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CADELA COR-DE-ROSA
O sol está brilhando e hoje o céu é de brigadeiro.
Guarda-sóis vestem a areia com as cores de janeiro.
Nua, você atravessa a avenida no seu passo ligeiro.
Nossa, nunca tinha visto uma cadela tão pelada!
Nua, sem um fiapo sequer cobrindo a pele rosada...
A turma de transeuntes abre alas, apavorada.
Claro que ao menor sinal de raiva o povo já se esconde.
Mas você não é louca: aliás, o seu olhar tem tom de
inteligência, apesar do corpo ter sarna. Onde
estão os filhotes? (Mãe na certa, pelas tetas cheias.)
Talvez tenha escondido as crias nessas favelas feias,
enquanto sobrevive esperta, gingando nas areias.
Não sabe da última? Manchete em todos os jornais:
o drama social dos mendigos já não existe mais –
estão todos sendo atirados nos rios e nos canais.
Pois é: o idiota, o paralítico e o parasita
vão boiando pelas marés de esgoto, na noite aflita
dos subúrbios, em cantos da cidade que a luz evita.
Se eles são capazes dessa atrocidade com pedintes
de uma, duas ou nenhuma perna, com bebuns errantes,
o que é que não vão fazer com cães quadrúpedes e doentes?
Nos botecos e nas esquinas corre agora uma piada
dizendo que o mendigo prevenido hoje em dia arrecada
troco pra comprar seu colete salva-vidas. Mas nada
podia ser pior que o seu estado se fosse o caso
de ter que flutuar, ou nadar cachorrinho até mais raso
possível. Veja bem: a solução mais prática e razo-
ável é vestir uma camisa listrada e sair por
aí. Nesta noite você não pode mais causar dor
nos olhos dos foliões. Mas ninguém vai ver um cachor-
ro mascarado e fantasiado nos dias de festa
carnavalesca. Até quarta-feira de cinzas resta
a euforia. Quais sambas você gosta? Quais detesta?
Estão dizendo que o carnaval anda degenerando
– a televisão, os gringos, ou sabe-se lá que bando
arruinou toda a folia. Bobagem. De vez em quando
tentam abalar o nosso evento mais sensacional.
Mas ser uma cadela depilada vai pegar mal.
Vista-se! Vista-se logo e vá pular o Carnaval!
Elizabeth Bishop (1979)
Pentadecassílabos brasileiros: Ivan Justen Santana
(publicado originalmente em 1995, no jornal Calamidade,
do Centro Acadêmico de Letras da UFPR)
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