(ao Rodrigo Madeira, que inadvertidamente me deu a ideia de, e ao resto da renca toda [eu ia dizer da putarada toda, mas sou um beletrista de respeito e de família, então...)
E como eu não nem a pau humilhasse por
Nenhum lugar incomum mas aquele um mesmo
Lugar qualquer vagamente cu do
Mundo agora nunca mais tão vasto imundo
E sem essa de versar em decassílabos
Rimados que se já veio o Modernismo e
O Concretismo e o Daltonismo e a
Porra toda é sim essas merdas e luzes
Totais são só pra poder botar pra
Foder e usar essas tais todas palavras tabus
Que nem chocam mais ninguém talvez quem sabe
Os beletristas que nem eu ou
Alguns dos meus vários demônios de
Mania ou depressão e as porras todas, enfim,
A máquina do cu do mundo já está
Toda aberta arregaçada rapinada vamos
Lá dialogar com ela desse jeito e
Comentar que agora sim tudo desanda e anda e
Se encaminha: esse poema de merda genial é também
Pra dizer que por exemplo o livro do Pellegrini
Sobre o Leminski é quase mais do mesmo
Quem não soube (ninguém soube) sobre a
Grande bosta e sublimidade do ego amigo
Inimigo enfim de novo é parte e quase nem faz
Parte do problema todo que é fazer
Poesia e agora ligo isso com a merda que
Ocorreu com o livro Ultralyrics do Marcos
Prado que devia estar sendo vendido e distribuído
E aquele bosta e bom escritor bom romancista e
Até razoável poeta daquele Fábio Campana
Não devia ter refugado as condições porque
Não é favor nenhum publicar um poeta de verdade
Foda (muito foda) como foi e é será o Marcos
Prado e pois é que as novas gerações estão
Chegando e se informando e se desinformando
Com as porras todas desses pesadelos pesadédalos
Dos quais tentamos e não conseguimos
Acordar (nem a cor dar) pois sim então eu
Ia dizendo bem no meio da máquina do cu do
Mundo meu eu no espelho e as porras todas
Quais eram mesmo? Ah sim o lance da
Poesia na Bienal de Curitiba -- os lançamentos
Dessa semana que passou (sim estou datando a
Porra do poema e sim eu fui naquele novo shopping
Onde os versos de poetas paranaenses estão lá
Até que venha alguma loja e ocupe o lugar
Onde estão enfeitando e ninguém lê nem sabe
Só acha culto e bonito a poesia local é sim: LOCAL --
Porque enfim a porra toda do
Sistema quer disciplinar a existência da arte e
Não adianta e adianta sim estamos no ponto
Em que as coisas são e não são tranquila
Mente enfim se fosse mesmo pra representar a
Poesia em Curitiba não podiam ter faltado
O Thadeu e o Lepre e o Adriano Smaniotto o
Qual devia estar lá com o poema "A Velha da
Rodoviária" possivelmente o mais emblemático
Dessa nova velha safra desde sempre de
Poetas e poemas se fodendo pra tentar mudar o
Cu do mundo ou mesmo pouco se fodendo
Sim estou queimando mesmo o decoro e a porra
Toda porque é e não é ou não assim
Mesmo a poesia se metendo a Black
Bloc ou só fazendo chuvisco e plic & ploc
Porque a arte tem e foda-se não tem essa missão --
Quem tem no fim muito essa e mais missões
São esses poucos e poucas que controlam a porra
Toda e criam cargos comissionados e puta merda
Não adianta responsabilizar o cara que está lá
Porque meramente cumpre seu papel no jogo mais
Pesado da merda toda mas faz o que consegue
Essas barganhas todas nessas merdas e prosseguem
Mantendo o sistema funcionando que se não
Fosse de outro jeito eu nem não poderia estar
Aqui tentando escrachar e eu mesmo me
Escrachando diante da bosta toda conforme
Ela está posta na mesa de todos mesmo
Quem nem tem mesa diante da qual comer.
