segunda-feira, agosto 29, 2016

PRESENTE DE ANIVERSÁRIOS

(de ijs a ffr)

de fato, existe um presente
entre tantos dos presentes
que só eu posso te dar
e o qual você espera sempre
em qualquer tempo e lugar

--- quanto mais no aniversário
ou antes, nos dois: de namoro
e também de birthday mesmo:
neste mês de agosto do poeta
tentei ser teu poeta a gosto
mesmo com rima indireta
e até sem mostrar o rosto.

Felizes aniversários para nós!
___

segunda-feira, agosto 22, 2016

MERA IRONIA DO DESTINO

(Simple Twist Of Fate - Bob Dylan - vb:ijs)

Os dois sentados ali na praça
Enquanto a tarde virava fumaça
Ela o olhou e ele sentiu uma brasa tisnar seus ossos
Sentiu solidão até o pescoço e desejou ter detido o tino
E ficou atento a uma mera ironia do destino

Andaram ao longo do velho canal
Meio confusos, se não lembro mal
Pararam naquele estranho hotel com o neon de brilho forte
Ele sentiu no calor da noite um impacto de trem sobrevindo
Passando como uma mera ironia do destino

Um saxofone ao longe soprava
Enquanto ela andava pelas arcadas
Enquanto a luz furava a sombra onde ele estava semidesperto
Ela pingou uma moeda no caneco de um cego quase dormindo
E passou esquecida por uma mera ironia do destino

Ele acordou, o quarto vazio
Não viu a direção em que ela saiu
Mas decidiu que seria frio, e escancarou as persianas
Sentiu uma angústia desumana, como um bilhete não escrito
Trazido por uma mera ironia do destino

Ele ouve os tique-taques dos minutos
E anda com um papagaio quase mudo
À caça dela nos becos vagabundos aonde os marinheiros vão
Talvez ela volte a ele então – até quando esperar sorrindo
Outra vez por uma mera ironia do destino

As pessoas me dizem que é pecado
Saber o sentimento encalacrado
Ainda creio, ela é meu fado, mas perdi as alianças
Ela nasceu e cresceu criança, e eu não envelheci menino
Tudo culpa de uma mera ironia do destino

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sexta-feira, agosto 19, 2016

UM DIA NA VIDA

[A Day In The Life:]
(Lennon/McCartney -- vb:ijs)


eu li a notícia hoje -- que puxa --
sobre um homem sortudo que chegou lá
e apesar da notícia ser um tanto triste
eu bem que tive que dar risada
eu vi a fotografia

ele estourou a cabeça num carro
-- não percebeu o sinal vermelho
umas pessoas pararam e olharam
-- já tinham visto a cara dele --
ninguém tinha certeza mesmo
se ele não era da câmara dos lordes

eu vi um filme hoje -- que puxa --
o exército inglês ganhara a guerra
umas pessoas se afastaram
mas eu tive que olhar
tendo lido o livro
eu adoraria
ligar
você

*despertador*

acordei
caí da cama
passei um pente na cabeça
achei meu caminho descendo as escadas
e bebi uma caneca
e olhando pra cima
percebi: atrasado
achei meu casaco
e peguei o chapéu
subi no ônibus (dois andares)
achei meu caminho subindo as escadas
e acendi um cigarro
e alguém falou
e penetrei um sonho

eu li a notícia hoje -- que puxa --
quatro mil buracos em Blackburn, Lancashire
e apesar dos buracos serem um tanto pequenos
tiveram que contar todos eles
e agora sabem com quantos buracos
se enche o teatro Albert Hall
eu adoraria
ligar
você

...

quinta-feira, agosto 18, 2016

VOCÊ CAÇOU MEU POKEMON

...

tava demorando:

tava demorando pra colocarem
uma personagem dos videogames
num poema --

enfim,
nada é tão grande novidade
assim --

a poesia é meu game favorito, meu amor:
e você é a personagem principal dela
para mim --

fomos fazer um piquenique
e as crianças só queriam caçar os monstrinhos...

