quarta-feira, dezembro 03, 2014

DEPOIS DO TROVADORISMO, STILNUOVISMO, CLASSICISMO, BARROQUISMO, ARCADISMO, ROMANTISMO, PARNASIANISMO, DECADISMO, SIMBOLISMO, FUTURISMO, MODERNISMO, NEOPARNASIANISMO, CONCRETISMO, TROPICALISMO, MARGINALISMO, PÓS-MODERNISMO E ATÉ APENAS DEPOIS DO TURISMO E DO CONTORCIONISMO, NUMA EXPLOSÃO...

*
(Dedicado à Faena Figueiredo Rossilho)


Numa explosão de versos bem medidos
de amor, de bem-me-quer, melhor-me-quer,
com toda acentuação, e todo ouvidos
ao próprio coração, que é teu, mulher,

com rimas ou sem rimas, com gemidos
ou cem gemidos, mil refrões fatais,
com técnica, escansão, e por aqui dos
tais encavalamentos muito mais

eu quero achar a mágica que diga
na música da métrica da antiga
revelação pagã, pagando pau,

com quantos pés se faz um hemistíquio
que te conquiste até que em ti tu estique-o
pro nosso amor ser sempre sem final.


IJS

*

segunda-feira, novembro 24, 2014

Literatura paranaense em pauta novamente: “Luz de velas” ou luz de vê-las?

Um ano atrás, postei aqui uma carta aberta sobre literatura paranaense, protestando contra uma opinião veiculada num editorial do jornal Cândido (n. 23, setembro de 2013), da Biblioteca Pública do Paraná. O editorial, de responsabilidade dos caros Rogério Pereira e Luiz Rebinski, dizia que esta literatura – ou ainda, a própria vida intelectual paranaense – teria sido “inventada” pelo tomazinense Newton Sampaio (1913-1938). (Clicar aqui para ver de que se tratou.)

Agora me apareceu oportunidade de obtemperar sobre outra opinião recentemente publicada, e que segue tendência diametralmente oposta à do referido editorial: em vez da desconsideração, a supervalorização da produção cultural do nosso querido (e crítico) Estado.

Antes de mais nada, repito uma percepção que já procurei externar em rede social, sobre as avaliações nossas da nossa própria cultura paranaense: são raras as visões equilibradas. A regra geral é: ou descascamos tudo criticamente, a ponto de pretender refutar sumariamente poetas, artistas e obras inteiras, chegando até a negar que algo como “cultura paranaense” de fato exista (é a visão mais frequente, que se pode chamar de autofágica – termo já cansado de ser usado), ou então, e normalmente reagindo de forma emotiva contra a autofagia, saímos em defesa louca e apaixonada dessa cultura, alardeando que todos os nossos produtos culturais são o máximo, e é mesmo uma pena que santo de casa não faça milagre, enfim (é a visão “paranista”, também já com muita quilometragem, desde que Romário Martins criou o “Centro Paranista”, em 1927).

Pois então. Na revista do festival Litercultura 2014, saiu um artigo de Robson Lima (“Luz de velas: a literatura paranaense ainda paira noir”), que de início parece refletir essa constatação das visões extremas e desequilibradas. Aliás, achei ótimo que um artigo assim tenha sido publicado, chamando atenção ao panorama local, na revista de um evento que por sua vez traz ao Paraná autores de expressão nacional e internacional.

No entanto, o prezado Robson Lima (“professor, consultor educacional, palestrante, músico, poeta e autor de material didático”, como informa sua apresentação no artigo) acaba mistificando o assunto, mesmo tendo começado como quem iria criticar as mistificações. O fato de ser um anunciado autor de material didático me convenceu definitivamente a interferir, na esperança também de que o próprio Robson Lima leia isso, e repense sua argumentação (não vá ele reproduzir nalgum material didático os problemas que a seguir comentarei).

Ao começar sua exposição, Robson escolhe falar de Fernando Amaro (1831-1857), que teria sido o “primeiro poeta do romantismo paranaense” – e depois escreve que “há muitos outros poetas” desse “movimento”, mas como a intenção é polêmica (Robson argumenta que não seria possível falar em literatura paranaense sem cometer injustiças ou heresias), não vai citar nenhum outro.

Tenho pesquisado já há bastante tempo a literatura paranaense, e posso dizer que nada impede ninguém de procurar falar no tema sem cometer qualquer injustiça ou heresia. Quanto ao período do “romantismo paranaense”, na verdade não houve tantos “muitos outros poetas” assim, e Fernando Amaro restou praticamente apenas como nome. Em vez dele, merecia ser citada a parnanguara Júlia da Costa (1844-1911), cuja obra foi re-editada no ano 2001, pela Imprensa Oficial (coleção Brasil diferente), e é o que de melhor podemos encontrar de “nosso” na época do Romantismo: uma poetisa (ou poeta, como queiram) que vale ser conhecida, estudada e compreendida. Por sinal, ela tem sido recentemente valorizada, por exemplo, pelo escritor Roberto Gomes, que publicou em 2008 o romance Júlia, e por duas montagens teatrais: Flores dispersas (com texto e direção de Regina Bastos) e Júlia na janela (monólogo de Teresa Teixeira de Britto, com atuação ímpar de Eliane Martins).

Voltando ao artigo: Robson Lima passa ao Simbolismo paranaense, e afirma que “o movimento simbolista brasileiro nasceu, cresceu e morreu no Paraná”. E ainda, que os simbolistas paranaenses teriam formado “o maior grupo de intelectuais do país, no final do século XIX”. E mais, que Cruz e Sousa não seria tão brilhante se comparado a Emiliano Perneta, o qual teria “traçado as rotas do Simbolismo brasileiro” com seu livro de estreia, Músicas, publicado em 1888, cinco anos antes do que seria a “obra mais expressiva” de Cruz e Sousa, Broquéis.

Todos esses exageros podem ser contestados facilmente. Os outros livros de poemas de Cruz e Sousa, os póstumos Faróis e Últimos Sonetos, bem como O livro derradeiro (reunido por Nestor Victor) são tão ou até mais expressivos do que Broquéis. E não seria necessário retirar brilho algum da poesia do catarinense (já avaliado pelo insuspeito crítico francês Roger Bastide como um dos três maiores poetas do Simbolismo, mundialmente falando, junto com Mallarmé e Stefan George) para assim valorizar o paranaense Emiliano Perneta, que no livro de estreia ainda hesitava entre Romantismo, Parnasianismo e Simbolismo, e só viria a atingir um nível poético elevado (e diga-se: antes característico e particular do que vinculado especificamente a alguma escola poética) com Ilusão, publicado em Curitiba, em 1911.

