terça-feira, outubro 01, 2013

Carta aberta a Rogério Pereira e Luiz Rebinski Junior

"O Paraná se emancipou politicamente em 1853, mas o primeiro sinal de vitalidade intelectual no Estado aconteceria apenas décadas depois, devido à atuação de Newton Sampaio. Ele nasceu no dia 10 de setembro de 1913, em Tomazina, e morreu no dia 12 de julho de 1938, na Lapa. [...] nesse brevíssimo período de vida ele conseguiu, sem exagero, chacoalhar, e mesmo, inventar -- intelectualmente -- a província. [...] foi o primeiro a combater o provincianismo e a evitar o elogio ao escritor apenas pelo fato de ele ser uma personalidade da aldeia."

Assim começa o editorial do jornal Cândido, da Biblioteca Pública do Paraná (edição 26, setembro de 2013).

Como poeta, leio esse editorial, e as diversas matérias sobre Newton Sampaio nessa edição do Cândido, como interessantes considerações sobre isso que às vezes imaginamos que existe, às vezes deliramos que tem um estatuto de realidade e de fato consumado, mas muitas outras vezes ficamos com a impressão de não ser coisa lá muito sólida: sim, essas coisas, a cultura, a arte, e especialmente a literatura paranaense.

Mas, como pesquisador e crítico, o que leio nessa edição do Cândido é um belo tiro no próprio pé.

Raciocinem comigo: se devido à atuação de Newton Sampaio houve o "primeiro sinal de vitalidade intelectual do Paraná", o que foi então a criação da própria Biblioteca Pública do Paraná, em 1857? E a inauguração do Museu Paranaense, em 1876? Sinais de mortalidade intelectual?

Deixando de reserva os jornais que passaram a ser publicados aqui após a emancipação, o que foram então as dezenas de revistas que saíram em Curitiba, durante a agitação promovida pelos simbolistas, nas décadas de 1890, 1900, 1910? (Quem quiser conferir um pouco o que foi isso, que consulte a biografia de Cruz e Souza escrita por Paulo Leminski, a qual está lá no recentemente relançado Vida.)

Mais além, no passado, o que foi a atuação do poeta Bento Cego, nascido em Antonina, por volta do ano de 1820, e que percorreu o interior do Paraná e do sul do Brasil, vencendo desafios de viola e se tornando lenda antes do fim do século XIX?

O que é a obra de Julia da Costa, nascida em Paranaguá em 1844, e que recebe atenção crítica até hoje, tendo sido re-editada em 2001, e motivando um romance de um autor contemporâneo radicado e atuante aqui, o Roberto Gomes?

Enfim, o que foram a atuação e as obras de Rocha Pombo, Emiliano Perneta, Dario Vellozo, Silveira Neto, Nestor de Castro, Adolpho Werneck, Nestor Victor, Tasso da Silveira? (São as figuras principais de um período que, a confiar nas declarações do editorial do Cândido, os autores simplesmente ficavam se elogiando só por terem nascido ou viverem aqui, e nenhum de seus trabalhos seria sinal de vitalidade intelectual...)

Mas não paremos só na literatura: o que foram a vida e obra do compositor Brasílio Itiberê? (Recentemente a Gazeta do Povo publicou matéria a respeito dele, e do esquecimento em que se encontra -- clicar aqui para ler.) Sinal de provincianismo, atuação decorativa, nenhuma vitalidade intelectual?

Pelo jeito, são esses agora os "outsiders" (os de-fora), enquanto que o "esquecido" Newton Sampaio, que ganhou prêmio da ABL na década de 1930, foi celebrado na revista Joaquim na década de 1940, re-editado pela Fundação Cultural de Curitiba na década de 1970, recebeu atenção acadêmica, e foi "redescoberto" e publicado diversas vezes nos últimos tempos, esse seria o injustiçado cavaleiro solitário da origem da literatura paranaense?

O professor Paulo Venturelli, da UFPR, e membro da Academia Paranaense de Letras, publicou numa edição anterior do Cândido um texto sobre autores paranaenses e também desconsiderou, sem solenidade nenhuma, tudo (ou seria nada?) que ocorreu na província/Estado antes do advento da revista Joaquim, na segunda metade da década de 1940.

Ora, o que parece é que estamos assim nutrindo uma vergonha do passado original do Paraná. Graças a um artigo de Dalton Trevisan (que além de sair na sua revista, foi republicado na Gazeta do Povo, em 1951), aceitamos gratuitamente que Emiliano Perneta foi um poeta medíocre, e assim ficou todo mundo dispensado de ler e conhecer o que foi feito antes da explosão modernista (com vinte anos de atraso) da revista Joaquim...

Não obstante, quando o jornalista Almir Feijó (numa entrevista de 1978 para a revista Quem) perguntou ao Paulo Leminski o porquê de ele ter atacado o Dalton Trevisan, no final dos anos de 1960, a resposta foi a seguinte:

"[...] quando o Dalton surgiu no cenário curitibano, ele se afirmou atacando Emiliano Perneta. A primeira coisa que Dalton fez, quando surgiu no cenário literário curitibano, foi atacar a marca líder, como se diz em propaganda, que era Emiliano Perneta, num artigo chamado: “Emiliano, um poeta perneta”. E, assim como Dalton começou atacando Emiliano Perneta, eu acredito que, sem saber na época dessas coisas, comecei de certa forma atacando Dalton Trevisan. Agora, Dalton estava errado. Emiliano é um grande poeta."

