Subterrâneo Banzo Blues
Johnny no subsolo
Manipula os ingredientes
Enquanto eu aqui no térreo
Penso em nossos governantes
O homem do capote
Sem emblema nem emprego
Diz que o troço só deu tosse
Exige troco ou arrego
Cuidado, guri
Você fez alguma aqui
Aprontou sabe Deus quando
E outra vez vem me enrolando
Melhor agachar no beco
Pra ver se acha um novo amigo
O homem do chapéu felpudo
Muita pinta e bem marrudo
Quer trocar nota graúda
Você só tem dez miúdas
Maga vem ligeira
Cara cheia de fuligem
Diz que um x-9 de aplique
Plantou miques no tabique
Mas já tem grampo na linha
Maga tá de conversinha
Que eles vinham em tal dia
Ordens da promotoria
Cuidado, guri
Não estamos nem aí
Ande na ponta dos pés
Sem rebite no café
Melhor evitar manés
Jatos d’água e boa fé
Mantenha o nariz limpo
Verifique o figurino
Não precisa olhar pra cima
Pra saber qual é o clima
Fique ruim, fique bom
Cole lá no poço ou
Toque um som, nesse tom
Pode ser que venda algum
Tente mais, tome um baile
Volte atrás, escreva em Braille
Seja preso, fuja triste
Se falhar então se aliste
Cuidado, guri
Ainda atiram em ti
Usuários, salafrários
Perdedores perdulários
Enchem cines e teatros
Garota em redemoinho
Já procura outro cretino
Não confie em sufrágios
Saiba os preços dos pedágios
Nasça, cresça, se aqueça e não esqueça
Calça curta, escaramuça
Num romance dance rumba
Troque a roupa, faça a crisma
Tente vencer nesta vida
Presenteie ambos os sexos
Com bilhetes em anexo
Não furte nas lojas
Vinte anos de escola
E você ganha essa esmola
Cuidado, guri
Dissimulam mas eu vi
Pule logo num esgoto
Acenda incensos de sândalo
Não use sandálias, evite os escândalos
Não queira ser um pixote
Antes sim mascar chiclete
A bomba não funciona
Foi depredada pelos bandos de vândalos
Bob Dylan
Subterranean Homesick Blues,
versão brasileira:
Ivan Justen Santana,
em oferenda a Filippo Mandarino
...
(outro link recomendável, a propósito)
segunda-feira, dezembro 28, 2009
segunda-feira, dezembro 14, 2009
COMO UM DYLAN DEPOIS DO OUTRO...
– Isso não é coisa que se Dylan,
mas eu adylanmito: sou um dylantante
e curto Cobain ficar me fazendo de Bob...
Afinal, Dylan-me com quem Thomas
e Roberte-ei quem és...
– Argh, Ivan! Não faça aZimmerman...
– Tá bom, então, já que like a rolling estou,
juro que este é o último dos trocadylans...
[E aqui vai mais um Dylan (di)vertido a vocês:]
AMOR MENOS ZERO / INFINITO
(LOVE MINUS ZERO/NO LIMIT)
O meu amor, ela fala silenciosamente,
sem ideais, pacificamente,
não precisa ser abertamente fiel.
Igual ao gelo, igual ao fogo ela fala–
tem pessoas que fazem um escarcéu:
rosas, promessas, bilhetes,
e o meu amor, ela ri em ramalhetes–
paqueradores não podem comprá-la.
Nos pontos de ônibus e nas lojas de conveniência
as pessoas se enchem mutuamente a paciência,
leem livros, repetem poetas,
tiram conclusões em excesso.
Alguns falam como se fossem profetas
e o meu amor, ela delicadamente anota:
–nenhum sucesso é mais que a derrota
e a derrota não é nenhum sucesso.
O romântico chora e se descabela,
a madame acende uma vela–
nas promoções da cavalaria
até os peões amargam desilusões.
Estátuas feitas com palitinhos
desabam umas sobre as outras.
Meu amor pisca e nem se incomoda,
ela sabe demais pra achar as razões.
A ponte à meia-noite balança,
o médico rural vagueia e se cansa,
a sobrinha do banqueiro busca o sublime,
esperando reis magos virem presenteá-la.
O vento uiva como um crime.