Por sua vez, os pioneiros simbolistas paranaenses formaram, sem dúvida, um grupo importante de intelectuais no final do século XIX (e o Simbolismo prosseguiu dominante aqui até a década de 1930, por mais duas gerações). Mas aquele grupo d'O Cenáculo (cuja revista pode ser encontrada na Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional) não foi necessariamente “o maior grupo de intelectuais do país” (por sinal, a Academia Brasileira de Letras foi fundada no Rio de Janeiro, em 1897), e o movimento simbolista, disseminado pelo Brasil, teve expressões importantes também no Rio Grande do Sul, além de em São Paulo, Minas Gerais e vários estados do Nordeste, sem ter propriamente nascido, crescido e morrido exclusivamente no Paraná.

Há mais um exagero no artigo de Robson, ao falar do Modernismo brasileiro e alardear que o Paraná teria antecipado a Semana de 1922. Mas faça-se justiça: talvez o único acerto de Robson esteja nas observações sobre a visibilidade de Paulo Leminski, pois realmente o polaco seria “tão pop que parece que toda a poesia paranaense se resume a Paulo Leminski” – e quem começa a estudar o assunto logo percebe que não é bem assim.

E assim, portanto, o prezado Robson acaba conduzindo uma argumentação mais consequente, ao citar Dalton Trevisan e Cristóvão Tezza, e tentar expressar que “a literatura paranaense ou está tão apagada que ninguém brilha, ou brilha tanto que ofusca a todos”. Só que para leitores atentos – e pesquisadores que se aprofundem mesmo – o brilho e a qualidade de Leminski, Trevisan e Tezza não ofuscam os de Helena Kolody, Dario Vellozo, Silveira Neto, Adolpho Werneck, Jamil Snege, por exemplo, mesmo que esses não tenham sido festejados nacionalmente.

Como quer que seja, para superar as visões subordinadas ao cânone estabelecido, é importante a leitores e sobretudo a críticos e pesquisadores manter uma visão equilibrada, e não delirar em superinterpretações sem correspondência com o que pode ser conferido em leituras rigorosas. Sob pena de continuarmos patinando numa situação geral de desvalorização (e autodesvalorização) cultural. Assim, espero que o Robson Luiz Rodrigues de Lima, entre os leitores e leitoras ao meu alcance, atente a essas considerações.

Porque tiros de festim podem às vezes resultar em cartuchos queimados saindo pela culatra.

Ivan Justen Santana
*

quinta-feira, novembro 06, 2014

O QUE MAIS EU E VOCÊ QUER QUERO DE VOCÊ DE MIM

[mais um de ijs a ffr]
*
O que mais você quer de mim?
O que mais quero de você?
Podia ser bem melhor assim
e assim sequer poderia ser.

Podia ser simples enfim
ou nunca poderia acontecer:
poema medido e mal pago pra ver,
bilhete listando tim-tim por tim-tim.

As coisas mais fáceis de se dizer:
aquele “eu-te-amo” diário sem rima.
Tudo que afasta um ser de outro ser
e só aquele ser especial aproxima.

O que não se troca por qualquer quê.
A simples palavra sim que diz sim.
O que mais quero de você.
O que mais você quer de mim.
*

quinta-feira, outubro 16, 2014

“NUVENS NEGRAS SÃO ÓTIMAS...”

*
“Nuvens negras são ótimas pra escrever poesia infravermelha.”
Foi essa a frase que um amigo me escreveu numa mensagem de correio eletrônico.
É frase proveitosa aqui pra eu seguir nessa de “prosa”.
Pois sim, pra mim, fazer prosa assim (tipo assim, mesmo disfarçando que no fundo são só versinhos, sim, cortem direito que saem até dodecassílabos, mas enfim...) fazer prosa assim é traição à minha musa mítica, porém como agora minha musa de verdade é também de carne e osso, e além de musa é uma graça (sim, uma graça com nome de graça, e que não veio “de graça”) que atende pela graça de Faena, enfim, sendo assim vou versificar o momento político e tipológico e (tipo: lógico!) escatológico que se passa, usando isso que imagino ser linguagem infravermelha, diante das forças ultravioletas que se nos por diante mobilizam:

sole um solo antes
que o sol nos assole –
– o fim do mundo acabou
mas agora começa o início
do final do meio:
sim: do meio ambiente
e você não tem nada
a ver com isso:
repita até se convencer
enquanto consegue evitar
os choques dos nãos
e aquele seu próprio não
guardado logo ali
na sua própria mão –

e ainda assim,
sim,
ainda enfim
sobrou mais um
tempinho aqui
pra mais uma
canção:
...

ijs
*

quarta-feira, outubro 08, 2014

A LUA JÁ FOI MORTA

*
A lua já foi morta tantas vezes e hoje à noite ela sorriu cheia pra mim, por trás dum prédio. A poesia e o verso já foram assassinados tantas ou até mais vezes e, tenha certeza, estão aqui, por trás desse texto em prosa, sorrindo pra você.

ijs (pra ffr, e quem mais aqui chegar)

domingo, outubro 05, 2014

VIDAMOROSA

*
Tudo te intimida.
Tudo te incomoda.
Nada te incomoda.
Nada te intimida.

Toda esta tua vida
nunca sai de moda.
Sempre sai de moda
nada nesta vida.

Mesmo a poesia
diversa da prosa
diz o que queria,

diz que nem que ria
e ensina da rosa
em sim: pedregosa.

Em si: generosa.

*

segunda-feira, setembro 15, 2014

SINGELO POEMA SEM GELO PRA FAENA

*
os
maus momentos
têm
sido poucos

enquanto que bem
loucos
os bons
têm
sido muitos

retratos
dos
álbuns que
ainda vamos ver
compor
e ser
juntos


ijs

*

quinta-feira, setembro 04, 2014

Depois da Bishop, eis a bela e enigmática Dickinson

*
I asked no other thing—
No other—was denied—
I offered Being—for it—
The Mighty Merchant sneered—

Brazil? He twirled a Button—
Without a glance my way—
"But—Madam—is there nothing else—
That We can show—Today?"

Eu não quis outra coisa—
Com o resto—ao meu dispor—
Propus o Ser—por ela—
Zombou o Mercador—

Brasil? Girou um Botão—
Sem notar quem eu fosse—
"Porém—Madame—nada mais—
Negociaremos—Hoje?"