Mas você sabe o que é bom:
por isso, foi você,
sim

só você
foi quem achou
e caçou

meu pokemon.


ijs
[para ffr]

...

terça-feira, agosto 09, 2016

O GALO DE OURO

Poema-conto de Alexandre Pushkin (1799-1837)
Versão brasileira: R. Magalhães Jr (1907-1980)
Seleção e transcrição: Wagner Schadeck
Revisão e preparo: Ivan Justen Santana


Num reino de alto renome,
Do qual não direi o nome,
Viveu um Czar altaneiro
Por nome Dadon Primeiro.
Fero, duro, tudo ousava
E aos vizinhos saqueava.
Mas, minguada com a idade
Sua belicosidade,
Quis então o velho Czar
Das guerrilhas descansar.
Os vizinhos, atrevidos,
Com batalhões aguerridos,
— Como ódio velho não cansa —
Buscaram tirar vingança.
Dadon seu reino perdia
Ou tropas mil manteria...
Seus capitães não dormiam,
Porém às vezes fugiam…
Se era o sul fortificado,
Era o resto vulnerado…
Se era uma brecha coberta,
Já numa praia deserta
Desembarcava o inimigo!
Czar Dadon, ante o perigo,
Quase até mesmo chorava!
Não dormia, — cochilava,
Num viver acabrunhante!
Foi, por isso, a um nigromante
Um velho eunuco pedir
Que viesse o Czar assistir.
O Feiticeiro assentiu
E com o eunuco partiu
Para o palácio do Czar…
Na corte, logo ao chegar,
Tirou de um baú de couro
Um pequeno galo de ouro.
“Este galo — disse o mago —
É a proteção que trago
Ao amado e nobre Czar.
Num poste deve ficar
Bem alto, sobre a cidade,
Dominando a imensidade
Do reino que é vosso orgulho,
Sem ouvir nenhum barulho.
Na altura em que ficará
Este galo cantará
Apontando a direção
Donde quer que haja traição,
Donde a perfídia transpire
Ou o inimigo conspire!”
O mago do galo de ouro
Teve em rublos um tesouro
Mas foi apenas o prólogo:
“— Formula um desejo, astrólogo”,
 Disse o Czar, “e eu, como amigo,
A realizá-lo me obrigo...”

No alto poste colocada,
Ficou a ave bem vigiada,
E, se o perigo apontava,
Como que o galo acordava
E, então, as asas ruflando,
Era de vê-lo cantando,
Co-co-ró, co-co-ri-có!
E indicava um lado só
Por onde vinha o inimigo…
Para Dadon o perigo,
O sobressalto era findo:
Não o pegavam dormindo!

Um ano… Outro ano passou,
E o galo não mais cantou…
Mas um dia, de repente,
Ao Czar Dadon um tenente
Diz: “Acorde, majestade!
O perigo o reino invade!
Venha, venha sem demora!”
“Afinal, que é isto agora?”
Na cama se espreguiçando,
Indaga o Czar gaguejando.
Diz o tenente: “É que o medo
Domina! Senhor, hoje cedo
O galo de ouro cantou!”
Para o galo o Czar olhou
E o viu, no poste, a indicar,
Cantando, o lado do mar.
“Depressa! O inimigo investe!
Cavalheiros! Rumo ao Leste!”
O herdeiro do Czar, valente,
Das tropas saiu à frente.
Como o galo se calou,
Dadon então repousou…

Os dias correram, mágicos,
Sem rumores ou sons trágicos.
Afinal, quem venceria?
O Czar Dadon não sabia…
Mas… Eis o galo cantando
Outra vez… E eis, pois, marchando
Nova tropa, em garbo e brilho,
Tendo à frente o outro filho
Para socorrer o irmão.
Como na outra ocasião,
Dando mostras de contente,
O galo quedou silente.
Más notícias não chegaram…
Oito dias mal passaram,
Já canta o galo e, destarte,
Eis que nova força parte!
Quem a conduz, sobranceiro?
É o Czar Dadon Primeiro!