A noite é fria e o dia, chuvoso.
E meu amor, ela é como um corvo
de asa quebrada pousado na minha sala.
Bob Dylan
Versão brasileira: Ivan Justen Santana
mas eu adylanmito: sou um dylantante
e curto Cobain ficar me fazendo de Bob...
Afinal, Dylan-me com quem Thomas
e Roberte-ei quem és...
– Argh, Ivan! Não faça aZimmerman...
– Tá bom, então, já que like a rolling estou,
juro que este é o último dos trocadylans...
[E aqui vai mais um Dylan (di)vertido a vocês:]
AMOR MENOS ZERO / INFINITO
(LOVE MINUS ZERO/NO LIMIT)
O meu amor, ela fala silenciosamente,
sem ideais, pacificamente,
não precisa ser abertamente fiel.
Igual ao gelo, igual ao fogo ela fala–
tem pessoas que fazem um escarcéu:
rosas, promessas, bilhetes,
e o meu amor, ela ri em ramalhetes–
paqueradores não podem comprá-la.
Nos pontos de ônibus e nas lojas de conveniência
as pessoas se enchem mutuamente a paciência,
leem livros, repetem poetas,
tiram conclusões em excesso.
Alguns falam como se fossem profetas
e o meu amor, ela delicadamente anota:
–nenhum sucesso é mais que a derrota
e a derrota não é nenhum sucesso.
O romântico chora e se descabela,
a madame acende uma vela–
nas promoções da cavalaria
até os peões amargam desilusões.
Estátuas feitas com palitinhos
desabam umas sobre as outras.
Meu amor pisca e nem se incomoda,
ela sabe demais pra achar as razões.
A ponte à meia-noite balança,
o médico rural vagueia e se cansa,
a sobrinha do banqueiro busca o sublime,
esperando reis magos virem presenteá-la.
O vento uiva como um crime.
A noite é fria e o dia, chuvoso.
E meu amor, ela é como um corvo
de asa quebrada pousado na minha sala.
Bob Dylan
Versão brasileira: Ivan Justen Santana
domingo, novembro 29, 2009
TÁ TUDO CERTO, MÃE (SÓ ESTOU SANGRANDO)
(It´s Alright, Ma, I´m Only Bleeding)
Ao raiar do meio-dia, a escuridão
Assombra até a lâmina feita à mão,
A colher de prata, o bebê e o balão,
Eclipsa a lua e o sol no chão,
Não adianta nem buscar razão:
Você sabe que não está entendendo.
Ameaças agudas lançadas ao ar,
Declarações suicidas a se rasgar,
Porta-voz de ouro-de-tolo a cornetar
Palavras gastas que só vêm provar:
Quem não está nascendo por lá
Está ocupado ali morrendo.
O pajem da tentação sai pela janela,
Você vai atrás e se acha em guerra,
A cascata piedosa rosna e berra,
Você quer berrar, mas não é mais aquela
Pessoa que achava que você era,
É só mais um gemendo.
Então se um ruído esquisito
Ressoar aí no seu ouvido
Tá tudo certo, mãe, é só meu lamento.
Alguns cantam glória e outros, derrota,
Grandes ou não, razões sempre próprias
São vistas nos olhos daqueles que forçam
E arrastam as pessoas pra serem mortas
Enquanto outros dizem: somente o ódio
Deve ser odiado.
Palavras cínicas disparam em uivos
De deuses humanos criando seus mundos
Com armas de brinquedo feitas pra adultos
E Cristos coloridos que brilham no escuro,
É fácil perceber, sem procurar muito:
Hoje nada mais é sagrado.
Pregadores pregam um destino infeliz,
Professores professam o saber da raiz,
O mapa da mina no quadro de giz,
A bondade se esconde na própria matriz
Mas até o presidente de um grande país
Às vezes precisa andar pelado.
E se a regra do jogo está fora de alcance
É só se desviar de quem faz o lance
E tá tudo certo, mãe, dou conta do recado.
Propagandas te levando a mal,
A pensar que só você é que é o tal
Que pode mais que qualquer mortal
E que merece o mais sensacional
Enquanto isso a vida vai normal
E você nem vê.