E foi só tudo isso que a máquina do cu do mundo me
Disse eu sendo também ela e parte dela e
Envergonhando minha família procurando ser
E não sendo a voz das artes que essa
Renca e eu tentamos ir fazendo e questionando
E postando em blogues e anunciando nessa rede que
De social tem pouco ou quase nada mas
É quase tudo que podemos nessa não fazer
E mesmo assim arriscando a nem sequer
Ser ou não ser ouvido ou levado a sério
E servir na gente o capuz de
Beletrista enquanto o horizonte de
Expectativas é restrito mesmo a
Porra da boceta da caralha da
Máquina do cu do mundo me disse
Isso mesmo melhor seria eu nem não
Me meter a besta de escrever sem freio
E contextualizar mal e porcamente dessa
Forma datando poema com referências
Imediatas mas ficar só assim fazendo
Embaixadinhas com rimas e métricas e
A porra toda da poesia (des)compro(omissada)
Mas já passou da hora e do limite de atenção
De quem está lendo que nem vê aonde quero
Chegar ao mencionar por exemplo o poema da Marília
Kubota no livro da Bienal (Fantasma Civil) que
Nesse ela conclui falando do cu do
Vácuo e esse cu desse vácuo desse
Nosso cu diário de mundo de máquinas
Somos nozes cegos que fazemos também
Merdas sem nem prestar atenção e
O fôlego vai acabando e
Nem pude tramar mesmo o que
Eu queria e esperava pra honrar a
Camisa da poesia que no fundo
Mal se espreme e mal se exprime
Pra sacudir e esculachar ainda que
Com o calão e os palavrões essa porra
Toda que nos transforma e conforma e transtorna
Em todos membros dessa máquina
Desse cu
Desse mundo
Enfim: foda-se e agora está é será com vocês
ijs
____
quinta-feira, outubro 24, 2013
quinta-feira, outubro 10, 2013
SESQUIPEDANTESCAMENTE REVERSANDO
*
Sem meio nem caminho ou sequer pedra
Dalguma tradição (mesmo mais nova),
Na selva hipercinzenta que não medra
Num tempo atemporal de velha cova,
Me achei num limbo – placa: Paraná.
Um ente então piscou na treva torva
Feito se ali não fosse aqui nem lá –
Fosse ente diferente de seu ego,
Futuro a ser, passado que será.
Não era algum fantasma em desapego,
Tampouco um louco trasgo envolto em visgo.
Tratava-se do velho Bento Cego,
Cantor de redondilhas, nunca misgo
Nas rimas de improvisos mais certeiros
Que aqueles que de vez em quando eu fisgo
Até nos reservados dos banheiros.
Os olhos do poeta eram faróis
Iluminando sons, gostos e cheiros,
E ele me perguntou: “Por mim te dóis?
Machuca-te eu estar no esquecimento?”
E eu quis dizer-lhe que entre os meus heróis
Seu vulto era mais firme que cimento.
Porém não houve tempo. Repentino
O repentista se desfez num vento
O qual soprava feio, forte, fino,
Da direção da realidade humana.
Mas eu me recusava ao frio destino
De retornar a um mundo que só engana,
E assim no limbo ali dobrei a aposta
Na inexistência pura, boa, insana:
E aí me apareceu, qual mesa posta,
Outra figura, branca, meiga, longa,
Que em vida se chamou Júlia da Costa.
“Como eu não me afoguei na Babitonga,
Me alegro em ver você escrevendo assim...”
Foi feito algum feitiço de milonga
Saber que aquela voz vinha pra mim,
E todo o Romantismo dessa Júlia
Talvez já me bastasse como um fim.
No entanto o vento, novamente pulha,
Soprou levando a triste e malfadada,
E me foi necessária força hercúlea
Pra não voltar à Terra devastada.
Eu suspeitava mais, desde o princípio,
Que a sugestão de tudo, ou mais que nada,
Ao limbo, mais que estado ou município,
Tornava em dimensão jamais prevista,
Em verbo além gerúndio e particípio,
Na graça duma nuvem simbolista.
E a nuvem eram poucos e eram muitos,
A ouvido, língua, pele, nariz, vista –
Caleidoscópicos curtos circuitos
Tangidos dum saudável brilho insano
De músicas, imagens, tons fortuitos –
Vinham Dario, Silveira e Emiliano,
E Nestor Victor, Rocha Pombo, Adolfo
Werneck e outros junto a este Capistrano,
Rompendo ritmos e envolvendo em golfos
De rufos, de tambores, de fanfarras,
Rindo e chorando ao lado do balofo
Emílio com inda afiadas garras –
Eu percebia que era sonho e que era
Também fruto das minhas próprias marras
De cultivar com asas e com cera
Um pensamento que não há quem pense –
E os vultos proclamavam-me: “Pudera!
