quarta-feira, janeiro 18, 2012

A UNIÃO LIVRE

Minha mulher com a cabeleira de fogo de madeira
Com pensamentos de relâmpagos de calor
Com o talhe de ampulheta
Minha mulher com o talhe de lontra entre os dentes do tigre
Minha mulher com a boca de roseta e de buquê de estrelas de última grandeza
Com dentes de rastro de camundongo branco sobre a terra branca
Com a língua de âmbar e de vidro lixados
Minha mulher com a língua de hóstia apunhalada
Com a língua de boneca que abre e fecha os olhos
Com a língua de pedra incrível
Minha mulher com cílios de lápis de escrita de criança
Com sobrancelhas de borda de ninho de andorinha
Minha mulher com têmporas de ardósia de teto de estufa
E com vapor nas vidraças
Minha mulher com ombros de champanhe
E de fonte com cabeças de golfinhos sob o gelo
Minha mulher com punhos de fósforos
Minha mulher com dedos de acaso e de ás de copas
Com dedos de feno ceifado
Minha mulher com axilas de marta e de faia
Da noite de São João
De ligustro de ninho de acarás
Com braços de espuma de mar e de eclusa
E de mistura de trigo e de moinho
Minha mulher com pernas de foguete
Com movimentos de relojoaria e de desespero
Minha mulher com panturrilhas de fibra de sabugueiro
Minha mulher com pés de iniciais
Com pés de chaveiros com pés de pardais que bebem
Minha mulher com pescoço de cevada perolada
Minha mulher com a garganta de Vale d’ouro
De encontros no próprio leito da torrente
Com seios de noite
Com seios de toupeira marinha
Minha mulher com seios de cadinho de rubi
Com seios de espectro de rosa sobre o orvalho
Minha mulher com ventre de desdobra de leque dos dias
Com ventre de garra gigante
Minha mulher com dorso de ave que foge vertical
Com dorso de mercúrio
Com dorso de luz
Com a nuca de pedra rolada e de giz molhado
E de queda de um copo do qual se acaba de beber
Minha mulher com ancas de barquilha
Com ancas de candelabro e de penas de flechas
E de hastes de pluma de pavão branco
De balanço insensível
Minha mulher com nalgas de arenito e de amianto
Minha mulher com nalgas de dorso de cisne
Minha mulher com nalgas de primavera
Com sexo de gladíolo
Minha mulher com sexo de mina aurífera e de ornitorrinco
Minha mulher com sexo d’algas e de bombons antigos
Minha mulher com sexo de espelho
Minha mulher com olhos cheios de lágrimas
Com olhos de panóplia violeta e de agulha imantada
Minha mulher com olhos de savana
Minha mulher com olhos d’água para beber na prisão
Minha mulher com olhos de madeira sempre sob o machado
Com olhos de nível d’água de nível do ar da terra e de fogo

André Breton
Tradução:
Monica Berger
Ivan Justen Santana
Suzel
Barbara Skolimowska
Raquel Frotta

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Um comentário:

rodrigo madeira disse...

poemaço!