Uma guerra faz cem anos
e faz um milésimo de segundo.
Faz os seres tão humanos
insanos e insanas subindo ao fundo.
Sim: uma guerra até liberta – dizem.
– Não, não, nossa causa é justa – sublinham.
Daqui deste lado da minha fronte
sem muito mais novidade,
penso na razão – ou rima – que aponte
a institucionalidade
da guerra, da guerra interior
da poesia – e largo da métrica
sem desistir
e penso no xadrez, no futebol, no boxe,
na existência aparentemente impossível
sem guerra –
penso em metáforas, metaforizações e justificativas,
me ocorre o poema “guerra sou eu”
do samurai Leminski
mas fico atentado – e estendo
estrategicamente
esta postagem
colando uma tradução:
QUEM MATOU DAVEY MOORE?
[Who Killed Davey Moore? – Bob Dylan
versão brasileira: Ivan Justen Santana]
Quem matou Davey Moore?
Alguma razão, seja qual for?
“Não fui eu,” disse o juiz
“Não apontem o dedo pra mim
Podia ter suspendido no oitavo assalto
Talvez assim salvasse ele, de fato
Mas eles gritariam (e quem me escolta?)
E exigiriam seu dinheiro de volta
É triste que ele tenha ido assim
Mas tinha muita pressão sobre mim
E não fui eu quem derrubei
Não, não me culpem, é assim a lei”
Quem matou Davey Moore?
Alguma razão, seja qual for?
“Não foi nós,” rosnou a multidão
Zumbindo na arena com seu calão
“É uma pena, que nem se discuta
A gente só queria uma boa luta
Não era pra ele encontrar a morte
A gente só queria o suor dos fortes
Nada de errado com esse esporte
E a gente não derrubou ninguém
Não culpem a gente, é assim a lei”
Quem matou Davey Moore?
Alguma razão, seja qual for?
“Não fui eu,” disse o empresário
Fumando seu charuto salafrário
“É difícil falar, é difícil dizer
Eu sempre achei que ele tava bem
Pior para a esposa e para seus filhos
Mas se ele tava mal, devia ter dito
E não fui eu quem derrubei
Não, não me culpem, é assim a lei”
Quem matou Davey Moore?
Alguma razão, seja qual for?
“Não fui eu,” disse o apostador
Ainda com seu papel marcador
“Não fui eu que o levei a nocaute
Nem toquei nele naquela noite
Eu não cometi nenhum pecado
E até apostei nele algum bocado
E não fui eu quem derrubei
Não, não me culpem, é assim a lei”
Quem matou Davey Moore?
Alguma razão, seja qual for?
“Não fui eu,” disse o jornalista
Tomando umas notas numa lista
Dizendo “A culpa não é do boxe
Perigo existe em qualquer esporte”
Dizendo “As lutas vieram pra ficar
O estilo da América é aí que está
E não fui eu quem derrubei
Não, não me culpem, é assim a lei”
Quem matou Davey Moore?
Alguma razão, seja qual for?
“Não fui eu,” disse aquele cujos punhos
Levaram Davey para além dos sonhos
Ele veio duma ilha lá do Caribe
Lá onde o boxe já se proíbe
“Eu bati nele, não vou negar
Mas eles me pagam pra lutar
E não me chamem de assassino
Deus quis assim, foi o destino”
Quem matou Davey Moore?
Alguma razão, seja qual for?