Noites, dias, ao mormaço,
Marcha, morto de cansaço,
Dadon procurando, em vão,
Uma vaga indicação
Quanto ao campo de batalha…
Nem vestígios de metralha
Nem destroços! Coisa estranha!
Mas ao galgar a montanha
Alta, erguida junto ao mar,
Que veria o nobre Czar?
Toda em seda adamascada
Ali há uma tenda armada…
Reina um silêncio funéreo
Como em vasto cemitério…
Jaz, ao lado, a tropa morta…
Investe o Czar para a porta
Da tenda… E cheio de horror,
Seus filhos, com estupor,
Vê, a ferro traspassado
Um pelo outro, lado a lado!
No solo, sobre o gramado
O sangue real derramado
Nem coagulara ainda…
De Dadon a dor infinda
Leva-o a falar assim:
“Filhos! Filhos! Ai de mim!
Meus falcões, por ínvia trilha,
Caístes numa armadilha!”
Todo o exército chorou…
E o vale, o monte, a devesa,
Vestiu luto a natureza!
Mas da tenda eis se avizinha,
De Samarcândia a Rainha,
— Pomo da discórdia — e, airosa
Estende a mão cor de rosa,
Num gesto de enfeitiçar
A Dadon, o velho Czar,
Que ficou trêmulo, olhando
Para ela, não mais pensando
Nos seus dois filhos defuntos.
Ele a mão beijou-lhe e, juntos,
Na tenda real penetraram…
Lado a lado os dois cearam
E após, num leito dourado,
Recoberto de brocado,
Amável, galante, o Czar
A levou a repousar…
Sete noites, sete dias,
Teve o Czar tais regalias.
Qual moço amante perfeito,
Quase não deixava o leito…

Com a pausa que ordenara
Já bastante retardara
O Czar do regresso o avanço.
“Chega, agora, de descanso”,
Diz… E resolve voltar.
A nova, ao se propagar,
Leva às portas da cidade
Gente em grande quantidade.
Em torno ao coche do Czar,
Iam todos a aclamar,
Como a polidez convinha,
O Czar e a linda Rainha.

Barba branca como um cisne,
Sem fio negro que a tisne,
Sob o seu chapéu mourisco,
Montando um corcel arisco,
Surge o mago fabuloso
E diz: “Salve, poderoso,
Salve, onipotente Czar!”
“Então, não vais formular,
Afinal, o teu desejo?”
Dadon pergunta. “Este ensejo,
Em meio a tanto bulício,
Não me parece propício
— Diz o mago — a formular
Meu desejo, ó nobre Czar!”
Dadon retruca: “Tolice!
Vamos! Faze o que eu te disse…
Dize! A palavra de um rei
Atrás não volta… Empenhei
Contigo a minha”. E o mago
Esboça um sorriso vago...
À frente do povo ouvia
De Dadon o que queria:
“Pois bem, Czar: que seja minha
Esta formosa Rainha!”
Tira o Czar a adaga e brande-a:
“Como? A flor de Samarcândia?
És louco, atrevido mago!”
— “Só com ela estarei pago!”
— “Mas há limite, ora essa!”
— “Meu Czar, promessa é promessa!”
— “Cobrir-te-ei de ouropéis!
Dou-te até os meus corcéis,
Mesmo o meu belo alazão!
Farei de ti um barão!
Metade do meu império
Será teu… Prometo-o, a sério!”
— “Nobre Czar, a ambição minha
É tão somente a Rainha…”
Cuspindo de raiva, o Czar
Começa a vociferar
Injúrias, em vil jargão:
— “Que este infame, este bufão,
Desapareça daqui!”
E o mago apenas sorri…
Sorri sem nada dizer,
Talvez por lhe parecer
Uma imprudência brincar
Com a cólera do Czar…
Mal se vai o nigromante,
Com o cetro, o Czar, radiante,
Toca do eunuco o ombro…
Diante do geral assombro
Morre o pobre de repente!
Mas, de todos diferente,
A Rainha nada teme…
Com seus desvelos, extreme,
Sorri-lhe o Czar… E se vão!
Eis que se alvoroça então
O povo a um certo ruído!
É que — céus! — tinha fugido
Do alto do seu mirante
Naquele trágico instante
O galo de ouro… Ei-lo voando,
As áureas asas ruflando:
Como em presságio feral,
Procura o coche real!
No Czar, aflito, desfeito,
Pousou o galo… Bem feito!
Então, branco de terror,
Eis que salta o imperador
Do coche, aos gritos, tremendo,
No chão rolando e morrendo…
E a Rainha se esvanece,
Qual se ali não estivesse…

Fábulas, sendo invenções,
Mesmo assim nos dão lições…

sexta-feira, agosto 05, 2016

WE MUST GET HOME

James Whitcomb Riley
(Greenfield, Indiana, 07/10/1849 - Indianapolis, 22/07/1916)

