Se um poço pode ser torre ao contrário,
Se um trôço até parece belo ao fosso,
Se mesmo o velho som do estradivário
Segunda de manhã gera alvoroço,
Se as gralhas vão de azul até o pescoço,
Se um malandro bom não vale um otário,
Se o rosto fala do retardatário
E a farra rói o moço até só o osso,
Sou tão memorioso quanto Funes
Quando repito os itens desta lista
De poetas mal dispostos sem arranjos:
Estou bem mais Arnaldo do que o Antunes,
Mais Arnaldo do que o Dias Baptista,
Mais Augusto que os de Campos dos Anjos.
Dentre facções, facões, contrafações,
Colhi pro meu amor uma begônia
E na agonia da espermatogônia
Pintei perfumes fósseis feito ações;
Fui besta e seta aos olhos dos falcões:
Azul a mosca numa mira errônea,
Vergonha enfronha-se fedendo a amônia,
De Navarone soltando os canhões.
Canhoto, fraco, gaguejante, fanho,
Afanador, velhaco, adolescente,
Sinto-me um pulha mas ainda apanho
Da impunidade de quem rouba irmão;
Assim quem sente geme como a gente:
Assim todos os teus serás serão.
VISÕES DE JOHANNA
[Visions Of Johanna, Bob Dylan -- vb: ijs]
Não é a noite exata pra truques quando você só tenta ficar tão quieta?
Sentamos aqui perdidos, mas fazendo o melhor pra não ver isso
E Louise tem um punhado de chuva e atenta você ao desafio
Piscam luzes no apêzão em frente
Aqui cachimbos tossem e acendem
A estação country macia mantém-se
Mas não há nada nem ninguém a quem apelar
Só Louise e seu amante enlaçados tão docemente
E essas visões de Johanna que me ganham a mente.
No galpão vazio onde as damas brincam de gatomia com a chave da cadeia
E as garotas de noite toda sussurram de escapadelas na conexão ligeira
Dá pra ouvir o vigia da noite acender a lanterna
Perguntar-se quem: ele ou elas – quem está louco?
Louise, ela está bem, só está bem perto
Ela é delicada e parecida com o espelho
Ela só coloca cada pingo em seu i
Sobre Johanna não estar aqui
O espectro da eletricidade lhe uiva nos ossos da face
Onde essas visões de Johanna agora vêm encaixar-se.
Já o pequenino perdido, ele se leva mesmo tão a sério
Que se vangloria da miséria, gosta de viver em perigo e mistério
E quando menciono o nome dela
Ele me fala no seu beijo de adeus
Ele certamente tem peito pra ser um inútil tão perfeito
Murmurando coisinhas lá fora quando já estou na sala
Como posso agora explicar a...
Ah é tão difícil até citar a...
E essas visões de Johanna me deixam desperto além da aurora.
Nos museus, o Infinito segue em julgamento
Vozes ecoam que a salvação fica assim com o tempo
Mas Mona Lisa precisa dançar o blues da estrada
Dá pra saber pelo som da sua risada
E a crua parede floreada congela
Quando espirra a mulherada cara de geleia
Ouça aquele de bigode dizer “Meu Jesus,
Já não acho mais meus joelhos”
Ah as joias e binóculos pendurados no pescoço da mula
Mas essas visões de Johanna fazem tudo parecer tão cruel.
O mascate agora fala com a condessa que finge dar bola pra ele
Dizendo “Me conte de um que não é chupim que vou lá e rezo pra ele”
Mas, como Louise sempre diz:
“Nunca dá pra olhar muito em detalhe, né?”
No que ela mesma se prepara pra ele
E Madonna ainda não deu as caras
Vemos essa jaula vazia já enferrujada
Onde a cortina dela já foi levantada
E o violinista já meteu o pé na estrada
E escreve que toda dívida é paga
Na caçamba do caminhão de peixe carregada
E minha consciência explode no nada
As gaitas tocam tons-chaves e a garoa
E essas visões de Johanna são tudo que resta agora.
Já era: verão: ou to no inverno?
Foi uma primavera violenta.
As violetas desabrocharam
principalmente pra quebrar o gelo
porque a geada negra veio –
e veio de novo o seu colega granizo
depois de mais um falso verão indiano.
(ou: DAS COISAS QUE MARK CHAPMAN DEVERIA ESTAR LENDO EM OUTUBRO DE 1980, EM VEZ DO FAMIGERADO ROMANCE DE J. D. SALINGER)
Ame & Reprograme.
Execute ações invioláveis.
Seja fechado.
Cumprimente a vizinha,
aquela
que mora
ao lado
do pecado.
Aquela
já tem
seu namorado.
Faça algum programa
semelhante
com uma garota
semelhante,
uma garota
bem urbana,
uma garota marginal--
mas nunca assine nada
e acima de tudo
não assassine ninguém
a partir do próximo
final
de semana.
Deixe que o sol sozinho a si palestre __e as cataratas caiam sem se ouvir.