Emily Dickinson
versão brasileira:
Ivan Justen Santana

sábado, agosto 30, 2014

COM VOTOS E MAIS VOTOS DE MUITOS ANOS DE VIDA, NESTA OCASIÃO POLÍTICA E ALÉM DE QUALQUER CRÍTICA, IVAN JUSTEN SANTANA PARABENIZA SUA AMADA FAENA COM ESTE DIDÁTICO POEMA:

*
Sou clássico nas horas de te orar;
Barroco, quando vou te requestar;
Fico árcade pra ao campo te levar;
Romântico por te romantizar;

Por ti converto-me ao Parnasianismo
E digo sim aos símbolos do abismo;
Faço poesia até naturalista
E sigo além se você atura a lista:

notou? mudei de tu para você --
e agora no verso livre do modernismo
pode ser até que eu me livre de qualquer -ismo

e passe a um
CONCERTO
CONCRETO

NO TORCE-retorce dos versos --

ou então
viro um poeta marginal
e largo

e ainda volto
a ser estreito:
porque só por você eu tomo jeito
e ainda te dou esse poema de aniversário
fazendo essa cena
de brinquedo, sem medo
e com brilho
pra minha linda
Faena
Figueiredo
Rossilho


IJS

*

terça-feira, agosto 26, 2014

VERSINHOS DA TIA BETH

(poema original de Elizabeth Bishop, feito para Lota de Macedo Soares, conforme mostra o filme Flores raras, de Bruno Barreto:)

Close, close all night
the lovers keep.
They turn together
in their sleep.
Close as two pages
in a book
that read each other
in the dark.
Each knows all
the other knows,
learned by heart
from head to toes.


(versão brasileira de Ivan Justen Santana, para Faena Figueiredo Rossilho, que lhe chamou a atenção ao filme e ao poema:)

Perto, perto, a noite
toda o casal passa,
e até no sono esse
casal se enlaça.
Perto feito folhas
da mesma edição
ambas se lendo
na escuridão.
Ambas se testam
e obtêm nota dez,
sabendo-se de cor
da cabeça aos pés.

*

domingo, agosto 24, 2014

AOS SETENTA ANOS DE PAULO LEMINSKI FILHO

*
morte mais vivida: adense-a

vida nunca amortecida sempre urgência e

viva mais um fim de adolescência!


ijs
*

sexta-feira, agosto 22, 2014

AO MEU FILHO IAN (E AO EMILIANO PERNETA E AO ADOLPHO WERNECK)

*
Busquei pra um Tiranossauro
a ilusão duma riminha
que não fosse apenas minha
mas de cada dinossauro.

Sim, também das Maiassauras,
cuidadoras dos filhinhos:
todos tempos e caminhos
já merecem ter as auras

deste poema meio ingênuo.
Príncipe grande ou pequeno,
pouco importa de onde for,

todo início é uma criança,
e mesmo sofrendo de ânsia
toda rima é por amor.


ijs
*

terça-feira, agosto 12, 2014

AMOR & VELHO VERSO

(além de a toda a humanidade, à Faena Figueiredo Rossilho)

Passam caravanas,
cães latem e mordem,
surge uma nova ordem,
novos povos doidivanas,
e no mar os polvos
desenvolvem mais tentáculos
e linguagens e seus sustentáculos
despontam, morrem, nascem,
ingressam noutras áureas decadências
e amor e velho verso vão seguindo eternos.

Modernos, ancestrais, os mesmos
nos princípios eram o verbo,
e eis a escravidão,
e eis uns dois ou três
vivendo o que acham um vidão,
e eis a humanidade agindo feito besta,
e algum lirismo, e algum realismo,
e outra guerra, e outra religião,
e outros cortes
noutros ternos
e amor e velho verso vão seguindo eternos.

Nenhumas novidades,
museus contemporâneos,
paixões se achando amor,
extinções em massa, jogos olímpicos,
distrações fenomenais, traições sutis,
o mundo vai girando, os rios correndo,
paraísos imutáveis são reformados,
tudo perde o sentido,
grandes são os desertos,
grandes são os invernos,
grandes ardem os infernos,
grandes os sentimentos
maternos e paternos,
e as teorizações
e as práticas de artistas tão ternos,
e os romances, e as peças, e os contos,
e os filmes, e as exposições,
e os etcéteras, e sim, tudo é tão chato,
tudo tudo tudo já catalogado
como naqueles nossos caquéticos cadernos
e amor e velho verso vão seguindo eternos.

Mas não mais
ou nem não mais
e só que não
por nunca menos
pois talvez embora então
alguéns alguma vez
fermentarão uns ancestrais vinhos falernos
enquanto
amor e velho verso vão seguindo eternos.

ijs
*

terça-feira, julho 29, 2014

UMA GUERRA

*
Uma guerra faz cem anos
e faz um milésimo de segundo.
Faz os seres tão humanos
insanos e insanas subindo ao fundo.

Sim: uma guerra até liberta – dizem.
– Não, não, nossa causa é justa – sublinham.

Daqui deste lado da minha fronte
sem muito mais novidade,
penso na razão – ou rima – que aponte
a institucionalidade

da guerra, da guerra interior
da poesia – e largo da métrica
sem desistir
e penso no xadrez, no futebol, no boxe,
na existência aparentemente impossível
sem guerra –
penso em metáforas, metaforizações e justificativas,
me ocorre o poema “guerra sou eu”
do samurai Leminski

mas fico atentado – e estendo
estrategicamente
esta postagem

colando uma tradução:

QUEM MATOU DAVEY MOORE?

[Who Killed Davey Moore? Bob Dylan
versão brasileira: Ivan Justen Santana]

Quem matou Davey Moore?
Alguma razão, seja qual for?

“Não fui eu,” disse o juiz
“Não apontem o dedo pra mim
Podia ter suspendido no oitavo assalto
Talvez assim salvasse ele, de fato
Mas eles gritariam (e quem me escolta?)
E exigiriam seu dinheiro de volta
É triste que ele tenha ido assim
Mas tinha muita pressão sobre mim
E não fui eu quem derrubei
Não, não me culpem, é assim a lei”

Quem matou Davey Moore?
Alguma razão, seja qual for?

“Não foi nós,” rosnou a multidão
Zumbindo na arena com seu calão
“É uma pena, que nem se discuta
A gente só queria uma boa luta
Não era pra ele encontrar a morte
A gente só queria o suor dos fortes
Nada de errado com esse esporte
E a gente não derrubou ninguém
Não culpem a gente, é assim a lei”

Quem matou Davey Moore?
Alguma razão, seja qual for?

“Não fui eu,” disse o empresário
Fumando seu charuto salafrário
“É difícil falar, é difícil dizer
Eu sempre achei que ele tava bem
Pior para a esposa e para seus filhos
Mas se ele tava mal, devia ter dito
E não fui eu quem derrubei
Não, não me culpem, é assim a lei”

Quem matou Davey Moore?
Alguma razão, seja qual for?

“Não fui eu,” disse o apostador
Ainda com seu papel marcador
“Não fui eu que o levei a nocaute
Nem toquei nele naquela noite
Eu não cometi nenhum pecado
E até apostei nele algum bocado
E não fui eu quem derrubei
Não, não me culpem, é assim a lei”

Quem matou Davey Moore?
Alguma razão, seja qual for?

“Não fui eu,” disse o jornalista
Tomando umas notas numa lista
Dizendo “A culpa não é do boxe
Perigo existe em qualquer esporte”
Dizendo “As lutas vieram pra ficar
O estilo da América é aí que está
E não fui eu quem derrubei
Não, não me culpem, é assim a lei”

Quem matou Davey Moore?
Alguma razão, seja qual for?