Você se perde e se encontra de novo,
Súbito quer ser um pouco mais corajoso,
Sozinho você vai pra longe do povo
Quando uma voz em tom cavernoso
Surpreende o seu ouvido em repouso
E diz achar mesmo que achou você.
Uma pergunta bate à sua porta
Mas você sabe que não tem resposta
Pra assegurar que algo ainda importa,
Pra que a verdade seja toda exposta:
Não há coisa ou pessoa, viva ou morta
A quem você deva pertencer.
E apesar dos senhores fazerem os planos
Aos homens sábios e aos insanos
Nada me obriga, mãe, a corresponder.
Aos que precisam bater continência
À lei que desprezam em sã consciência
E odeiam o que fazem, não têm paciência,
Invejam quem é livre na sua ausência,
Cultivam as flores dessa experiência
Somente como algo a investir.
Enquanto outros, batizados em princípios
A laços estreitos, ideias e partidos,
Clubes restritos disfarçam contidos,
Aqueles que escondem o senso crítico
Só falam em quais devem ser os ídolos
E depois “Deus abençoe aquele ali”.
Enquanto quem canta com a língua em chamas
Gargareja num coral de falsos dramas,
Torto pela sociedade e suas tramas
Não luta pra tirar os seus pés da lama
Mas sim pra arrastar à mesma lama
Todos que passem por ali.
Mas não quero mal nem aponto defeito
A qualquer sujeito que viva sujeito
E tá tudo certo, mãe, se eu fizer ele sorrir.
Velhas senhoras observam casais,
Limitadas no sexo, julgam-se as tais,
Desprezam baseadas em falsas morais
E a grana não fala, xinga e grita mais
Obscenidade em todos os canais,
Propaganda é isso aí, hipocrisia.
Enquanto defende-se o que nem se vê
Com orgulho assassino, e é assim que
As certezas estupidificam você,
E aos que não conseguem nem perceber
A verdade natural de que vão morrer
Deve ser bem solitária a vida.
Meus olhos colidem em cheio em cheios
Cemitérios, deuses vazios, não creio
Na mesquinhez que se impõe no meio,
Vou de ponta-cabeça, algemado, sem freio,
Catando cavaco e enfim, já cheio,
Digo O.K., você disse a que veio,
Tem outro lance na partida?
E se vissem o que minha mente imagina
Provavelmente me condenavam à guilhotina
Mas tá tudo certo, mãe, é a vida, é só a vida.
Bob Dylan
versão brasileira: Ivan Justen Santana
Ao raiar do meio-dia, a escuridão
Assombra até a lâmina feita à mão,
A colher de prata, o bebê e o balão,
Eclipsa a lua e o sol no chão,
Não adianta nem buscar razão:
Você sabe que não está entendendo.
Ameaças agudas lançadas ao ar,
Declarações suicidas a se rasgar,
Porta-voz de ouro-de-tolo a cornetar
Palavras gastas que só vêm provar:
Quem não está nascendo por lá
Está ocupado ali morrendo.
O pajem da tentação sai pela janela,
Você vai atrás e se acha em guerra,
A cascata piedosa rosna e berra,
Você quer berrar, mas não é mais aquela
Pessoa que achava que você era,
É só mais um gemendo.
Então se um ruído esquisito
Ressoar aí no seu ouvido
Tá tudo certo, mãe, é só meu lamento.
Alguns cantam glória e outros, derrota,
Grandes ou não, razões sempre próprias
São vistas nos olhos daqueles que forçam
E arrastam as pessoas pra serem mortas
Enquanto outros dizem: somente o ódio
Deve ser odiado.
Palavras cínicas disparam em uivos
De deuses humanos criando seus mundos
Com armas de brinquedo feitas pra adultos
E Cristos coloridos que brilham no escuro,
É fácil perceber, sem procurar muito:
Hoje nada mais é sagrado.
Pregadores pregam um destino infeliz,
Professores professam o saber da raiz,
O mapa da mina no quadro de giz,
A bondade se esconde na própria matriz
Mas até o presidente de um grande país
Às vezes precisa andar pelado.
E se a regra do jogo está fora de alcance
É só se desviar de quem faz o lance
E tá tudo certo, mãe, dou conta do recado.
Propagandas te levando a mal,
A pensar que só você é que é o tal
Que pode mais que qualquer mortal
E que merece o mais sensacional
Enquanto isso a vida vai normal
E você nem vê.
