terça-feira, outubro 12, 2004

Um presente de dia das crianças

Papai

Você não serve, você não serve
Mais, sapato preto
No qual vivi como um pé
Por trinta anos, pobre e branca,
Mal me atrevendo a respirar ou espirrar.

Papai, eu precisei muito matar você.
Você morreu antes que eu tivesse tempo de –
Peso mármore, um saco cheio de Deus,
Estátua cadavérica com um dedão cinzento
Grande feito uma foca de Frisco

E uma cabeça no Atlântico em surto
Onde chove verde feijão sobre azul
Nas águas da maravilhosa Nauset.
Eu rezava pra recuperar você.
Ah, você.

Na língua Alemã, na cidade Polonesa
Terra-planada pelo rolar
De guerras, guerras, guerras.
Mas o nome da cidade é comum.
Meu amigo polaco

Diz que há umas duas dúzias.
Então eu nunca pude saber onde você
Pôs o pé, suas raízes,
Nunca pude conversar com você.
A língua ficava grudada.

Grudava num laço de arame farpado.
Eu, eu, eu, eu,
Eu mal podia falar.
Eu pensava que todos os alemães eram você.
E a língua obscena

Uma máquina, uma máquina
Me vaporizando feito uma Judia.
Uma Judia em Dachau, Auschwitz, Belsen.
Comecei a falar feito uma Judia.
Acho que posso ser mesmo uma Judia.

As neves do Tirol, a cerveja clara de Viena
Não são mais puras ou verdadeiras.
Com minha ancestral cigana, minha sorte estranha
E minhas cartas de Tarocchi
Eu posso ser um pedaço Judia.

Sempre tive medo de você,
Com sua Luftwaffe, seu blábláblá.
E seu bigode bem feito
E seu olho Ariano, azul brilhante.
Homem-Panzer, homem-tanque –

Não Deus mas uma suástica
Tão preta que nenhum céu atravessaria.
Toda mulher adora um Fascista,
A bota na cara, o bruto brutal
Coração de um bruto feito você.

Você de pé ao quadro-negro, papai,
Na foto que tenho de você,
Uma fenda no queixo em vez de no pé
Mas não menos um diabo por isso, não, nem
Um pouco menos o homem preto que

Mordeu meu coração vermelhinho em dois pedaços.
Eu tinha uns dez anos quando enterraram você.
Aos vinte tentei morrer
E voltar, voltar, voltar pra você.
Achei que até os ossos seriam suficientes.

Mas me tiraram do saco,
E me colaram os pedaços.
E então eu soube o que fazer.
Fiz um modelo de você,
Um homem de preto, com aparência Meinkampf

E um amor por tumulto e loucura.
E eu disse sim, eu aceito.
Então, papai, finalmente acabei.
O telefone preto foi cortado pela raiz,
As vozes já não rastejam mais até aqui.

Se já matei um homem, mato dois –
O vampiro que disse que era você
E bebeu meu sangue por um ano,
Por sete anos, se você quer saber.
Papai, você pode se deitar agora.

Tem uma estaca no seu gordo coração preto
E os aldeões nunca gostaram de você.
Eles estão dançando e pisando em você.
Eles sempre souberam que foi você.
Papai, papai, seu bastardo, acabei.


Sylvia Plath (1932-1963)

Escrito no dia 12/10/1962

Traduzido por Ivan Justen Santana, no dia 12/10/2004.

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