“Não fui eu,” disse aquele cujos punhos
Levaram Davey para além dos sonhos
Ele veio duma ilha lá do Caribe
Lá onde o boxe já se proíbe
“Eu bati nele, não vou negar
Mas eles me pagam pra lutar
E não me chamem de assassino
Deus quis assim, foi o destino”

Quem matou Davey Moore?
Alguma razão, seja qual for?

__

domingo, junho 29, 2014

DOIS ANOS JUNTOS

Faena Figueiredo Rossilho)


Dois anos de carinhos e de espinhos,
De calores, de dores e de flores,

Palmas, calmas, traumas, certezas
E incertezas nessas nossas almas,

Simplicidades, complexidades,
Necessidades, multiplicidades,

Dois anos, mais de setecentos dias
De incontáveis emoções e alegrias,

Com carícias e delícias,
Mágicas, místicas, músicas,

Dois anos com brinco e com afinco,
Pra compor o que for, com cor e com amor.


IJS

*

segunda-feira, junho 23, 2014

POR UMA VIDA INTEIRA

(ao Rodrigo Madeira --
e à Luciana Cañete, ao Fernando Koproski, ao Alexandre França, ao Luiz Felipe Leprevost, à Marilia Kubota, à Marilda Confortin, ao Thadeu Wojciechowski, ao Sérgio Viralobos, ao Roberto Prado, à Monica Berger, à Luci Collin, ao Marcelo Sandmann, ao Rodolfo Jaruga, ao Jaques Brand, ao Ricardo Pozzo, ao Adriano Scandolara, ao Adriano Smaniotto, ao Mario Domingues, e a quem mais se considerar)

Um verso por uma vida inteira.
Um verso inteiro por uma vida.
Qual a troca mais descabida:
a segunda ou a primeira?

Se os concretos abstraíram
e o(a)s marginais distraíram
veio uma outra geração?

Ou a poesia migrou
e minguou e morreu
na canção?

Pois é:
não.

A poesia nunca vai tarde
e aí estamos nós, ou a gente
na rede,
rimando o que sente ou quase nem sente
na cara e na coragem covarde

que o verso sempre vai e vem
e revolta
com
ou sem alarde.

ijs

...

segunda-feira, junho 16, 2014

ABC: uma Apresentação do Bloomsday em Curitiba (ou Para: compreender o Paraná?)

*
Antes de tudo, esse texto é para celebrar a data, paradoxalmente fundamental para as literaturas curitibana, paranaense, brasileira e universal, tanto quanto para a irlandesa.

Sim: 16 de junho é o Bloomsday, e se você não sabe do que se trata, a Wikipédia está aí também para isso. O importante para nós aqui e agora é que, desde que o Dalton Trevisan (que fez 89 anos anteontem) publicou na sua revista Joaquim um trecho do Ulysses de James Joyce (não creditou a tradução do trecho, que está no número 4 da revista, mas presume-se que foi ele, Dalton, o tradutor), e desde que o Paulo Leminski publicou seu livro-emblema Catatau, catatotalmente sob o influxo do Finnegans Wake daquele mesmo James Joyce, tais gestos (entre outros) foram estabelecendo um grau de parentesco, uma familiaridade bem tipicamente curitibana, irlandesa, paranaense, inglesa, brasileira, ou -- numa palavra: humana.

Mas eu talvez começasse melhor ainda explicando o título alternativo desse texto: "Para: compreender o Paraná?"

Em idos do milênio passado, meu amigo e parente [primo de minha mãe em terceiro grau] Hélio Puglielli publicou um pequeno livro de breves textos, intitulado "Para comprender o Paraná". O aproveitamento aqui é para expor uma característica fundamental "nossa", como paranaenses, brasileiros, e até -- enfim: humanos.

Chegaremos ao ponto: paciência. Com o novo acordo ortográfico, foi suprimido o acento diferencial, mas (humanos, demasiadamente) só nalguns casos, como esse da palavra "para", quando é verbo, por exemplo em frases como "ele não para de escrever", ou em "o Paraná para para a explicação", o que dificulta assim a desambiguação com a preposição "para", sacaram?

Enfim: para com isso, Ivan! Compreender o Paraná? E estou parando mesmo, mas para, além de propor uma compreensão do Paraná, explicar Joyce, Leminski, Dalton, e tudo mais...

Sim: porque hoje é o Bloomsday, e esta será talvez mais uma única última chance minha de tais explicações, então passemos a um ponto nevrálgico: uma ocasião em que Leminski foi gravado mencionando o nome do Hélio Puglielli. Foi numa entrevista ao jornalista Aramis Millarch, e pode ser ouvida clicando aqui.

Atenção: são 4 horas de gravação, e a partir da segunda hora o nível da conversa começa a escorregar, pois Leminski atinge um pico alcoólico e aí... Aí a certa altura, sem mais censura, ele se refere ao meu caro Helio Puglielli. Mas não é muito elogioso. De qualquer modo, para tudo de novo -- é esse fato de falar mal a característica fundamental do paranaense, do curitibano, do irlandês, do ser humano?

Quero confiar que não: mas é uma das formas de nos irmanarmos e nos identificarmos a todos. Temos origens todas compartilhadas e que se imbricam no fenômeno da vida, nos tornando uma família planetária: isso pode ser percebido melhor, se em vez de nos referirmos à raça paranaense, passarmos essa referência, por exemplo, à literatura paranaense...

Sim: você pode me dizer: a armadilha está armada: quem procura estabelecer um senso de origem, uma separação e definição desse tipo, está a um milímetro do fascismo. Mas eu sou paranaense (sem tanto orgulho, mas com muito amor) e digo: sim, só que a percepção da diferença, ou a tentativa de especialização, acabam por nos fazer perceber a relatividade disso, especialmente num caso como o do Paraná: humanamente, brasileiramente, e até mesmo ortograficamente (tão esquizofrênica e confusa quanto nossa brasilidade expressa na língua portuguesa, humanamente bagunçada e organizada desse jeito), enfim: sim: vivenciamos uma condição de busca de origens, de mitos de unidade, e afinal de contas, de percepções de diversidade, biológica, política, artística -- e assim começamos a nos compreender mesmo a partir dessas percepções.

Enfim: sim: eu pretendia escrever muito mais, mencionar muito mais gente, especialmente gente ainda mais contemporânea na "literatura curitibana", feito o Adriano Scandolara (italiano? curitibano? joyciano?), que postou uma beleza de texto sobre Joyce hoje aqui neste blog Escamandro mencionando aí o também tradutor agora bastante notório de Joyce, Caetano Galindo -- enfim: mas sim: vamos concluir: está tudo relacionado, minha/sua/nossa/outra/toda gente: a mistura de culturas é o que faz a cultura, e a vontade de cercar e definir uma "literatura paranaense" deve incluir e adotar o fato cultural de que esta literatura é formada/deformada/influenciada/engolida/cercada por todas as outras, especialmente neste estado constituído de misturas, mas caracteristicamente em toda a face do planeta -- e quiçá fora dele...