Você se perde e se encontra de novo,
Súbito quer ser um pouco mais corajoso,
Sozinho você vai pra longe do povo
Quando uma voz em tom cavernoso
Surpreende o seu ouvido em repouso
E diz achar mesmo que achou você.
Uma pergunta bate à sua porta
Mas você sabe que não tem resposta
Pra assegurar que algo ainda importa,
Pra que a verdade seja toda exposta:
Não há coisa ou pessoa, viva ou morta
A quem você deva pertencer.
E apesar dos senhores fazerem os planos
Aos homens sábios e aos insanos
Nada me obriga, mãe, a corresponder.
Aos que precisam bater continência
À lei que desprezam em sã consciência
E odeiam o que fazem, não têm paciência,
Invejam quem é livre na sua ausência,
Cultivam as flores dessa experiência
Somente como algo a investir.
Enquanto outros, batizados em princípios
A laços estreitos, ideias e partidos,
Clubes restritos disfarçam contidos,
Aqueles que escondem o senso crítico
Só falam em quais devem ser os ídolos
E depois “Deus abençoe aquele ali”.
Enquanto quem canta com a língua em chamas
Gargareja num coral de falsos dramas,
Torto pela sociedade e suas tramas
Não luta pra tirar os seus pés da lama
Mas sim pra arrastar à mesma lama
Todos que passem por ali.
Mas não quero mal nem aponto defeito
A qualquer sujeito que viva sujeito
E tá tudo certo, mãe, se eu fizer ele sorrir.
Velhas senhoras observam casais,
Limitadas no sexo, julgam-se as tais,
Desprezam baseadas em falsas morais
E a grana não fala, xinga e grita mais
Obscenidade em todos os canais,
Propaganda é isso aí, hipocrisia.
Enquanto defende-se o que nem se vê
Com orgulho assassino, e é assim que
As certezas estupidificam você,
E aos que não conseguem nem perceber
A verdade natural de que vão morrer
Deve ser bem solitária a vida.
Meus olhos colidem em cheio em cheios
Cemitérios, deuses vazios, não creio
Na mesquinhez que se impõe no meio,
Vou de ponta-cabeça, algemado, sem freio,
Catando cavaco e enfim, já cheio,
Digo O.K., você disse a que veio,
Tem outro lance na partida?
E se vissem o que minha mente imagina
Provavelmente me condenavam à guilhotina
Mas tá tudo certo, mãe, é a vida, é só a vida.
