sábado, agosto 22, 2009

"Quando você nasceu, caiu numa tina de sextinas..."

Doutor nenhum usou tesoura pra este corte
que repartiu meu ser assimétrico assim
e ao satírico pã que sobrou meio à parte
deu flauta de bambu. Nunca flauteei-a bem,
pois sua escala em si define um universo
desmesuradamente infinitesimal.

Lamento muito e sei: não vão achar normal
que eu me remonte ao tom da sextina e recorte
cada cesura – triz! –, cada fatia-verso,
e lance mão de sons – flup! – sem sentido assim,
e gagueje de pró-propósito... Também
ninguém mandou vocês aqui buscarem arte.

Isso que eu faço assim se faz por toda parte
nos reinos mineral, vegetal e animal:
mera reprodução, espelhamento bem
simplório, sim, pois não! Então tome outro corte
no seu bedelhozinho expectativo sim-
ples de grande leitor e masque mais um verso,

um corpo que não cai, um romance ao reverso,
uma rua sem mão, sem cardápio à la carte,
descendo muito mal porque se desse assim
essa semifração decimal desse mal
pra todo mundo não teria mais um corte
bem na cena final pra acabar tudo bem.

Gostei das locuções: mais umas caem bem:
uns loucos sem sessões, outrossins noutro verso,
as rimas sem seus sons, e novamente um corte
pra algo completamente indiferente e à parte:
um Thor de força atroz, um Lóki não-do-mal,
um filho de Odin que faça do não sim

feito aquele versinho assim: não, não, não, sim.
Tá: agora abusei, mas se não fui tão bem,
não fui lá tão – latão? – é, latão: lá tão mal...
Eu só tentei fazer uma sextina verso
a verso, pra ver só como é versar destarte
sem nem tema de amor nem qualquer – mais um corte!

Enfim reverto sim à velha volta ao verso,
desculpo-me a meu bem, que a vida é parca em arte,
e acho esse final mau mas pronto pra outro corte.

8 comentários:

Ivan disse...

Postei com muita pressa e pouco cuidado da primeira vez - agora acho que está provisoriamente definitivo - e oxalá ninguém tenha notado muito os podres da "primeira versão"...

Anônimo disse...

Ivan,

onde vc escreve semifração eu quereria ler decifração.

abço,

Rodolfo.

Ivan disse...

Rodolfo:

O trecho da semifração ficou um pouco (ou ainda mais) complicado porque na montagem inicial eu me enganei e inverti a ordem de mal e sim nessa estrofe - que estava assim:

um corpo que não cai, um romance ao reverso,
uma rua sem mão, sem cardápio à la carte,
uma semifração decimal desse mal
que desce muito mal porque se desse assim
pra todo mundo não teria ainda outro corte
bem na cena final pra acabar tudo bem.

Ao remendar, sei que ficou ainda mais confuso o trecho, mas me agradou que agora o verbo descer pode ser "deslido" como primeira pessoa do indicativo do verbo descender, ganhando o sentido irônico de que esta minha sextina descende muito mal das sextinas clássicas.

Considero também que a palavra decifração poderia sim ser usada aqui e funcionaria muito bem no "campo semântico-poético" do trecho, mas vou manter semifração mesmo, porque sua criação neológica me causou altos prazeres...

Valeu pela leitura e pelo comentário!

Anônimo disse...

punheta semântica, literalmente

Ivan disse...

Na verdade, há menos semântica (significado, conteúdo) e mais sintaxe, morfologia e fonética - sem falar na versificação...

Um(a) anônimo(a) vir aqui e se dar ao trabalho de comentar, destacando a semântica de versinhos que a todo o momento alertam para sua própria petulância e falta de significado... - poucas coisas me deixariam mais embevecido e agradecido.

Anônimo disse...

ivanzito, querido,

reservei o exato acidente, do monti, num sebo, perto de casa, pelo módico preço de cincão, e gostaria muito de saber o seu parecer sobre a obra do seu amigo.
vale a pena?
na cheiradinha rápida que costumo dar em qualquer texto, pude ver uma girafa inusitada surgir no meio da exatidão aparente.

digaê qualé a do livro?

giulianoquase.

Ivan disse...

Giuliano:

não tenho nenhum livro do Tony Monti, mas pelo que já li em seu respectivo blog, considero-o um dos melhores autores contemporâneos da literatura brasileira.

Isso descontando o fato (se é possível fazer tal desconto) de que é um amigo e um camarada muito bacana.

Cincão? Ora, francamente!

Anônimo disse...

assimétricoassim
ficou chic no último!


se eu tentar fizer um desse dá errado
n.