(Um
poema-ensaio-anseio paranaense)
Disseram
que não existe cultura paranaense.
Que
a cultura paranaense não tem passado nem
presente
nem futuro. Escreveram isso ali,
na
rede social.
E
é verdade mesmo, pois quem escreveu
é
um dos mais notórios fabricantes de
cultura
paranaense.
E
a cultura paranaense é mais que consistente:
é
paraconsistente: não existe e existe –
ocupa
e não ocupa dois ou mais lugares
em
mais de uns sete ao-mesmo-tempos
no
espaço de infinitos lugares nenhuns:
sim,
está bem ali.
Olhem
só: vocês não sabem o que é:
e
está bem por lá:
é a cultura paranaense.
Cultura
de uma gente que sabe dizer quem não é.
Sabemos
e estamos até cansados de dizer que não.
Outra
fabricante de cultura paranaense definiu:
“em
Curitiba, os dez mandamentos se resumem a um:
não”
– pois é: sim, paranaense não é só
o
curitibano que não se enxerga no espelho
do
banheiro de manhã – olhem mais ali,
logo
ali, em Londrina: Londrina nasceu ontem,
não
pode existir, não fica no Brasil: portanto...
É
paranaense.
Sim,
pode até ser um drama pro Domingos
Pellegrini,
que certamente se dependesse dele
moraria
num estado chamado Iguaçu,
com
capital londrinense – a capital: talvez Foz –
enfim,
é outro fabricante de cultura paranaense:
não
existe, logo está ali, nesse nosso estado –
e
já que estamos citando nomes, não espalhem:
não
existiu um compositor musical
chamado
Brasílio Itiberê, ali de Paranaguá,
que
compôs uma certa “Sertaneja”, música
precursora
da mistura de elementos clássicos
com
tradição popular – mas cadê essa “Sertaneja”?
Ninguém
sabe, ninguém ouviu – portanto:
existe:
é paranaense.
Vamos
passar à arquitetura:
“o
estilo arquitetônico predominante durante
o
ciclo do mate, quando Curitiba deu um salto
civilizatório,
foi o eclético” – sim, eclético, mas
o
que é isso? É o que não é – é a mistura das coisas
que
são, portanto, novamente:
paranaenses.
Vamos
lá, vamos aprofundar mais ao nível pessoal:
estava
eu (até que demorei pra falar de mim, não?
enfim,
agora aguentem...) mediando e organizando
um
evento bem paranaense: o Bloomsday – sabem,
o
Bloomsday, sobre a obra daquele escritor irlandês
James
Joyce, que escreveu um livro que não tem ponto
final
(epa, claro que tem – então, devia ser algo bem
paranaense),
sabem, né, então, estávamos naquela
livraria
paranense chamada Fnac, sabem, e eu
fui
babaca –
opa,
vamos parar: você, Ivan, foi babaca?
Sim,
pois é: estava na assistência
(querem
coisa mais paranaense que chamar
quem
assiste de assistência? – enfim, vamos lá,
Ivan,
demorou com a história) estava na assistência
um
grande escritor paranaense: Cristóvão Tezza –
ué,
mas ele não nasceu em Lages?
Exatamente:
eu fui babaca de “brincar” que o
Tezza
não podia ser um escritor paranaense –
e
enfim, meio que me justificando:
nunca
fomos ali tão paranaenses:
a
livraria era francesa, o escritor homenageado,
irlandês
– mas o nome do shopping, apesar de “park”
era
(é) Barigui.
Tá
aí.
Podemos
ser curitibabacas o quanto nossas falhas
permitam
– e gostamos de fazer esses meas-culpas,
pelo
menos eu por mim estou gostando disso,
eu
que sempre-nunca me orgulhei
de
ser curitibano de pai e mãe curitibanos,
e
pra meu próprio horror-amor um dia descobri:
se
aqui somos alguma coisa,
somos
todos (e todas) tingui,
tinguis,
tupis, nos nossos topônimos
estão
essas “nossas” (com e sem aspas)
origens:
Curitiba, Guarapuava, Maringá,
Paraná
– pois é: dizem que até nem mesmo
o
nome desse estado foi escolhido aqui,
mas
está aí, nosso, e nosso de quem,
meus
caros e caras pálidas?
O
negócio é que o adiantado da hora
me
obriga a seguir atrasando e incomodando –
e
também me desculpando: Domingos,
nada
pessoal: os paranaenses que acham que se
sabem
minimamente paranaenses
gostam
de que você exista,
tenha
seu jeito e suas opiniões:
com
o perdão da intimidade
(imperdoável
aos curitibanos, mas perdoável –
porque
inexistentes – aos paranaenses),
o
teu sobrenome de imigrante, Domingos,
é o
mesmo sobrenome de Kolody,
de
Leminski, de Trevisan, de Karam,
de
Bueno, de Wojciechowski, e até do
França
– sim, do Alexandre França,
esse
grego curitibano que agora resolveu
morar
em São Paulo – do mesmo jeito
que
aquele Carlos Careqa, que mantém
essa
nossa cultura bem paranaense:
que
não existe, está aí, não incomoda,
incomoda
–
e
ninguém nota.