TEMOS QUE IR PRA CASA
(versão brasileira: Ivan Justen Santana
seleção e curadoria: Faena Figueiredo Rossilho)

We must get home! How could we stray like this?-- 
So far from home, we know not where it is,-- 
Only in some fair, apple-blossomy place 
Of children's faces--and the mother's face-- 
We dimly dream it, till the vision clears 
Even in the eyes of fancy, glad with tears. 
Temos que ir pra casa! Como pudemos vaguear assim?----
Tão longe de casa, nem sabemos onde, enfim,----
Somente num lugar justo e belo e frugal
De rostos infantis----e rosto maternal----
Sonhamos até que essa visão clareie
Aos olhos da mente, em lágrimas alegres.

We must get home--for we have been away 
So long, it seems forever and a day! 
And O so very homesick we have grown, 
The laughter of the world is like a moan 
In our tired hearing, and its song as vain,-- 
We must get home--we must get home again! 
Temos que ir pra casa----já estivemos afastados
Tanto tempo que parece um dia além da eternidade!
E tanta saudade de casa nós já sentimos,
Que o riso do mundo todo é como um gemido
Ao nosso ouvir cansado, e seu canto é tão vaidoso,----
Temos que ir pra casa----temos que ir pra casa de novo!

We must get home! With heart and soul we yearn 
To find the long-lost pathway, and return!... 
The child's shout lifted from the questing band 
Of old folk, faring weary, hand in hand, 
But faces brightening, as if clouds at last 
Were showering sunshine on us as we passed. 
Temos que ir pra casa! De corpo e alma achar
Almejamos a trilha perdida há muito, e voltar!...
O grito infantil elevado da banda em jornada
Da turma antiga, exaustos, mas de mãos dadas,
Os rostos brilhando, como nuvens que finalmente
Chovessem raios de sol à nossa frente.

We must get home: It hurts so staying here, 
Where fond hearts must be wept out tear by tear, 
And where to wear wet lashes means, at best, 
When most our lack, the least our hope of rest-- 
When most our need of joy, the more our pain-- 
We must get home--we must get home again! 
Temos que ir pra casa: Dói tanto ficar aqui,
Onde os afetos são chorados lágrima a lágrima,
E onde a umidade nos cílios diz, quando não mais,
Quanto maior nossa falta, menor a esperança de paz----
Quanto maior nossa carência, mais fica doloroso----
Temos que ir pra casa----temos que ir pra casa de novo!

We must get home--home to the simple things-- 
The morning-glories twirling up the strings 
And bugling color, as they blared in blue- 
And-white o'er garden-gates we scampered through; 
The long grape-arbor, with its under-shade 
Blue as the green and purple overlaid. 
Temos que ir pra casa----casa das coisas mais simples----
As flores-sininhos girando suas cordinhas
E cores berrantes, a trombetear seus azuis-e-brancos
Sobre as cercas dos jardins que atravessamos;
O longo parreiral, com sua sombra embaixo
Azul feito o verde e o púrpura misturados.

We must get home: All is so quiet there: 
The touch of loving hands on brow and hair-- 
Dim rooms, wherein the sunshine is made mild-- 
The lost love of the mother and the child 
Restored in restful lullabies of rain,-- 
We must get home--we must get home again! 
Temos que ir pra casa: Tudo é tão tranquilo lá:
O toque de mãos amorosas em cabelos e testas----
Quartos sombrios, onde a luz solar amansa----
O amor perdido da mãe e da criança
Restaurados em tranquilos acalantos chuvosos,----
Temos que ir pra casa----temos que ir pra casa de novo!

The rows of sweetcorn and the China beans 
Beyond the lettuce-beds where, towering, leans 
The giant sunflower in barbaric pride 
Guarding the barn-door and the lane outside; 
The honeysuckles, midst the hollyhocks, 
That clamber almost to the martin-box. 
As fileiras de milho-verde e os feijões-da-China
Além da horta, onde, qual torre, inclina-se
O girassol gigante em seu orgulho de bárbaro
Vigiando a porta do celeiro e o caminho afora;
As madressilvas, em meio às malvas-rosas,
Que escalam até quase a caixa-toca.