Para encaminhar a conclusão, dirijo-me aos caros Rogério Pereira e Luiz Rebinski Junior: é certo então que, graças a um artigo satírico sobre a criação da Academia de Letras do Paraná, publicado no Rio de Janeiro, quando Newton Sampaio já tinha abdicado da vida cultural paranaense, a ele seja atribuído esse papel de "primeiro sinal de vitalidade intelectual" do Paraná? Mas se o Emílio de Meneses, que se criou neste mesmo ambiente de provincianos, trinta anos antes de Newton Sampaio nascer, não pintava e bordava com tanta ou mais graça sobre figuras muito mais graúdas e importantes nacionalmente, com suas temidas sátiras?

Entendo que a publicação de um jornal se alimenta das sensações que é capaz de criar no leitor, e eu não teria escrito essa carta se não achasse saudável discutir, fazer afirmações radicais, provocar reações... Mas o efeito de se destacar, com esse tipo de postura polêmica, apenas uma das figuras fundamentais da nossa (será mesmo? enfim...) literatura paranaense, em detrimento de outros que também tiveram seu valor, pode ser bastante negativo para os leitores atuais, quiçá futuros pesquisadores, quando ainda estão por revelar ilustres desconhecidos como José Cadilhe, só para citar um dos verdadeiros "outsiders", que esperam por redescobertas como essa que vocês promoveram.

Ivan Justen Santana, mestre em Letras pela USP (com dissertação sobre Paulo Leminski), doutorando em estudos literários pela UFPR (com pesquisa sobre Emiliano Perneta).

6 comentários:

rodrigo madeira disse...

da hora a tua carta aberta, ivan! ilustrada e esclarecedora. nós, os homens de letras do paraná, realmente tendemos a tomar como autoevidente, uma espécie de axioma, aquela redução do dalton. virou um clichê literário achar que a literatura que se preze começou com o newton e com o modernismo tardio encampado pela joaquim.
dalton trevisan é o maior criador - e a maior criatura - já surgido em nossas terras, mas a gente sabe que, ao contrário do leminski por exemplo, a generosidade não está entre suas maiores qualidades...

abçs.

Gunther Furtado disse...

VIOLETA PARRA - CANTORES QUE REFLEXIONAN
En la prisión de la ansiedad
medita un astro en alta voz,
gime y se agita como león
como queriéndose escapar.
¿De dónde viene su corcel
con ese brillo abrumador?
Parece falso el arrebol
que se desprende de su ser.
Viene del reino de Satán,
toda su sangre respondió,
quemas el árbol del amor,
dejas cenizas al pasar.

Va prisionero del placer
y siervo de la vanidad,
busca la luz de la verdad,
mas la mentira está a sus pies.
Gloria le tiende terca red
y le aprisiona el corazón,
en los silencios de tu voz
que se va ahogando sin querer.
La candileja artificial
le ha encandilado la razón,
dale tu mano, amigo sol,
en su tremenda oscuridad.

Qué es lo que canta. digo yo,
no lo consigue responder,
vana es la abeja sin su miel,
vana la hoz sin segador.
¿Es el dinero alguna luz
para los ojos que no ven?
Treinta denarios y una cruz
responde el eco de Israel.
¿De dónde viene tu mentir
y adónde empieza tu verdad?
Parece broma tu mirar,
llanto parece tu reír.

Y su conciencia dijo al fin
cántale al hombre en su dolor,
en su miseria y su sudor
y en su motivo de existir.
Cuando del fondo de su ser
entendimiento así le habló
un vino nuevo le endulzó
las amarguras de su hiel.
Hoy es su canto un azadón
que le abre surcos al vivir,
a la justicia en su raíz
y a los raudales de su voz.
En su divina compresión
luces brotaban del cantor.

Gunther Furtado disse...

VIOLETA PARRA - CANTORES QUE REFLEXIONAN
En la prisión de la ansiedad
medita un astro en alta voz,
gime y se agita como león
como queriéndose escapar.
¿De dónde viene su corcel
con ese brillo abrumador?
Parece falso el arrebol
que se desprende de su ser.
Viene del reino de Satán,
toda su sangre respondió,
quemas el árbol del amor,
dejas cenizas al pasar.

Va prisionero del placer
y siervo de la vanidad,
busca la luz de la verdad,
mas la mentira está a sus pies.
Gloria le tiende terca red
y le aprisiona el corazón,
en los silencios de tu voz
que se va ahogando sin querer.
La candileja artificial
le ha encandilado la razón,
dale tu mano, amigo sol,
en su tremenda oscuridad.

Qué es lo que canta. digo yo,
no lo consigue responder,
vana es la abeja sin su miel,
vana la hoz sin segador.
¿Es el dinero alguna luz
para los ojos que no ven?
Treinta denarios y una cruz
responde el eco de Israel.
¿De dónde viene tu mentir
y adónde empieza tu verdad?
Parece broma tu mirar,
llanto parece tu reír.

Y su conciencia dijo al fin
cántale al hombre en su dolor,
en su miseria y su sudor
y en su motivo de existir.
Cuando del fondo de su ser
entendimiento así le habló
un vino nuevo le endulzó
las amarguras de su hiel.
Hoy es su canto un azadón
que le abre surcos al vivir,
a la justicia en su raíz
y a los raudales de su voz.
En su divina compresión
luces brotaban del cantor.

Gunther Furtado disse...

ou...

um homem de letras dizendo ideias sempre se inflama.

tecatatau disse...

muito bom IIIVVVAAAAaaannn, bela verve, abraços, sexta estarei na reitoria, se estiver a fim passa lá para um café.

tecatatau disse...

boa verve IIIVVVAAAaaannn, sexta estarei na reitoria, se estiver a fim passa lá pelo meio dia. abraços.