E assim: sim: tudo se explica, não?

Mas parece que tem um evento acontecendo também aqui em Curitiba que também pode explicar isso de certa forma, mas me falhou agora a memória qual é... De qualquer modo: bola pra frente!

...

domingo, junho 15, 2014

segunda-feira, maio 26, 2014

LEVE PRA VOCÊ

(pra Faena)

Já te perdi e assim percebi teu valor
e já tentei viver sem tirar nem compor.

Risquei uns versos 
riscos sempre estão por perto 


e o nosso amor às vezes míngua
feito uma lua – misteriosa língua.

Mas esse poema não é só pra impressionar,
e sim pra te refletir nesse bem simples olhar,

em verso aceso que o coração-cais te escreve
e faz o peso do universo agora tão mais leve.


ijs

...

quinta-feira, maio 15, 2014

A ANGÚSTIA DA EXISTÊNCIA

(Um poema-ensaio-anseio paranaense)

Disseram que não existe cultura paranaense.
Que a cultura paranaense não tem passado nem
presente nem futuro. Escreveram isso ali,
na rede social.
E é verdade mesmo, pois quem escreveu
é um dos mais notórios fabricantes de
cultura paranaense.
E a cultura paranaense é mais que consistente:
é paraconsistente: não existe e existe –
ocupa e não ocupa dois ou mais lugares
em mais de uns sete ao-mesmo-tempos
no espaço de infinitos lugares nenhuns:
sim, está bem ali.
Olhem só: vocês não sabem o que é:
e está bem por lá:
é a cultura paranaense.
Cultura de uma gente que sabe dizer quem não é.
Sabemos e estamos até cansados de dizer que não.
Outra fabricante de cultura paranaense definiu:
“em Curitiba, os dez mandamentos se resumem a um:
não” – pois é: sim, paranaense não é só
o curitibano que não se enxerga no espelho
do banheiro de manhã – olhem mais ali,
logo ali, em Londrina: Londrina nasceu ontem,
não pode existir, não fica no Brasil: portanto...
É paranaense.
Sim, pode até ser um drama pro Domingos
Pellegrini, que certamente se dependesse dele
moraria num estado chamado Iguaçu,
com capital londrinense – a capital: talvez Foz –
enfim, é outro fabricante de cultura paranaense:
não existe, logo está ali, nesse nosso estado –
e já que estamos citando nomes, não espalhem:
não existiu um compositor musical
chamado Brasílio Itiberê, ali de Paranaguá,
que compôs uma certa “Sertaneja”, música
precursora da mistura de elementos clássicos
com tradição popular – mas cadê essa “Sertaneja”?
Ninguém sabe, ninguém ouviu – portanto:
existe: é paranaense.
Vamos passar à arquitetura:
“o estilo arquitetônico predominante durante
o ciclo do mate, quando Curitiba deu um salto
civilizatório, foi o eclético” – sim, eclético, mas
o que é isso? É o que não é – é a mistura das coisas
que são, portanto, novamente:
paranaenses.
Vamos lá, vamos aprofundar mais ao nível pessoal:
estava eu (até que demorei pra falar de mim, não?
enfim, agora aguentem...) mediando e organizando
um evento bem paranaense: o Bloomsday – sabem,
o Bloomsday, sobre a obra daquele escritor irlandês
James Joyce, que escreveu um livro que não tem ponto
final (epa, claro que tem – então, devia ser algo bem
paranaense), sabem, né, então, estávamos naquela
livraria paranense chamada Fnac, sabem, e eu
fui babaca –
opa, vamos parar: você, Ivan, foi babaca?
Sim, pois é: estava na assistência
(querem coisa mais paranaense que chamar
quem assiste de assistência? – enfim, vamos lá,
Ivan, demorou com a história) estava na assistência
um grande escritor paranaense: Cristóvão Tezza –
ué, mas ele não nasceu em Lages?
Exatamente: eu fui babaca de “brincar” que o
Tezza não podia ser um escritor paranaense –
e enfim, meio que me justificando:
nunca fomos ali tão paranaenses:
a livraria era francesa, o escritor homenageado,
irlandês – mas o nome do shopping, apesar de “park”
era (é) Barigui.
Tá aí.
Podemos ser curitibabacas o quanto nossas falhas
permitam – e gostamos de fazer esses meas-culpas,
pelo menos eu por mim estou gostando disso,
eu que sempre-nunca me orgulhei
de ser curitibano de pai e mãe curitibanos,
e pra meu próprio horror-amor um dia descobri:
se aqui somos alguma coisa,
somos todos (e todas) tingui,
tinguis, tupis, nos nossos topônimos
estão essas “nossas” (com e sem aspas)
origens: Curitiba, Guarapuava, Maringá,
Paraná – pois é: dizem que até nem mesmo
o nome desse estado foi escolhido aqui,
mas está aí, nosso, e nosso de quem,
meus caros e caras pálidas?
O negócio é que o adiantado da hora
me obriga a seguir atrasando e incomodando –
e também me desculpando: Domingos,
nada pessoal: os paranaenses que acham que se
sabem minimamente paranaenses
gostam de que você exista,
tenha seu jeito e suas opiniões:
com o perdão da intimidade
(imperdoável aos curitibanos, mas perdoável –
porque inexistentes – aos paranaenses),
o teu sobrenome de imigrante, Domingos,
é o mesmo sobrenome de Kolody,
de Leminski, de Trevisan, de Karam,
de Bueno, de Wojciechowski, e até do
França – sim, do Alexandre França,
esse grego curitibano que agora resolveu
morar em São Paulo – do mesmo jeito
que aquele Carlos Careqa, que mantém
essa nossa cultura bem paranaense:
que não existe, está aí, não incomoda,
incomoda –
e ninguém nota.
Aliás, alguém aí
ouviu falar da Ada Macaggi?
Então, lá
em Paranaguá,
políticos confundem Júlia da Costa
com Júlia Wanderley
nas inaugurações de bustos de praças,
portanto: sim, existe
a cultura paranaense,
existiram e existem e existirão
Arrigo Barnabé,
Itamar Assumpção,
que são lá de Londrina,
de Arapongas, ou não –
voltando aos mais paranaenses
lá de Santa Catarina, como não:
se por lá existe uma cidade chamada
Curitibanos, que quem nasce lá deve ser o quê?
Curitibanense? Ou não existe: ou melhor: sim:
paranaense.
Uma cultura que se deseja assim nenhuma,
apagada, emprestada, que quer ser outra
ou adota fácil o que “vem de fora” mas
nasceu logo ali, ali nesse nosso mundo,
tão inexistente e paranaense – enfim:
vamos a mais um descarrego pessoal,
que isso aqui é um poema inexistente,
uma coisa típica paranaense:
alguém aí já viu uma gralha azul
plantando uma araucária?
Que angústia mais angustifólia –
sinto como deve ser essa saudade,
estou escrevendo esse ensaio-anseio também
pruma certa paranaense
que agora está vivendo nos “esteits” –
Xanda Lemos, veja só, que vergonha,
me perdoe a menção – mas vamos rápido
a um corte pra falar de inimizade, calma aí,
que esse treco tem que ser mais polêmico,
então reservem a Xanda e sua banda – e também
a banda Mordida, e quem sabe nessa enrolação
eu também deva mencionar um certo xará,
o Ivan Rodrigues, filho daquele Ivo Rodrigues,
daquela banda, o Blindagem, a Blindagem, enfim,
eu sei, vocês não conhecem, não existe, pois é:
paranaense, demasiadamente paranaense.
Mas estou perdendo o pé:
eu ia falar dum amigo curitibano meu,
um camarada aí, o Márcio Renato dos Santos –
sim: esse também – publicou recentemente
um livro-dicionário sobre Curitiba:
vejam lá, leiam: eu não li (ainda),
sou um tremendo curitibabaca,
mas soube que no livro o Márcio diz
que “autofagia” não existe, que os curitibanos
são na verdade muito críticos e exigentes,
vejam só então:
não é perfeito, perfeitamente
paranaense? –
nos negamos com facilidade:
e aí nesse negamos podemos
até negar que somos “um Brasil diferente”,
e também dizer que não houve escravidão aqui,
e promover esse apagamento duma mestiçagem
duma negritude
que possivelmente vamos ter muita vergonha
em confessar – afinal:
paranaenses, percebem, não existimos,
não temos nem mais a nossa própria
maledicência, está se perdendo...
E o sotaque? Qual sotaque?
Agora está virando mais marcadamente
uma fala acaipirada, porque não, de jeito
nenhum somos caipiras, somos esse
experimento de “primeiro” mundo,
não é mesmo?
Somos essa tentativa
de não ser jacus
que acaba sendo ainda mais jacu:
vide os socorros batéis...
Enfim,
como sempre,
restou muito a ser dito –
quase fiquei ainda mais aflito,
e se é poema também tem que ser
alguma forma de grito – mas tolerem,
que é um modo curitibano – e paranaense,
de ser assim tímido, calado, quieto,
mas de repente flutuante – pois é:
de fato – ultimamente sentimos que
estava acontecendo algo,
que as pessoas (muita gente vindo de fora,
querem algo mais contraditoriamente
paranaense?) estavam mais simpáticas,
mudando, se enturmando –
e realmente – mudamos pra novamente
voltar a amaldiçoar nossas angústias
de existência inexistente,
e agora – ei, e agora, você nem falou
das artes plásticas, do problema do grafite,
da oficialidade versus o vandalismo,
e já vai indo?
É, meu caro Ivan:
a sua loucura não é mais
nem menos paranaense
que a de todos esses que nem fazemos
uma identidade cultural homogênea:
quem sabe com toque de gênio,
ainda com algum oxigênio pra queimar, mas –
não, não existimos como povo,
o Brasil não é isso, nada é assim,
a rima até que é fácil nesse fim,
e você com essa mania de “sim”
quem sabe faça sorrir algum querubim
se não se esquecer de dar à amada um quindim
de um versinho apaixonado e nada chinfrim,
mas outra vez enfim,
volte pra sua tese, não existe cultura paranaense,
não tem jeito, não adianta, esquece,
já bastou, de novo: fim.