We must get home, where, as we nod and drowse, 
Time humors us and tiptoes through the house, 
And loves us best when sleeping baby-wise, 
With dreams--not tear-drops--brimming our clenched eyes,-- 
Pure dreams that know nor taint nor earthly stain-- 
We must get home--we must get home again! 
Temos que ir pra casa, onde, ao acenar e cochilar,
O tempo nos anima e vai na ponta dos pés pela casa,
E mais nos ama quando dormimos feito pimpolhos,
Com sonhos----não lágrimas----transbordando pelos olhos,----
Puros sonhos sem manchas deste solo tão terroso----
Temos que ir pra casa----temos que ir pra casa de novo!

We must get home! The willow-whistle's call 
Trills crisp and liquid as the waterfall-- 
Mocking the trillers in the cherry-trees 
And making discord of such rhymes as these, 
That know nor lilt nor cadence but the birds 
First warbled--then all poets afterwards. 
Temos que ir pra casa! O apito de madeira chama
No tom nítido e líquido da cascata--
Zombando dos macucos nas cerejeiras
E causando discórdia com rimas como essas,
Sem sotaque nem cadência, porém as aves
Primeiro trinaram----aí todos os poetas vieram.

We must get home; and, unremembering there 
All gain of all ambition otherwhere, 
Rest--from the feverish victory, and the crown 
Of conquest whose waste glory weighs us down.-- 
Fame's fairest gifts we toss back with disdain-- 
We must get home--we must get home again! 
Temos que ir pra casa; e, deslembrados lá
De todo ganho de toda ambição noutro lugar,
Sossegar----da vitória febricitante, e da coroa
Da conquista cujo desperdício nos desacorçoa.----
Os dons da fama lançamos de volta, desdenhosos----
Temos que ir pra casa----temos que ir pra casa de novo!

We must get home again--we must--we must!-- 
(Our rainy faces pelted in the dust) 
Creep back from the vain quest through endless strife 
To find not anywhere in all of life 
A happier happiness than blest us then ... 
We must get home--we must get home again!
Temos que ir pra casa de novo----de qualquer maneira!----
(Nossos rostos chuvosos jogados na poeira)
Rastejar de volta da busca vã por essa luta infinita
Para não achar nalgum lugar em toda a vida
Felicidade mais feliz que a que já então nos abençoou...
Temos que ir pra casa----temos que ir pra casa de novo!

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terça-feira, agosto 02, 2016

O CAVALEIRO POBRE

Alexandre Sergueievitch Pushkin
(Moscou, 06/06/1799 — São Petersburgo, 10/02/1837)


Ninguém soube quem era o Cavaleiro Pobre
Que viveu solitário, e morreu sem falar:
Era simples e sóbrio, era valente e nobre,
                E pálido como o luar.

Antes de se entregar às fadigas da guerra.
Dizem que um dia viu qualquer coisa do céu:
E achou tudo vazio... e pareceu-lhe a terra
                Um vasto e inútil mausoléu.

Desde então, uma atroz devoradora dama
Calcinou-lhe o desejo, e o reduziu a pó.
E nunca mais o pobre olhou uma só dama,
                — Nem uma só! Nem uma só!

Conservou, desde então, a viseira abaixada:
E, fiel à Visão, e ao seu amor fiel,
Trazia uma inscrição de três letras, gravada
                A fogo e sangue no broquel.

Foi aos prélios da Fé. Na Palestina, quando,
No ardor do seu guerreiro e piedoso mister,
Cada filho da Cruz se batia, invocando
                Um nome caro de mulher,

Ele, rouco, brandindo o pique no ar, clamava:
“Lúmen coeli Regina!” e, ao clamor dessa voz,
Nas hostes dos incréus como uma tromba entrava,
                Irresistível e feroz.

Mil vezes sem morrer viu a morte de perto.
E negou-lhe o destino outra vida melhor:
Foi viver no deserto... E era imenso o deserto!
                Mas o seu sonho era maior!

E um dia, a se estorcer, aos saltos, desgrenhado,
Louco, velho, feroz, — naquela solidão
Morreu: — mudo, rilhando os dentes, devorado
                Pelo seu próprio coração.


Versão brasileira:
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac
(Rio de Janeiro, 16/12/1865 — 28/12/1918)
...