Existe a poesia paranaense!
Mesmo escandida em metros pés quebrados,
Mesmo se à crítica ela não convence!”
E festejamos livres kolodys leminskis por marcos e prados...
IJS
* * *
Sem meio nem caminho ou sequer pedra
Dalguma tradição (mesmo mais nova),
Na selva hipercinzenta que não medra
Num tempo atemporal de velha cova,
Me achei num limbo – placa: Paraná.
Um ente então piscou na treva torva
Feito se ali não fosse aqui nem lá –
Fosse ente diferente de seu ego,
Futuro a ser, passado que será.
Não era algum fantasma em desapego,
Tampouco um louco trasgo envolto em visgo.
Tratava-se do velho Bento Cego,
Cantor de redondilhas, nunca misgo
Nas rimas de improvisos mais certeiros
Que aqueles que de vez em quando eu fisgo
Até nos reservados dos banheiros.
Os olhos do poeta eram faróis
Iluminando sons, gostos e cheiros,
E ele me perguntou: “Por mim te dóis?
Machuca-te eu estar no esquecimento?”
E eu quis dizer-lhe que entre os meus heróis
Seu vulto era mais firme que cimento.
Porém não houve tempo. Repentino
O repentista se desfez num vento
O qual soprava feio, forte, fino,
Da direção da realidade humana.
Mas eu me recusava ao frio destino
De retornar a um mundo que só engana,
E assim no limbo ali dobrei a aposta
Na inexistência pura, boa, insana:
E aí me apareceu, qual mesa posta,
Outra figura, branca, meiga, longa,
Que em vida se chamou Júlia da Costa.
“Como eu não me afoguei na Babitonga,
Me alegro em ver você escrevendo assim...”
Foi feito algum feitiço de milonga
Saber que aquela voz vinha pra mim,
E todo o Romantismo dessa Júlia
Talvez já me bastasse como um fim.
No entanto o vento, novamente pulha,
Soprou levando a triste e malfadada,
E me foi necessária força hercúlea
Pra não voltar à Terra devastada.
Eu suspeitava mais, desde o princípio,
Que a sugestão de tudo, ou mais que nada,
Ao limbo, mais que estado ou município,
Tornava em dimensão jamais prevista,
Em verbo além gerúndio e particípio,
Na graça duma nuvem simbolista.
E a nuvem eram poucos e eram muitos,
A ouvido, língua, pele, nariz, vista –
Caleidoscópicos curtos circuitos
Tangidos dum saudável brilho insano
De músicas, imagens, tons fortuitos –
Vinham Dario, Silveira e Emiliano,
E Nestor Victor, Rocha Pombo, Adolfo
Werneck e outros junto a este Capistrano,
Rompendo ritmos e envolvendo em golfos
De rufos, de tambores, de fanfarras,
Rindo e chorando ao lado do balofo
Emílio com inda afiadas garras –
Eu percebia que era sonho e que era
Também fruto das minhas próprias marras
De cultivar com asas e com cera
Um pensamento que não há quem pense –
E os vultos proclamavam-me: “Pudera!
Existe a poesia paranaense!
Mesmo escandida em metros pés quebrados,
Mesmo se à crítica ela não convence!”
E festejamos livres kolodys leminskis por marcos e prados...
IJS
* * *
terça-feira, outubro 01, 2013
Carta aberta a Rogério Pereira e Luiz Rebinski Junior
"O Paraná se emancipou politicamente em 1853, mas o primeiro sinal de vitalidade intelectual no Estado aconteceria apenas décadas depois, devido à atuação de Newton Sampaio. Ele nasceu no dia 10 de setembro de 1913, em Tomazina, e morreu no dia 12 de julho de 1938, na Lapa. [...] nesse brevíssimo período de vida ele conseguiu, sem exagero, chacoalhar, e mesmo, inventar -- intelectualmente -- a província. [...] foi o primeiro a combater o provincianismo e a evitar o elogio ao escritor apenas pelo fato de ele ser uma personalidade da aldeia."
