terça-feira, maio 19, 2009

Uma postagem desabafo sobre tradução de poesia, com direito a um Dylan Thomas safra 1933...

Pois então - esses tempos eu comprei num sebo de alta periculosidade (é um perigo eu ser sugado a um lugar desses e não conseguir mais sair...) dois números da revista ET CETERA - literatura e arte - [ué? Literatura não é Arte?]) -

Tá vou tentar ser mais breve, mas tolerem os entretantos -

no número 5 (Maio/2005) havia (e continua lá) um artigo de Augusto de Campos sobre Dylan Thomas - seguido por três poemas traduzidos.

Certo, Augusto de Campos é um poeta fora de série, etc e tal e a coisa toda, mas eu tinha certeza de que havia algo ali que não estava totalmente escalafobético (na conotação de supimpa maravilhosíssimo e também ótimo máximo...) -

fui lendo e degustando os saberes e estilo irretocável do príncipe dos poetas concretistas quando de repente (não mais que de repente) ele desliza no tomate e enfia a fuça na maionese (eu tinha a certeza que isso ia acontecer:) - senão vejam:

"Os poemas de Dylan que acompanham este estudo foram mais de uma vez vertidos para o português, mas nunca sob o critério da tradução-arte, que impõe que se recrie, a par da tensão emocional, a estrutura formal: o ritmo, a concentração e os jogos sonoros, e quando isto é possível, também o esquema rímico original. Não é fácil." [grifo meu]

O negócio é que o excelso Augusto julga que só quando é ele quem se dispõe a traduzir aparece automaticamente seu exclusivo "critério da tradução-arte"...

É de causar muita indignação!

Pois o fato é que a obra poética de Dylan Thomas já foi competentíssima e integralmente traduzida (com toda a arte, em minha modesta opinião) por Ivan Junqueira (não é por ser meu xará que afirmo isso) - e o poema In my craft or sullen art também recebeu excelente tratamento ao português brasileiro pelo brilhante tradutor Ivo Barroso - as traduções que estes dois fizeram deste poema podem ser conferidas aqui - e a tradução que Augusto apresentou poderia ser colocada no máximo em terceiro lugar entre as três...

Dos três poemas traduzidos que Augusto apresenta neste artigo na ET CETERA, um merece ser saudado como boa tradução (AND DEATH SHALL HAVE NO DOMINION - E A MORTE NÃO TERÁ DOMÍNIO) - o que significa um aproveitamento tradutório de 33,33%, que corresponde, na minha opinião, à média de aproveitamento geral da obra de Augusto de Campos, entre ensaios, traduções, poemas concretos e etc (tá, essa foi um pouco forte, mas acho que ele mereceu...)...

Por fim, visto que considerei fraquíssima a tradução de Augusto para THE FORCE THAT THROUGH THE GREEN FUSE DRIVES THE FLOWER (A FORÇA QUE O PAVIO VERDE CONDUZ À FLOR - só pelo título já dá pra ver que ele perdeu mesmo a mão no ritmo e na escolha de vocabulário, sem falar no detalhe mínimo para uma tradução: o significado, putzgrila!), apresento aqui uma tradução que, sem se arrogar ao critério de tradução-arte e patati-patatá, procura acertar na veia do poema.

THE FORCE THAT THROUGH THE GREEN FUSE DRIVES THE FLOWER
A FORÇA QUE ATRAVÉS DO FUSO VERDE PROPULSIONA A FLOR

The force that through the green fuse drives the flower
Drives my green age; that blasts the roots of trees
Is my destroyer.
And I am dumb to tell the crooked rose
My youth is bent by the same wintry fever.
A força que através do fuso verde propulsiona a flor
Propulsiona minha idade verde; que detona as raízes de árvores
É minha destruidora.
E eu fico mudo pra falar à rosa retorcida
Que minha juventude dobra-se à mesma febre de inverno.

The force that drives the water through the rocks
Drives my red blood; that dries the mouthing streams
Turns mine to wax.
And I am dumb to mouth unto my veins
How at the mountain spring the same mouth sucks.
A força que impulsiona a água através das pedras
Impulsiona meu sangue vermelho; que seca os jorros berrantes
Transforma o meu em cera.
E eu fico mudo pra berrar minhas veias adentro
Como à fonte da montanha a mesma boca suga.

The hand that whirls the water in the pool
Stirs the quicksand; that ropes the blowing wind
Hauls my shroud sail.
And I am dumb to tell the hanging man
How of my clay is made the hangman's lime.
A mão que redemoinha a água numa poça
Agita a areia movediça; que amarra o vento uivante
Arrasta minha vela-mortalha.
E eu fico mudo pra falar ao enforcado
Como de minha argila é feita do carrasco a cal.

The lips of time leech to the fountain head;
Love drips and gathers, but the fallen blood
Shall calm her sores.
And I am dumb to tell a weather's wind
How time has ticked a heaven round the stars.
Os lábios do tempo sanguessugam a cabeça-fonte;
O amor escorre e se acumula, mas o sangue derramado
Abrandará as feridas dela.
E eu fico mudo pra falar a um vento intempestivo
Como o tempo marca um firmamento em volta das estrelas.

And I am dumb to tell the lover's tomb
How at my sheet goes the same crooked worm.
E eu fico mudo pra falar à sepultura da amante
Como em meus lençóis se arrasta o mesmo verme retorcido.

Dylan Thomas (1933)
Ivan Justen Santana (2009)

5 comentários:

Anônimo disse...

Por mudez crônica:

- "patati-patatá"

giulianoquase.

tecatatau disse...

porra IIIVVVAAAANNnnn... você não poupou a artilharia, o que me diz das traduções dos porvençais e dos poetas metafísicos ingleses? que tal a belíssima tradução de john donne? tá bem, tudo tem seu tempo embaixo do sol, mas discordo que o ivo barro e o ivan junqueira sejam melhores. abração.

Ivan disse...

William, you villain!

- eu não disse que o Ivan e o Ivo são melhores, mas que no caso do poema In my craft or sullen art as traduções que eles fizeram colocam a do Augusto em terceirinho lugar;

- quanto aos provençais, apesar de algumas versões ficarem meio "sem sais", outras são realmente sensacionais;

- aliás, ficou estimulante agora dar uma olhada no Verso Reverso Controverso, no Linguaviagem e no Anticrítico (esse eu não tenho, mas descolo na BPP...) -
numa dessas eu até compro o Invenção e aumento a taxa de aproveitamento do augusto Augusto pra uns 66,66%?

Falando sem brinca, o cara é um monstro da tradução, mas não é isso que vai me assustar ou vai evitar que eu meta meu pitaco onde supus que fui chamado, valeu?

tecatatau disse...

brutalmente concordamos, IIIVVVAAANNNnnn... é sempre bom colocar um pouco de lenha na fogueira para ver até aonde as vaidades aguentam até às cinzas.
abraços. ah, quando é que você quer o seu bulgákov? acabei comprando o livro e aproveitei e levei o mestre e a margarida, mas releio-o lentamente.

Flávio Jacobsen disse...

dá-lhe, mestre.