Veja os turistas vendo a estátua equestre __co’as aves a ruflar e a refluir.
Façamos estalar o som pedestre __dos nossos passos desgastando a seguir
o chão de trabalhadores sem mestre __que calçam’as pedras prestes a fugir. ____A fuga é uma ilusão de quem começa __a correr sabendo permanecer – ____um ser que pensa que nada interessa __a não ser talvez que já já vai morrer.
O fim dispensa especialista hebraico
feito esta peça co’este apelo arcaico.
Assim vejo nosso mundo:
num desejo a mais que fundo---
dum modo imbuído inundo
e
canto deite, dama, deite;
você me faz: faz-se em céu:
você bebendo meu leite
e eu absorvendo seu mel.
que o que visse
fosse e viesse
aí talvez soubesse
se você supusesse
ou se ao menos
tudo que apodrece
não tivesse esse
sabor doce tão doce
tão doce
feito o espólio
de seringas com pólio
que hoje a maré
nos trouxe.
Poetas, somos temidos:
se chatos, gênios ou toscos –
se modernos, carcomidos,
enxeridos, decompostos;
nos detestam uns maridos,
nos valem mais desvalidos,
nos abominam, se lidos,
nos leem mesmo em desgostos;
se concretos, visuais,
quer sem letras, vozes, rostos,
somos monstros naturais
artificialmente expostos;
somos mais que um time em campo:
gamos, bisões, sem manada;
uns sem outros solidários
pros leitores ou por nada.
Morreremos abraçados,
distraídos, algemados,
mas na mesma algema extrema
de quem não temeu seu tema.
Fique devendo para deus e o mundo.
Empreste de uns para pagar os outros.
Dance cirandas financeiras num segundo
e ache suas copas mais caras que os ouros.
Seja torturado, e calado, por seus credores.
Tolere até que abusem dos seus fiadores.
Continue agindo como se nem mesmo aí
dizendo frases de consolo em tom de não ouvi.
Finalmente, à beira da catástrofe total,
quando a merda já estiver toda disseminada,
fature enfim o numerário---sim: o capital---
e o esfregue neles feito não fosse nada.
Para o diabo odiado já parodiado, Ezra Pound,
este canto aqui é pequeno demais para dois Dantes---
e ainda que fossem só uns quatro provençais pingados,
não sobraria espaço nem na sexta dimensão
da poesia de terceiras intenções
suficiente a mais outra paródia
da tua ezravoz de pound oco cada
vez mais vérica e
feérica
eérica
érica
rica
ica
ca
a
ótica
caótica
muvucaótica---
assim -- .
Assim ... :
antes da morte, sonhemos com vidros grisblaus
de vaga, sussurros de pobre, cego poeta,
vagidos de infantes, suspiros vagaus---
todos os turbilhões e as torvelinhas,
e as torpes linhas, nada, estas escunas,
algumas frases traduzidas
da escrita cuneiforme
ou o que mais
sim forme--
porfiriamente, por fim------.......
nos veremos em Naxos, -- ... !?
sim: ver-nos-emos,
lá, lacem, la ci darem, se lapidassem, dilapidassem, ralassem,
relassem,
sem nexos,
os nossos todos lados, de amplos os sexos:
interdesencobrinexos---
roçando a rezar
extrampando
pelo mais puro lazer---
[...] e o séquito
das tigresas avermelhadas
encantava quem tivesse
a imaginação de as ver......
Como os deuses iniciaram um mundo, e o homem, outro,
Assim a encantadora inicia uma esfera serpentina, com
Luaolho, bocaflauta. Ela flauteia. Flauteia verde. Flauteia água.
Ela flauteia água verde até verdes águas tremularem
Com juncosas extensões e istmos e ondulações.
E entrelaçando-se as suas verdes notas, o rio verde
Modela as próprias imagens em volta das canções.
Ela flauteia a si um lugar em pé, mas sem pedras,
Sem piso: uma onda de tremeluzentes línguas de relva
Lhe sustenta o pé. Flauteia um mundo de serpentes,
Gingados e coleios, do fundo serpienraizado
Da própria mente. E agora nada a não ser serpentes
Está visível. As serpiescamas se tornaram
Folha, tornada pálpebra; serpicorpos, galho, busto
De árvore e humano. E de dentro da serpentidade
Ela comanda as contorções que fazem manifestos
Sua serpenteza e poder, com melodias flexíveis
Saídas da sua flauta esguia. Afora deste ninho verde,
Como afora do umbigo do Éden, contorcem-se as filas
Das gerações serpiformes: que haja serpentes!
E serpentes houve, há, haverá – até que bocejos
Consumam tal flautista a qual, cansada das canções,
Flauteie o mundo de volta ao tecido simples
Da serpiurdidura, serpitrama. E flauteie os ofídios panos
A uma fusão de águas verdes, até que serpente alguma
Mostre a cabeça, e aquelas águas verdes de volta à
Água, ao verde, a nada semelhante a uma serpente.
E guarde sua flauta, e empalpebre seu enluarado olhar.