Nos vemos todos lá no MON,
na exposição
do João
Turin.


...

terça-feira, maio 06, 2014

Revisão rápida do domingo passado no Instituto Neo-Pitagórico

Foi ótimo visitar novamente o Templo das Musas, rever o presidente Anael, conversar com o Manoel Anísio e a Eliane Martins, e participar do sarau poético organizado pela Andréia Carvalho, que faz parte da turma poética da revista virtual Mallarmargens -- bom também conhecer pessoalmente o jovem Caio Tardelli, que tem publicado belos artigos sobre poesia simbolista nesta revista. E bom também ouvir poetas daqui, dali e de lá, alguns considerando Rimbaud um precursor do simbolismo, outras afirmando que Alphonsus, Cruz e Sousa, e Eduardo Guimaraens são a "trindade" simbolista brasileira [do Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro dá pra extrair umas trinta trindades, sendo que a "paranaense" seria formada por Emiliano, Silveira Neto e Dario, com Adolfo Werneck, Ricardo de Lemos e Ismael Martins na "reserva", e pelo menos mais umas três trindades possíveis...] -- Enfim, o Simbolismo é flexível e permeável mesmo: em certo sentido, toda poesia é simbolista, pois é feita com palavras, esses símbolos tão icônicos e indiciáveis, não? Enfim de novo, a foto aí foi feita pelo Decio Romano.

sexta-feira, maio 02, 2014

Os últimos dois textos do meu irmão aqui

Neste fim de semana completam-se quatro semanas da morte do meu irmão Cid Justen Santana. Resolvi registrar aqui mais dois textos. Não são os últimos dele, mas os últimos que vou postar aqui. Eu não ia postar a crônica, A Noite de um Dia Difícil, porque é prosa, e porque quando digitei achei que o texto não estava tão bem realizado quanto poderia. Bobagem crítica da minha parte: foi escrito em 1987, quando o Cid tinha 16 anos incompletos, e também selecionado para o livro do concurso literário do Positivo daquele ano. O Cid emplacou quatro anos seguidos sendo selecionado e premiado nesse concurso, de 1985 a 1988.

Segue aqui também o Ascensão e Declínio, escrito em 1985. É o primeiro poema dele selecionado no concurso, que resultava (parece que isso acontece até hoje) na publicação do livro Palavra Viva. Poema de um piá de 13 para 14 anos. Ascensão e declínio. E eis a postagem final de tributo ao meu irmão. Valeu, Cid!

***

A Noite de um Dia Difícil

Dias difíceis todos nós temos. São quando o relógio trabalha mais do que nós, ou quando o supermercado está cheio, ou quando a energia acaba. No mais, ligamos a ignição do carro e voltamos pra casa, tendo o cuidado de desligar o rádio quando começa o informe estatal.

A noite de um dia difícil é diferente, repleta de pensamentos. Mesmo que os computadores não queiram, quando algo diferente acontece, nós começamos a pensar. E eu penso.

