRO

Você voltou pra casa (tá legal: quitinete no centrão nervoso)
Quase correndo porque sabia que um mínimo desvio -
Até um sorriso da vizinha do terceiro andar
Ou a saudação de rotina da porteira ingênua -
Podia estragar a iminência do poema longo -
Você sofreu consciente esse ataque da vida diária,
Ainda é noitinha e o clima ainda é propício,
E você sabe que vai usar o recurso da terceira pessoa
Como se fosse a primeira,
Velho truque de perspectiva já invectivado anteriormente,
Sacado do gibi do Punho-de-Ferro,
Tendo ainda em vista que o texto a ser escrito é quase prosa,
Que o verso longo e sem medida é sinal de explosão e cansaço,
Que depois ao ser postado vai bagunçar tudo por causa da formatação e do comprimento da coluna,
Sabendo sim que nenhum suporte é grande o suficiente pra abrigar a inspiração poética,
Lembrando também de novo e de novo aquele seu poema escrito no rolo de papel higiênico que seria o único a aturar qualquer tamanho de verso quando usado em formato "paisagem",
Percebendo sim que isso está mais pra prosa e que escrever em prosa,
Você já disse uma vez ao Sandrini,
Dá-lhe a sensação de estar traindo a Musa,
Mas até que está musical,
E até vai meio que rimando,
Então toca o pau,
Ivan,
Sim,
Ivan, você sabe que vai usar dessa vez todos os nomes,
Vai aproveitar o embalo destampatório-emocional,
Vai entregar o jogo todo sem disfarce ficcional,
Vai falar da postagem do Pinduca
(que intimidade é essa? Nem você sabe, mas vá lá)
que você leu e lembrou daquela noite de 1999,
homenagem aos dez anos de falecimento do Leminski,
quando você quase recém-ingresso no mestrado na magnífica USP,
recém-ingresso no escalafobético CRUSP e toda a beleza da coisa
(teatro de graça todo fim de semana na ECA,
cinema de graça todo dia no CINUSP,
biblioteca mágica e silenciosa,
sensação de morar no Parque Barigüi em plena Sampa desvairada, etc)
você mal segurou o mal-estar que o Pinduca lhe causou,
com toda aquela ironia em cima dos uspianos,
e anteontem você leu a postagem em que o mesmo Pinduca
faz alguma (enfim, alguma) concessão à academia,
termo sim execrável aos drop-outs e quejandos,
e aos poetas mais ao estilo do Leminski
que era enfim o teu "objeto de estudo"
(e olha a mudança pronominal - teu, seu, você, tu, enfim, foda-se)
enfim,
você nem soube como comentar isso lá na espelunca sem que parecesse
que você é mesmo esse acadêmico,
esse mestre que surtou pra concluir a porra toda,
e você luta pra voltar àquela sensação antiga e boa de escrever poesia,
você luta pra colar novamente os caquinhos do espelho do banheiro,
peleja pra voltar a ser o grande poeta de bosta que você achava que era -
você chegou na quitinete e ligou o computador,
insuportável a pressa de começar a despejar o surto-impulso em verso,
você não agüentou o tempo de inicialização,
pegou um caderno pra não perder o embalo,
não escreveu nada porque nunca aparece uma caneta nessa hora,
é uma das neuroses que você herdou da sua mãe,
e aí achou lá uma página mal-caligrafada pela Joelma:
"Ivan, fomos a praça caminhar
liguei o PC p/ ouvir música
e deu a tela azul"
muito poético, sim, praticamente
um haicai selvagem em estado de animação suspensa,
do tempo que tua filha ainda morava com vocês,
do tempo em que as coisas não estavam condenadas,
tá, você sabe que ainda não estão,
vai rastejando ainda agora,
conseguiu estopar com a canabis diária e o álcool ocasional,
mas vê que anda sempre por um fio pra recair de novo,
está aí acordando cedo,
fazendo exercício,
cozinhando o blog em banho hiper Maria,
traduzindo o Johnny Panic and the Bible of Dreams
& Other prose writings da idolatrada Sylvia,
a suicida favorita de todos e todas,
e isso te remete à Ana Cristina César,
sim,
você acaba de voltar da BPP,
onde perlustrou o Inéditos & Dispersos
e se assombrou com o primeiro poema infantil ilustrado
no qual a protagonista se joga das alturas,
putz, você sabe que não vai se jogar também,
você sabe que está ainda achando tudo horrível e por certo também fabuloso,
