sábado, maio 28, 2005

Escovando a estante de clássicos virtuais certa noite...

PERSEU

O Triunfo da Argúcia Sobre o Sofrimento

Só a cabeça já mostra você no ato prodigioso
De digerir o que apenas séculos digerem:
O mamute, claudicante estatuária de tristeza,
Indissolúvel o bastante para enigmar as entranhas
De uma baleia com buracos e buracos, e sangrá-la branca
Nos mares salgados. Hércules não teve problemas,
Lavando aqueles estábulos: lágrimas de um bebê o fariam.
Mas quem se voluntaria para engolir o Laocoonte,
O Cárcere Mortal e aquelas inumeráveis pietás
Ulcerando as paredes sombrias das capelas da Europa,
Museus e sepulcros?
Você.
Você,
Que emprestou penas aos seus pés, não chumbo,
Não pregos, e um espelho para manter a cabeça ofídia
Em perspectiva segura, poderia encarar a careta-górgone
Da agonia humana: um olhar para amortecidos
Membros: não um piscar-basilisco, não um duplo nham,
Mas todos os acumulados últimos grunhidos, gemidos,
Gritos e dísticos heróicos concluindo as milhões
De tragédias encenadas nestes tablados sanguencharcos,
E cada aflição privada uma serpente sibilante
Para petrificar seus olhos, e cada catástrofe
Municipal uma extensão convulsa de cobra,
E o declínio de impérios a grossa casca de uma vasta
Anaconda.
Imagine: o mundo
Socado a uma cabeça de feto, abarrancado, cosido
Com sofrimento desde a concepção acima, e aqui
Está ele à mão. Saibro no olho ou um dedão
Machucado fazem qualquer um se encolher, mas o globo todo
Expressivo de pesar transforma deuses e reis em rochas.
Aquelas rochas, rachadas e gastas, por si mesmas então vão
Se estremunhando e estendem o desespero na face
Escura da terra.
Assim o rigor mortis viria a endurecer
Toda criação, não fosse uma barriga maior
Ainda que engole a alegria.
Você entra agora,
Armado com penas tanto para cócegas quanto vôos,
E um espelho de parque de diversão que torna a musa trágica
Em cabeça decapitada de boneca soturna, uma trança,
Uma serpente enlameada, pendurando-se débil qual absurda boca
Que se pendura em seu lúgubre amuo. Onde estão
Os clássicos membros da teimosa Antígone?
Os robes vermelhos reais de Fedra? As lagrimalumbradas
Tristezas da gentil duquesa de Malfi?
Idas
Na convulsão profunda segurando a face, músculos
E tendões enfeixados, vitoriosos, como a cósmica
Risada acaba com as incosturáveis, pestilentas feridas
De um eterno sofredor.
Para você,
Perseu, a palma, e possa você sopesar
E contrapesar, até o tempo parar, a celestial balança
Que pesa a nossa loucura com a nossa sanidade.

Sylvia Plath
Espelho em português: Ivan (Perseu) Justen Santana

2 comentários:

Zoe de Camaris disse...

essa mulher é muito punk. muito.
e vc manda bala, ivan do cavalo castanho.

Priscila Manhães disse...

Loucura!
Adorei a tradução.
Beijo