A Dario Vellozo
“Meu Senhor, meu Senhor morto, a Teus pés feridos,
Junto ao Teu coração, que sangra e luz, enfim
Eu me prostro, e ajoelho os meus cinco sentidos
– Cinco feras, Senhor! – Tem piedade de mim!”
– “Tu desejas que aos céus, e como estrelas de ouro,
Vá teu Verso insculpir a Mágoa e a Dor cruel,
Para que o mundo, ouvindo o deslumbrante coro,
Do teu Orgulho veja a Torre de Babel.
A ânsia mortal conténs de uma árvore maldita
Que, estéril, sob o sol, flor nem fruto produz,
E, presa à Terra, em vão os braços torce e agita:
Sugam-lhe a seiva e a polpa as ventosas da luz.
Buscas, mas só porque do ‘novo’ o aroma exala,
O crisântemo azul de uma Quimera vã...”
“Surdo! Senhor, sê surdo! É o Demônio quem fala!
É o Blasfemo! É Satã!... Livra-me de Satã!
Creio. Desejo crer. O Invisível fulgura...
A Ciência é um pobre monge estudando o ABC.
Desse Enigma feroz e dessa Luz obscura
Tremo. Quem sou? Quem és? Um Mistério!... Por quê?”
– “Mentes. Tudo isso é pura obra do teu Orgulho.
Tu não crês!” – “Ó cruel, cala-te! Eu hei de crer.
Hei de crer, apesar desse negro marulho
Do teu ódio crescente, abominável Ser!
Hei de crer nessa Mãe Misericordiosa
Que à minha sede o peito oferece do Bem,
Pois vi rolar, rolando em vaga tonitruosa,
Tudo quanto eu amei nos escombros do Além!...
Hei de crer...” – “Não crerás! Não hás de crer mais nunca!
A descrença, infeliz, é como o bronze cru:
Não torce. Eu arranquei a luz dessa espelunca...”
– “Ó maldito Satã!” – “Maldito serás tu!”
“Tem piedade, meu Deus, da lôbrega miséria,
Do veneno animal e da infâmia feroz
De quem Te pede, ó Justo, a paz do Sonho, etérea,
Com angústia no olhar, com soluço na voz!
Do óleo santo do Teu perdão magoado ungi-me,
Dá-me forças, Jesus! Dá-me alento, Senhor!
Para que eu não sucumba ao peso do meu Crime
Antes de ter gozado o verdadeiro Amor!...”
– “Alma, dentro de ti mora um triste coveiro,
Mudo e gelado, como num tanque a boiar...
Sentes-lhe o peso enorme!...” – “Eu faleço, Cordeiro!
Vinho, divino Vinho! Embriaga o meu pesar!
– “Sobre o teu coração dobra angustioso o Remorso,
O Desespero grasna um rouco Cantochão.”
“Em vão, em vão, Senhor, em vão é que eu me esforço
Para deixar de ouvir o clamor da Aflição.
Eu sou triste, Senhor! Triste é a minha existência.
Minha tristeza é bem como a lepra de Jó.
Não resplandece mais a real magnificência...
Tem piedade de mim, meu Senhor! Estou só.”
– 1897 –
Fonte:
Poesias Completas de Emiliano Pernetta
Rio de Janeiro: Livraria Editora Zélio Valverde, 1945
[volume II, pp. 100-102].
Texto transcrito e atualizado por Ivan Justen Santana.
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