Penso que não sei se as pessoas continuarão a correr inescrupulosamente atrás do dinheiro, como única alternativa pra uma sobrevivência decente. Somos escravos das horas, do patrão e do "descanso semanal remunerado". O egoísmo e a ambição desunem os homens. Todos correm todos os dias atrás de todo o dinheiro que possam conseguir. Uns poucos andam mais devagar, loucos ou divagadores, ou catadores de lixo. Os carrinhos de madeira não são leves... Os transeuntes fogem apressados dos monstros metálicos que fomos nós mesmos que inventamos porque não sabemos mais andar. Até dar um acidente. A multidão que se forma pra ver um acidente de carro não é muito diferente da legião de formigas que se forma em volta de um gafanhoto morto. E chegamos em casa e acendemos os fios de tungstênio e cobre. Às vezes uma sirene distante indica que houve mais uma desgraça na cidade. Acendemos a televisão instintivamente, mesmo que não queiramos ver televisão. É porque é moda, porque amanhã no trabalho vão comentar o capítulo de ontem que é o hoje amanhã. Afinal as pessoas gostam de conversar e não gostam de contas, e vão pra festas onde se esquecem das contas, bebem acima da conta e falam de assuntos que não são da sua conta. Mas isso são só pensamentos da noite de um dia difícil.

O bicho-homem se esconde na sua toca. Ainda há lá alguns buracos pra sabermos o que está acontecendo lá fora, e pras pessoas se suicidarem com toda a comodidade e segurança. À noite, servem também pra se olhar pra lua prateada, que serve pra lembrar que ainda estamos na Terra e que já houve homens cuja única preocupação era caçar antílopes e olhar pra lua. Esses instrumentos pra ver através das paredes chamam-se janelas. Janelas. Pontinhos brilhantes no céu da noite. Cada um deles é uma pessoa, uma realidade que eu não conheço. Vemos milhares de pessoas todos os dias e milhares de pontinhos todas as noites e não conhecemos ninguém. Somos apenas mais um semblante, mais uma janela. "Janela" não é uma boa palavra pra se terminar uma frase. Não tem ritmo, não é musical. Mas hoje em dia as músicas, que são mais importantes que as poesias, são muitas vezes meros amontoados de acordes permeados de gritos e convulsões, sem lógica ou uma idéia a transmitir. Servem pra que as pessoas se amem em salões chamados danceterias, se mexendo pra lá e pra cá como se tivessem maleita ou quebranto. É porque querem parecer charmosas, querem ser aceitas pela sociedade do consumismo, do imediatismo e do belo. Estamos tão consumistas que julgamos poder fazer as coisas sumirem, desaparecerem apenas porque não nos servem mais. Jogamos algo no lixo querendo que se desintegre, que os átomos desapareçam, contrariando a própria Lei de Lavoisier. Nessa sociedade imediatista, a forma vale mais que o conteúdo, o hábito faz o monge. A sociedade nos impede de sermos nós mesmos. A sociedade nos transforma em robôs. Bip, bip... você já lubrificou suas engrenagens hoje? Mas isso são só pensamentos da noite de um dia difícil.

Temos fitas em nosso videocassete e livros em nossa biblioteca com figuras de árvores, selvas, bichos e cores. E quando nos cansarmos podemos olhar pela janela e ver prédios e flores brotando do chão. Mas as flores também nascem nos gramados que os jardineiros plantam pra depois cortar. As flores, quando ficam belas, são arrancadas por brutos que também amam, pois amar é permitido e significa gostar duma pessoa do sexo oposto, uma espécie de egoísmo a dois, porque as pessoas que se trancam em suas próprias casas precisam de outras que lhes satisfaçam o desejo. E que também ouçam quando estas reclamarem do silêncio ou do gosto do purê no almoço. Afinal não somos uma ilha, embora o oceano, poluído, cada vez aumente mais. E uma ilha não tem água por cima nem por baixo, enquanto nós temos espaços vazios por todos os lados. Nas cidades se agrupam pessoas vizinhas em Tempo e Espaço e afastadas em Espírito. Alguns não agüentam a pressão e viajam ao mundo dos sonhos. Eu já não sei mais direito o que está certo e o que está errado. Mas isso são só... você já sabe o resto.

É muito fácil e confortável pensar só nos próprios problemas. Deixar pra ser socialista na faculdade e depois se acomodar pro resto da vida, enquanto pobres coitados alheios a regimes e ideologias morrem de fome. Pior cego é o que não quer esperar doador de córnea...

Os homens buscam doutrinas perfeitas como se governo fizesse milagres. Esquecem que mudanças vêm de dentro pra fora, que se você quer deixar o mundo melhor deve ficar você melhor. Mas o problema é que o sistema escraviza a todos, ele está impregnado em nossas vísceras. O egoísmo de cada um não permite um mundo de igualdade com liberdade. O futuro é tão incerto que talvez até por ironia do destino, o mundo fique melhor. Talvez hoje mesmo haja condição de uma pessoa ser feliz, sabendo que está fazendo a sua parte, que vai morrer tentando deixar o mundo melhor. Ou não. Depende da índole de cada um. Mas isso são só pensamentos da noite de um dia difícil.

Cid Justen Santana (texto selecionado no décimo primeiro concurso literário Palavra Viva, da sociedade educacional Positivo, em 1987)

***

ASCENSÃO E DECLÍNIO

Quão grandiosa foi minha escalada!
Quão harmoniosa foi ela organizada!
Não, não posso pensar
no que era, no que fui, no que seria, no que sou,
nem pensarei, então, no que serei.

Subi na vida.
Doce escalada sofrida.
Ah, se pudesse voltar...
Não, eu não iria arriscar
perder tudo que tinha,
voltar a essa vidinha
mais baixa, mesquinha...

Corroído e corrompido fui
pela classe ostentosa.
Mas agora
o lugar de onde caí era mais alto:
minha queda foi do asfalto
para o macadame.
Fui filhinho de madame,
fui reizinho mandão,
mas agora o meu pão,
como o dos que pisei,
será do trigo que eu semear
e do trigo que eu colher.

Tão enorme era a plantação,
mas agora, agricultor
sem cavalo, sem tração,
minha aragem é a dor,
perdi o trator, o moedor, o arado,
perdi os empregados.
Agora sou eu o trator, o moedor,
o arado e os empregados.

Nunca tinha comido melado,
me sujei, me lambuzei,
quão maior eu fui
através dos que pisei.
No esbanjamento
era e sempre fui
um tremendo dum nojento.

Agora que o carro me deixou,
ó Deus, quão penoso é o caminho
do viajante que pegou carona
– a condução foi sua dona –
e agora tem que andar
sem carona a ajudar,
sem ninguém para chorar
pela queda silenciosa
da mão de obra ociosa.

Miséria, me larga!
Não me leva outra vez!
Minhas posses de burguês
foram e foram!
Se sofri para subir, e desci,
agora que mal aguento esta vida,
como poderei novamente emergir?

Não. Devo desistir.
A sorte não bate duas vezes
e eu voltei, de fazendeiro
a tocador de reses.


Cid Justen Santana (texto selecionado no nono concurso literário Palavra Viva, da sociedade educacional Positivo, em 1985)

...

quarta-feira, abril 23, 2014

PALAVRAS DE TITÂNIO

[sim, mais um poema do meu irmão Cid Justen Santana (1971-2014), escrito em homenagem a seus professores, quando o Cid fazia a oitava série e tinha 13 para 14 anos de idade -- esse texto não foi selecionado para nenhuma premiação, mas fica aqui registrado a quem possa emocionar]

I

Tu, que trabalhas arduamente,
fazendo plantas e esquemas
de construção simples mas engenhosa,
engenheiro da mente humana.