Aliás,
alguém aí
ouviu
falar da Ada Macaggi?
Então,
lá
em
Paranaguá,
políticos
confundem Júlia da Costa
com
Júlia Wanderley
nas
inaugurações de bustos de praças,
portanto:
sim, existe
a
cultura paranaense,
existiram
e existem e existirão
Arrigo
Barnabé,
Itamar
Assumpção,
que
são lá de Londrina,
de
Arapongas, ou não –
voltando
aos mais paranaenses
lá
de Santa Catarina, como não:
se
por lá existe uma cidade chamada
Curitibanos,
que quem nasce lá deve ser o quê?
Curitibanense?
Ou não existe: ou melhor: sim:
paranaense.
Uma
cultura que se deseja assim nenhuma,
apagada,
emprestada, que quer ser outra
ou
adota fácil o que “vem de fora” mas
nasceu
logo ali, ali nesse nosso mundo,
tão
inexistente e paranaense – enfim:
vamos
a mais um descarrego pessoal,
que
isso aqui é um poema inexistente,
uma
coisa típica paranaense:
alguém
aí já viu uma gralha azul
plantando
uma araucária?
Que
angústia mais angustifólia –
sinto
como deve ser essa saudade,
estou
escrevendo esse ensaio-anseio também
pruma
certa paranaense
que
agora está vivendo nos “esteits” –
Xanda
Lemos, veja só, que vergonha,
me
perdoe a menção – mas vamos rápido
a
um corte pra falar de inimizade, calma aí,
que
esse treco tem que ser mais polêmico,
então
reservem a Xanda e sua banda – e também
a
banda Mordida, e quem sabe nessa enrolação
eu
também deva mencionar um certo xará,
o
Ivan Rodrigues, filho daquele Ivo Rodrigues,
daquela
banda, o Blindagem, a Blindagem, enfim,
eu
sei, vocês não conhecem, não existe, pois é:
paranaense,
demasiadamente paranaense.
Mas
estou perdendo o pé:
eu
ia falar dum amigo curitibano meu,
um
camarada aí, o Márcio Renato dos Santos –
sim:
esse também – publicou recentemente
um
livro-dicionário sobre Curitiba:
vejam
lá, leiam: eu não li (ainda),
sou
um tremendo curitibabaca,
mas
soube que no livro o Márcio diz
que
“autofagia” não existe, que os curitibanos
são
na verdade muito críticos e exigentes,
vejam
só então:
não
é perfeito, perfeitamente
paranaense?
–
nos
negamos com facilidade:
e
aí nesse negamos podemos
até
negar que somos “um Brasil diferente”,
e
também dizer que não houve escravidão aqui,
e
promover esse apagamento duma mestiçagem
duma
negritude
que
possivelmente vamos ter muita vergonha
em
confessar – afinal:
paranaenses,
percebem, não existimos,
não
temos nem mais a nossa própria
maledicência,
está se perdendo...
E
o sotaque? Qual sotaque?
Agora
está virando mais marcadamente
uma
fala acaipirada, porque não, de jeito
nenhum
somos caipiras, somos esse
experimento
de “primeiro” mundo,
não
é mesmo?
Somos
essa tentativa
de
não ser jacus
que
acaba sendo ainda mais jacu:
vide
os socorros batéis...
Enfim,
como
sempre,
restou
muito a ser dito –
quase
fiquei ainda mais aflito,
e
se é poema também tem que ser
alguma
forma de grito – mas tolerem,
que
é um modo curitibano – e paranaense,
de
ser assim tímido, calado, quieto,
mas
de repente flutuante – pois é:
de
fato – ultimamente sentimos que
estava
acontecendo algo,
que
as pessoas (muita gente vindo de fora,
querem
algo mais contraditoriamente
paranaense?)
estavam mais simpáticas,
mudando,
se enturmando –
e
realmente – mudamos pra novamente
voltar
a amaldiçoar nossas angústias
de
existência inexistente,
e
agora – ei, e agora, você nem falou
das
artes plásticas, do problema do grafite,
da
oficialidade versus o vandalismo,
e
já vai indo?
É,
meu caro Ivan:
a
sua loucura não é mais
nem
menos paranaense
que
a de todos esses que nem fazemos
uma
identidade cultural homogênea:
quem
sabe com toque de gênio,
ainda
com algum oxigênio pra queimar, mas –
não,
não existimos como povo,
o
Brasil não é isso, nada é assim,
a
rima até que é fácil nesse fim,
e
você com essa mania de “sim”
quem
sabe faça sorrir algum querubim
se
não se esquecer de dar à amada um quindim
de
um versinho apaixonado e nada chinfrim,
mas
outra vez enfim,
volte
pra sua tese, não existe cultura paranaense,
não
tem jeito, não adianta, esquece,
já
bastou, de novo: fim.
Nos
vemos todos lá no MON,
na
exposição
do
João
Turin.
...