Assim começa o editorial do jornal Cândido, da Biblioteca Pública do Paraná (edição 26, setembro de 2013).
Como poeta, leio esse editorial, e as diversas matérias sobre Newton Sampaio nessa edição do Cândido, como interessantes considerações sobre isso que às vezes imaginamos que existe, às vezes deliramos que tem um estatuto de realidade e de fato consumado, mas muitas outras vezes ficamos com a impressão de não ser coisa lá muito sólida: sim, essas coisas, a cultura, a arte, e especialmente a literatura paranaense.
Mas, como pesquisador e crítico, o que leio nessa edição do Cândido é um belo tiro no próprio pé.
Raciocinem comigo: se devido à atuação de Newton Sampaio houve o "primeiro sinal de vitalidade intelectual do Paraná", o que foi então a criação da própria Biblioteca Pública do Paraná, em 1857? E a inauguração do Museu Paranaense, em 1876? Sinais de mortalidade intelectual?
Deixando de reserva os jornais que passaram a ser publicados aqui após a emancipação, o que foram então as dezenas de revistas que saíram em Curitiba, durante a agitação promovida pelos simbolistas, nas décadas de 1890, 1900, 1910? (Quem quiser conferir um pouco o que foi isso, que consulte a biografia de Cruz e Souza escrita por Paulo Leminski, a qual está lá no recentemente relançado Vida.)
Mais além, no passado, o que foi a atuação do poeta Bento Cego, nascido em Antonina, por volta do ano de 1820, e que percorreu o interior do Paraná e do sul do Brasil, vencendo desafios de viola e se tornando lenda antes do fim do século XIX?
O que é a obra de Julia da Costa, nascida em Paranaguá em 1844, e que recebe atenção crítica até hoje, tendo sido re-editada em 2001, e motivando um romance de um autor contemporâneo radicado e atuante aqui, o Roberto Gomes?
Enfim, o que foram a atuação e as obras de Rocha Pombo, Emiliano Perneta, Dario Vellozo, Silveira Neto, Nestor de Castro, Adolpho Werneck, Nestor Victor, Tasso da Silveira? (São as figuras principais de um período que, a confiar nas declarações do editorial do Cândido, os autores simplesmente ficavam se elogiando só por terem nascido ou viverem aqui, e nenhum de seus trabalhos seria sinal de vitalidade intelectual...)
Mas não paremos só na literatura: o que foram a vida e obra do compositor Brasílio Itiberê? (Recentemente a Gazeta do Povo publicou matéria a respeito dele, e do esquecimento em que se encontra -- clicar aqui para ler.) Sinal de provincianismo, atuação decorativa, nenhuma vitalidade intelectual?
Pelo jeito, são esses agora os "outsiders" (os de-fora), enquanto que o "esquecido" Newton Sampaio, que ganhou prêmio da ABL na década de 1930, foi celebrado na revista Joaquim na década de 1940, re-editado pela Fundação Cultural de Curitiba na década de 1970, recebeu atenção acadêmica, e foi "redescoberto" e publicado diversas vezes nos últimos tempos, esse seria o injustiçado cavaleiro solitário da origem da literatura paranaense?
O professor Paulo Venturelli, da UFPR, e membro da Academia Paranaense de Letras, publicou numa edição anterior do Cândido um texto sobre autores paranaenses e também desconsiderou, sem solenidade nenhuma, tudo (ou seria nada?) que ocorreu na província/Estado antes do advento da revista Joaquim, na segunda metade da década de 1940.
Ora, o que parece é que estamos assim nutrindo uma vergonha do passado original do Paraná. Graças a um artigo de Dalton Trevisan (que além de sair na sua revista, foi republicado na Gazeta do Povo, em 1951), aceitamos gratuitamente que Emiliano Perneta foi um poeta medíocre, e assim ficou todo mundo dispensado de ler e conhecer o que foi feito antes da explosão modernista (com vinte anos de atraso) da revista Joaquim...