Tens nas tuas rédeas,
tens nas tuas mãos
olhinhos agressivos e espertos
ou olhares reprovadores e radicais.

Que levas e mais levas!
(quase não acabam mais)
Se dormes, é tarde da noite,
Se não, são planejamentos que fazes,

planejamentos audazes,
planejamentos tenazes,
pra conter na tua mão
o que às vezes numa sala não cabe.


II

Carregas em teu nome
tua dura vida
com centenas de alunos
-- um pai com centenas de filhos.

É duro não ser perfeito.
É duro nem sempre acertar,
pois tuas palavras de titânio
consolidam mil caracteres,

pois em tuas mãos
formas as existências.
O que disseres, o que fizeres
vai comandar o futuro.

És o elo entre antes e depois:
quanto mais passares adiante
e quanto menos segurares
mais razão teve a tua vida.

Sem exagero, pode-se dizer:
-- Sublime tarefa de amor.
Vida doada ao futuro,
vida doada à esperança!

És os olhos do mundo
modelando teus alunos.
És os olhos dos teus alunos
olhando corretamente o mundo.


[Curitiba, 7 de outubro de 1985]

...

segunda-feira, abril 14, 2014

Mais um poema do meu irmão --

Esse é uma joia rara: confiram --


SONETO DA FELICIDADE

A felicidade não é grande nem azul.
A felicidade não é o norte nem o sul.
Não tem mapa nem direção.
É frágil e de curta duração.

Para que nela caiba toda tua vida
procura em todos os momentos a alegria escondida.
Usa cada tristeza tua como uma lição.
Usa cada alegria como impulsão.

A busca da felicidade é uma estrada
por selvas cercada e por pedras barrada:
remove-as sem levantar para não ser derrubado.

Não as empurres que o tesouro será esmagado.
Verte-as apenas para o lado, de mansinho
e terás aberto o caminho.


Cid Justen Santana (1971-2014)

[publicado num boletim informativo do Colégio Positivo, em outubro de 1986]

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quinta-feira, abril 10, 2014

BATENDO NA MESMA TECLA

[Mais um poema do meu irmão Cid Justen Santana (Curitiba, 8 de novembro de 1971 - 6 de abril de 2014); este foi premiado no décimo segundo concurso Palavra Viva, da Sociedade Educacional Positivo, em 1988.]

Batendo na mesma tecla,
eu vou conseguir explicar
que bater na mesma tecla
é o que devemos realizar,
pois nos batem na mesma tecla
que está certo o que é antigo,
já batido de mesma tecla,
copiar não tem perigo,
e todos batemos na mesma tecla,
precisamos bater pra existir,
e até que bater tanto a tecla
fica um pouco legal de se ouvir,
e eu bato na mesma tecla,
pois tal bate toda a gente,
e batendo na mesma tecla
eu não pareço diferente,
e de tanto bater na tecla
eu já me sinto até decente,
especialista em batimento de tecla,
de grande engrenagem sou dente,
não se apoquente (batendo na mesma tecla),
que eu já consegui reservar
(enquanto batia na tecla)
meu nome na lista de espera
(e vou batendo na mesma tecla)
pra um dia eu poder viajar
(até lá eu bato na tecla)
ao mundo dos Sem-Polegar.
(Batendo na mesma tecla.)

...

domingo, abril 06, 2014

MUDANÇAS

(poema de Cid Justen Santana, meu irmão, falecido neste dia 6 de abril de 2014, aos 42 anos de idade; o poema foi premiado no décimo Concurso Literário Palavra Viva, promovido pela Sociedade Educacional Positivo, em 1986, quando o Cid contava 15 anos de idade)

Mudanças.
A vida está cheia delas.
Depois de amores e procelas,
coisas feias e belas,
que resta para o Homem?
Apenas o nome.

Quando se é criança,
moleque, se é tratado pelo nome
mais um "inho" e apenas.
Doce vida a das crianças pequenas...

Depois vem a idade adulta
(daí o tratamento é mudado).
É "senhor" ou "senhora" e o nome.
É duro sustentar os alicerces desse mundo avacalhado.

Então vem a velhice:
"vô", "vó" e o nome; é só.
Vibração microscópica no silêncio
ostracístico da solidão do pó.

Causa, procedimento, conseqüência.
Estudo por estudo, vida do Homem,
chega-se à conclusão de que
o tempo muda e tudo consome.

É distância impercorrível que fica
da pureza do parto à morte do Homem.
Vai ficando embrutecido pelo mundo
e só permanece... inalterado... o nome.

Cid Justen Santana

...

sexta-feira, abril 04, 2014

E AÍ É O UI E O OU

...
Todo mundo faz cocô.
Todo mundo tem chulé.
Tudo bem que tem a flor.
Tudo bem que tem o pé.
Todo mundo sofre dor.
Ninguém faz tudo o que quer.
Tudo bem que tem amor.
Tudo bem que tem a fé.
Mas às vezes até a fé
se confunde com o horror
e portanto, meu senhor,
não me diga, por favor,
dessa vida sem temor
ser questão de o que é o que é.

ijs
...

segunda-feira, março 31, 2014

quinta-feira, março 06, 2014

O MEU IRMÃO ENQUANTO INSPIRAÇÃO

Ao Cid Justen Santana
*
O meu irmão enquanto inspiração
é tanto o que não fez e o que tentou
porém também tanto o que fez, na ação
de ser, mesmo no ser que não chegou.

O meu irmão enquanto aspiração
prossegue sendo esse desenrolar
das coisas que inda não são mas serão
e no que ele tentar bolar colar

e até no medo que me dói de assim
o transformar em futura canção,
considerando um não qual sim e em mim
o meu irmão enquanto inspiração.


...

quinta-feira, fevereiro 27, 2014

DO AMOR E ESSES TRABALHOS DE POESIA

*
Sim, você sabe, não são tão difíceis
os versos decassílabos perfeitos.
E versos bem escritos são quais mísseis

que atingem muitos mil, de muitos jeitos.
Mas todo dia tem algum problema:
tem cercas com limites muito estreitos,

tem quem queira que o resto reze e gema,
e quem proponha tiros, socos, chutes.
Bem poucos ousam não seguir esquemas

enquanto a gente segue e só deglute
os ditos sanduíches de realidade,
sentindo falta de outras teclas mutes

pra suportar a vida na cidade.
Talvez só esteja, sim, perdendo tempo.
Talvez viva contente atrás de grades.

Talvez tais três talvezes que aqui tento
não sejam um final que alguém queria.
Porém é só. Sim. Só. Fiz só de exemplo

do amor e esses trabalhos de poesia.

ijs

...