sexta-feira, agosto 06, 2010

Ontem à noite. Sem sorvete.

Sonhei um sonho sonhado por um sonhador onírico:

cenário: bar-vagão-restaurante,
de nome-fantasia Parangolé,
sito à rua Clotário Portugal
(otário no Torto é Gal?),
onde sempre tinha um louco da família
acorrentado no porão
(ou seria no sótão? Mistério...) – ...

O bar-vagão-restaurante vibra
como um gigantesco forno de micro-ondas
ligado.

Dois personagens dialogam:
cura-prosador e poeta-barbeiro:
– Mas comé que aqueles concretistas tiveram a pachorra
de querer dar por encerrado o ciclo histórico do verso?
– Manha...
– O quê?
– Manha: “tiveram a manha”.
É assim que se diz, atualmente. Reformule.
– Tá: mas comé que aqueles concretistas tiveram a manha
de querer dar por encerrado o ciclo histórico do verso? –
indaga o poeta-barbeiro.
– É que não sabiam necas de nádegas de etimologia –
replica o cura-prosador:
– Soubessem que verso tem esse nome
porque sempre volta, e volta sempre,
não passavam um vexame desses.
– Necas de nádegas, certeza!
No instante em que o poeta-barbeiro diz “nádegas”,
uma freguesa de largas ancas e polpudas nádegas
adentra o recinto e senta-se numa banqueta,
diante do balcão.
O cura-prosador começa a socar uma bronha
(alá Leopold Bloom na praia às seis da tarde)
e o poeta-barbeiro, atocontínuo,
emenda outro assunto,
pra tentar disfarçar o tesão
que também o acomete:
– Caralhus! Você viu o novo livro da Assionara?
Com sorvete! Puerra: a Nara é poda pra baralho,
sindudalguma!
O cura-prosador sacode a cabeça
(também por consequência
de seus outros sacolejos, “secretos”)
e obtempera:
– Pois é. Ela é. Sinduda!
Mas, então, por que, por que você,
você não foi, não foi no lançamento,
do Amanhã. Com sorvete! Por quê?
– Caralhus! É que eu tava doente,
de cama, com febre,
e também tava com aquela fome,
fome de Knut Hamsun...
– Pelo menos, pelo menos,
não era de Charles Manson!

Os dois se cagam de rir da piada sem graça,
enquanto a freguesa, imóvel, polpudancálida
aguarda a chegada da barwoman,
a qual se recusa a comparecer ao sonho,
pois não tinha cachê,
tampouco suspiros.

Nem sequer sorvete.

4 comentários:

Unknown disse...

Pow... Geniale. fantástico.

Daria até uma história em quadrinhos...

Anônimo disse...

muito divertido mesmo.

mas tá mais parendo desencargo de consciência que sonho!

abç,

r.

e aquele xadrez?

Wagner Schadeck disse...

"nádegas de etimologia"
Isso ficou legal.
Esse livro da Nara é muito bom.

Abraço

Anônimo disse...

:)

parece o Antônio Fraga pós-moderno! -

Ficou divertido, e como diz o Solda, se não for divertido não tem a menor graça.


n.