você prevê que ainda assim não vai ser sincero o suficiente,
não vai falar (ops, já está falando) que quase se mijou de rir
na lan-house lendo os poemas em parceria
do Thadeu e do Edson,
e que leu o poema mais recente do Thadeu,
sentindo aquele ciúme leproso de
"Porra, quando é que eu vou jorrar versos assim?",
e...
vai, continua!
E a tua vida afetiva que você bagunçou o quanto pôde,
Não vai citar alguma coisa?
Você sabe que não, que elas vão se arrepiar,
Que uma não quer, que outra babaria, que aqueloutra nem me fale,
Mas que no momento você decidiu ficar "um tempo sozinho"
Provavelmente pelo velho egoísmo e crueldade naturais,
Pra poder ir dormir quase chorando feito o covarde fraco que tu és,
E agora a empolgação vai diminuindo,
Você já atacou o teclado a la Bukowski (bata nela, bata na máquina
Feito um boxeador), você sabe que vai quem sabe até editar os inícios de linha
Porque a porra do editor de texto está maiusculizando sozinho de novo,
Você sabe que daqui a pouco vai salvar esse troço no disquete
Sim, você ainda usa o venerado disquinho quadrado,
Vai revisar, vai falsificar aqui e ali,
Mas vai correr até a cyber loja próxima pra postar tudo isso,
Depois voltar pra casa (vide o início),
Ler a Clarice que te anda obsedando,
E o primeiro livro da tetralogia do Rio Apa
Pra complementar leituras do teu hipotético doutorado,
A respeito da Literatura Paranaense, "A Angústia da Existência",
Que você sabe que existe mas que também não existe
Se for considerar o panorama brasileiro,
O qual já é ultra-periférico mundialmente,
O teu estado do Paraná, então,
Periferia da periferia da periferia da periferia,
E ainda assim os livros estão todos lá,
Caindo aos pedaços mas estão lá,
E o texto do Jamil Snege sobre isso, então,
Aquele capítulo do Como eu se fiz por si mesmo,
Não é genial? Não é aquilo mesmo?
Enfim, que nojo de usar esse enfim que você flagra
Quando não é você mesmo que está usando,
Voltando:
Você vai postar esse troço e amanhã já vai acordar pensando
Se alguém comentou, se o Pinduca tomou conhecimento:
Porra, você quer o quê?
Quer voltar sim a ser considerado gênio
Do jeito que você sabe que não é,
Quer repercussão, quer ser amado e odiado
(você já é, isso não é tão difícil assim)
enfim,
de novo,
você tentou voltar com tudo (e contudo...)
não disse nem metade do que queria,
ou talvez um pouco mais do que queria ou podia,
ou seria capaz,
e agora, rapaz,
agora é hora de encerrar a sessão de descarrego
e ir até o mercado buscar os teus limões do bem,
antes passar no cyber-treco e postar essas,
essas...
você sabe que tem que mandar alguma artilharia pesada aqui,
no final: esse é o final -
você disfarça,
olha pra janela,
nenhum Esteves vai te dar Adeus,
a paisagem urbana é aquela mesma, sim, aquela
e existe apenas o cansaço da noite de um dia fácil/difícil,
existe a possibilidade do sorriso,
a auto-complacência,
o momento em hífen que aguarda a próxima palavra,
e, eventualmente, alguma rima boa por ali à toa
que ainda te abençoa
e te escalavra.

5 comentários:

Giuliano Gimenez disse...

Cacilda!, Ivan. eu diria que isso, sim sim sim e mais, é uma picada literária. Prosa espontânea? Escrita automática? Faltou o rolo de papel higiênico ingressado na impressora e nhec nhec. Tudo a laser. Ivan with laser!
Tive a impressão que vc digladiava, ops, dialogava cotigo mesmo numa espécie de rachadura cerebral. Frases do corpo em movimento? Desautomatização da razão?
Foda! Gostei
Abraço.

polacodabarreirinha disse...

belo poema, ivan!
li como se o escrevesse.

grande abraço
do teu fã

Thadeu

Anônimo disse...

A cola estraga o reflexo dos espelhos, e ao mesmo tempo indica que nenhum espelho é 100% confiável.
- eu que o diga -
Boa sorte com o quebra-cabeça. Abraços.

Anônimo disse...

porrada, véio... massa mesmo... li como se o lia... abraços... leprevost.

Ivan disse...

Muito grato pelos comentários, apesar que agora que vou postar outros versinhos ninguém vir de novo aqui conferir -
de qualquer modo , é reconfortante saber que me lêem, e especialmente quem.