sábado, dezembro 17, 2005

Pra minha musa da tragédia

Minha musa da tragédia me deixou.
Levou sua beleza própria
e também a nossa belezinha feita em casa.
Levou sua raiva e sua personalidadezinha difícil.
Deixou só umas tragédias pra eu matar no peito.

Hoje é um dia bem apropriado pra cantar
a minha musa da tragédia.
O dia nasceu azul e vai se acinzentando,
estou me sentindo banalmente triste,
aquela velha tristeza de se achar o último e pior.

Me ataca também,
feito um pronome oblíquo no início da frase,
a dor na consciência por ter machucado tanta gente,
que na verdade é a dor
de ter me machucado a mim mesmo, somente.

De repente aparece uma rima,
súbita surge uma lindeza aqui ou ali,
mas esse canto tem que ser feio, mal feito,
feito só do jeito que eu posso fazer agora:
porca,
irregularmente,
com cara de nenhum amigo.

Isso porque eu ia cantar a minha musa da tragédia
e só consigo mesmo me queixar,
falar de mim,
falar dos próprios versos que vou arrematando,
matando, atando, arre:
nenhum trocadilho que preste pode salvar
ou redimir por um mínimo instante
este pretenso poetastro
que tenta cantar mais uma musa ausente.

Melpômene, Melpômene:
teu nome quer dizer "melodiosa",
também sinônimo de "coro":
quanta ironia:
usar esse tom antimusical,
esses versos capengas,
esse perrengue poético,
esse sentimento de não ser capaz de nada melhor,
pra homenagear você,
minha Melpômene de vila, de subúrbio,
de cu do mundo mesmo.

Mas eu não posso parar de me arrastar,
sub-repticiamente,
com todo esse vocabulário crocodiliano,
com todas essas lágrimas de lagartixa,
evoluindo não pra trágico antagonista,
mas pra anta agonizante.

Pronto.
Eu sei que ainda podia ser pior,
mas está péssimo já do jeito que está.

Na pretensão de escrever um poema em linha torta,
quebrada,
amarfanhada,
fica aqui pra todos botarem defeito
a repetição desrepetida da tragédia
que ando encaçapando no peito:
a musa eu rebati pra linha do escanteio:
não consegui: chamei e ela não veio:
se fiz outro poema horrível,
então vai um poema e meio:

assim
não tem mais poeta em mim:
matei-o.

Um comentário:

Alexandre França disse...

Nestas horas, só a cachaça pra dissolver estes coágulos. Daí, bem manguaça, a gente volta aos poucos a ser poeta. Abs