Não obstante, quando o jornalista Almir Feijó (numa entrevista de 1978 para a revista Quem) perguntou ao Paulo Leminski o porquê de ele ter atacado o Dalton Trevisan, no final dos anos de 1960, a resposta foi a seguinte:
"[...] quando o Dalton surgiu no cenário curitibano, ele se afirmou atacando Emiliano Perneta. A primeira coisa que Dalton fez, quando surgiu no cenário literário curitibano, foi atacar a marca líder, como se diz em propaganda, que era Emiliano Perneta, num artigo chamado: “Emiliano, um poeta perneta”. E, assim como Dalton começou atacando Emiliano Perneta, eu acredito que, sem saber na época dessas coisas, comecei de certa forma atacando Dalton Trevisan. Agora, Dalton estava errado. Emiliano é um grande poeta."
Para encaminhar a conclusão, dirijo-me aos caros Rogério Pereira e Luiz Rebinski Junior: é certo então que, graças a um artigo satírico sobre a criação da Academia de Letras do Paraná, publicado no Rio de Janeiro, quando Newton Sampaio já tinha abdicado da vida cultural paranaense, a ele seja atribuído esse papel de "primeiro sinal de vitalidade intelectual" do Paraná? Mas se o Emílio de Meneses, que se criou neste mesmo ambiente de provincianos, trinta anos antes de Newton Sampaio nascer, não pintava e bordava com tanta ou mais graça sobre figuras muito mais graúdas e importantes nacionalmente, com suas temidas sátiras?
Entendo que a publicação de um jornal se alimenta das sensações que é capaz de criar no leitor, e eu não teria escrito essa carta se não achasse saudável discutir, fazer afirmações radicais, provocar reações... Mas o efeito de se destacar, com esse tipo de postura polêmica, apenas uma das figuras fundamentais da nossa (será mesmo? enfim...) literatura paranaense, em detrimento de outros que também tiveram seu valor, pode ser bastante negativo para os leitores atuais, quiçá futuros pesquisadores, quando ainda estão por revelar ilustres desconhecidos como José Cadilhe, só para citar um dos verdadeiros "outsiders", que esperam por redescobertas como essa que vocês promoveram.
Ivan Justen Santana, mestre em Letras pela USP (com dissertação sobre Paulo Leminski), doutorando em estudos literários pela UFPR (com pesquisa sobre Emiliano Perneta).
Assim começa o editorial do jornal Cândido, da Biblioteca Pública do Paraná (edição 26, setembro de 2013).
Como poeta, leio esse editorial, e as diversas matérias sobre Newton Sampaio nessa edição do Cândido, como interessantes considerações sobre isso que às vezes imaginamos que existe, às vezes deliramos que tem um estatuto de realidade e de fato consumado, mas muitas outras vezes ficamos com a impressão de não ser coisa lá muito sólida: sim, essas coisas, a cultura, a arte, e especialmente a literatura paranaense.
Mas, como pesquisador e crítico, o que leio nessa edição do Cândido é um belo tiro no próprio pé.
Raciocinem comigo: se devido à atuação de Newton Sampaio houve o "primeiro sinal de vitalidade intelectual do Paraná", o que foi então a criação da própria Biblioteca Pública do Paraná, em 1857? E a inauguração do Museu Paranaense, em 1876? Sinais de mortalidade intelectual?
Deixando de reserva os jornais que passaram a ser publicados aqui após a emancipação, o que foram então as dezenas de revistas que saíram em Curitiba, durante a agitação promovida pelos simbolistas, nas décadas de 1890, 1900, 1910? (Quem quiser conferir um pouco o que foi isso, que consulte a biografia de Cruz e Souza escrita por Paulo Leminski, a qual está lá no recentemente relançado Vida.)
Mais além, no passado, o que foi a atuação do poeta Bento Cego, nascido em Antonina, por volta do ano de 1820, e que percorreu o interior do Paraná e do sul do Brasil, vencendo desafios de viola e se tornando lenda antes do fim do século XIX?
O que é a obra de Julia da Costa, nascida em Paranaguá em 1844, e que recebe atenção crítica até hoje, tendo sido re-editada em 2001, e motivando um romance de um autor contemporâneo radicado e atuante aqui, o Roberto Gomes?
Enfim, o que foram a atuação e as obras de Rocha Pombo, Emiliano Perneta, Dario Vellozo, Silveira Neto, Nestor de Castro, Adolpho Werneck, Nestor Victor, Tasso da Silveira? (São as figuras principais de um período que, a confiar nas declarações do editorial do Cândido, os autores simplesmente ficavam se elogiando só por terem nascido ou viverem aqui, e nenhum de seus trabalhos seria sinal de vitalidade intelectual...)
Mas não paremos só na literatura: o que foram a vida e obra do compositor Brasílio Itiberê? (Recentemente a Gazeta do Povo publicou matéria a respeito dele, e do esquecimento em que se encontra -- clicar aqui para ler.) Sinal de provincianismo, atuação decorativa, nenhuma vitalidade intelectual?
Pelo jeito, são esses agora os "outsiders" (os de-fora), enquanto que o "esquecido" Newton Sampaio, que ganhou prêmio da ABL na década de 1930, foi celebrado na revista Joaquim na década de 1940, re-editado pela Fundação Cultural de Curitiba na década de 1970, recebeu atenção acadêmica, e foi "redescoberto" e publicado diversas vezes nos últimos tempos, esse seria o injustiçado cavaleiro solitário da origem da literatura paranaense?
O professor Paulo Venturelli, da UFPR, e membro da Academia Paranaense de Letras, publicou numa edição anterior do Cândido um texto sobre autores paranaenses e também desconsiderou, sem solenidade nenhuma, tudo (ou seria nada?) que ocorreu na província/Estado antes do advento da revista Joaquim, na segunda metade da década de 1940.
Ora, o que parece é que estamos assim nutrindo uma vergonha do passado original do Paraná. Graças a um artigo de Dalton Trevisan (que além de sair na sua revista, foi republicado na Gazeta do Povo, em 1951), aceitamos gratuitamente que Emiliano Perneta foi um poeta medíocre, e assim ficou todo mundo dispensado de ler e conhecer o que foi feito antes da explosão modernista (com vinte anos de atraso) da revista Joaquim...
Não obstante, quando o jornalista Almir Feijó (numa entrevista de 1978 para a revista Quem) perguntou ao Paulo Leminski o porquê de ele ter atacado o Dalton Trevisan, no final dos anos de 1960, a resposta foi a seguinte:
"[...] quando o Dalton surgiu no cenário curitibano, ele se afirmou atacando Emiliano Perneta. A primeira coisa que Dalton fez, quando surgiu no cenário literário curitibano, foi atacar a marca líder, como se diz em propaganda, que era Emiliano Perneta, num artigo chamado: “Emiliano, um poeta perneta”. E, assim como Dalton começou atacando Emiliano Perneta, eu acredito que, sem saber na época dessas coisas, comecei de certa forma atacando Dalton Trevisan. Agora, Dalton estava errado. Emiliano é um grande poeta."
Para encaminhar a conclusão, dirijo-me aos caros Rogério Pereira e Luiz Rebinski Junior: é certo então que, graças a um artigo satírico sobre a criação da Academia de Letras do Paraná, publicado no Rio de Janeiro, quando Newton Sampaio já tinha abdicado da vida cultural paranaense, a ele seja atribuído esse papel de "primeiro sinal de vitalidade intelectual" do Paraná? Mas se o Emílio de Meneses, que se criou neste mesmo ambiente de provincianos, trinta anos antes de Newton Sampaio nascer, não pintava e bordava com tanta ou mais graça sobre figuras muito mais graúdas e importantes nacionalmente, com suas temidas sátiras?
Entendo que a publicação de um jornal se alimenta das sensações que é capaz de criar no leitor, e eu não teria escrito essa carta se não achasse saudável discutir, fazer afirmações radicais, provocar reações... Mas o efeito de se destacar, com esse tipo de postura polêmica, apenas uma das figuras fundamentais da nossa (será mesmo? enfim...) literatura paranaense, em detrimento de outros que também tiveram seu valor, pode ser bastante negativo para os leitores atuais, quiçá futuros pesquisadores, quando ainda estão por revelar ilustres desconhecidos como José Cadilhe, só para citar um dos verdadeiros "outsiders", que esperam por redescobertas como essa que vocês promoveram.
Ivan Justen Santana, mestre em Letras pela USP (com dissertação sobre Paulo Leminski), doutorando em estudos literários pela UFPR (com pesquisa sobre Emiliano Perneta).
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