Bob Dylan
versão brasileira: Ivan Justen Santana
terça-feira, novembro 17, 2009
sábado, novembro 07, 2009
CARMINA I, 4
SOLUITUR ACRIS HIEMS GRATA UICE UERIS ET FAUONI
__TRAHUNTQUE SICCAS MACHINAE CARINAS
AC NEQUE IAM STABULIS GAUDET PECUS AUT ARATOR IGNI
__NEC PRATA CANIS ALBICANT PRUINIS
IAM CYTHEREA CHOROS DUCIT UENUS IMMINENTE LUNA
__IUNCTAEQUE NYMPHIS GRATIAE DECENTES
ALTERNO TERRAM QUATIUNT PEDE DUM GRAUIS CYCLOPUM
__VOLCANUS ARDENS UISIT OFFICINAS
NUNC DECET AUT UIRIDI NITIDUM CAPUT IMPEDIRE MYRTO
__AUT FLORE TERRAE QUEM FERUNT SOLUTAE
NUNC ET IN UMBROSIS FAUNO DECET IMMOLARE LUCIS
__SEU POSCAT AGNA SIUE MALIT HAEDO
PALLIDA MORS AEQUO PULSAT PEDE PAUPERUM TABERNAS
__REGUMQUE TURRIS O BEATE SESTI
UITAE SUMMA BREUIS SPEM NOS UETAT INCHOARE LONGAM
__IAM TE PREMET NOX FABULAEQUE MANES
ET DOMUS EXILIS PLUTONIA QUO SIMUL MEARIS
__NEC REGNA UINI SORTIERE TALIS
NEC TENERUM LYCIDAN MIRABERE QUO CALET IUUENTUS
__NUNC OMNIS ET MOX UIRGINES TEPEBUNT
Dissolve-se o áspero inverno, voltando a estação agradável,
__e secas se arrastam as quilhas dos barcos;
já não se aconchegam no estábulo o gado e ao fogo o campônio,
__nem prados alvejam com brancas geadas.
Já Vênus Citérea os coros conduz, sob a Lua alta,
__e junto das Ninfas as Graças tão belas
batem os pés alternados na terra, enquanto aos Ciclopes
__o ardente Vulcano visita nas forjas.
Agora convém elegante envolver a cabeça com o verde mirto
__ou flores que brotam das terras aráveis;
agora também é mister nas sombrias florestas fazer sacrifícios
__ao Fauno, quer queira cordeiros ou mesmo cabritos.
A pálida Morte marcha igualmente em tavernas de pobres
__e em torres de reis. Ó Sesto feliz,
a vida tão breve proíbe erigir esperanças extensas;
__jjá oprimem-te a Noite, as almas das fábulas
e a fúnebre casa Plutônia, aonde tão logo chegares
__não sortearás com teus dados os goles de vinho
nem admirarás o suave Lícidas, por quem ora arde
__toda a juventude e em breve as virgens ferverão.
QUINTUS HORATIUS FLACCUS
Ivan Justen Santana
__TRAHUNTQUE SICCAS MACHINAE CARINAS
AC NEQUE IAM STABULIS GAUDET PECUS AUT ARATOR IGNI
__NEC PRATA CANIS ALBICANT PRUINIS
IAM CYTHEREA CHOROS DUCIT UENUS IMMINENTE LUNA
__IUNCTAEQUE NYMPHIS GRATIAE DECENTES
ALTERNO TERRAM QUATIUNT PEDE DUM GRAUIS CYCLOPUM
__VOLCANUS ARDENS UISIT OFFICINAS
NUNC DECET AUT UIRIDI NITIDUM CAPUT IMPEDIRE MYRTO
__AUT FLORE TERRAE QUEM FERUNT SOLUTAE
NUNC ET IN UMBROSIS FAUNO DECET IMMOLARE LUCIS
__SEU POSCAT AGNA SIUE MALIT HAEDO
PALLIDA MORS AEQUO PULSAT PEDE PAUPERUM TABERNAS
__REGUMQUE TURRIS O BEATE SESTI
UITAE SUMMA BREUIS SPEM NOS UETAT INCHOARE LONGAM
__IAM TE PREMET NOX FABULAEQUE MANES
ET DOMUS EXILIS PLUTONIA QUO SIMUL MEARIS
__NEC REGNA UINI SORTIERE TALIS
NEC TENERUM LYCIDAN MIRABERE QUO CALET IUUENTUS
__NUNC OMNIS ET MOX UIRGINES TEPEBUNT
Dissolve-se o áspero inverno, voltando a estação agradável,
__e secas se arrastam as quilhas dos barcos;
já não se aconchegam no estábulo o gado e ao fogo o campônio,
__nem prados alvejam com brancas geadas.
Já Vênus Citérea os coros conduz, sob a Lua alta,
__e junto das Ninfas as Graças tão belas
batem os pés alternados na terra, enquanto aos Ciclopes
__o ardente Vulcano visita nas forjas.
Agora convém elegante envolver a cabeça com o verde mirto
__ou flores que brotam das terras aráveis;
agora também é mister nas sombrias florestas fazer sacrifícios
__ao Fauno, quer queira cordeiros ou mesmo cabritos.
A pálida Morte marcha igualmente em tavernas de pobres
__e em torres de reis. Ó Sesto feliz,
a vida tão breve proíbe erigir esperanças extensas;
__jjá oprimem-te a Noite, as almas das fábulas
e a fúnebre casa Plutônia, aonde tão logo chegares
__não sortearás com teus dados os goles de vinho
nem admirarás o suave Lícidas, por quem ora arde
__toda a juventude e em breve as virgens ferverão.
QUINTUS HORATIUS FLACCUS
Ivan Justen Santana
terça-feira, novembro 03, 2009
EDGAR WILLIAM ALLAN BLAKE POE
Edgar Allan Poe, investido de corvo,
Encontra William Blake em pele de tigre:
A este a pelugem empresta um ar de estorvo
E àquele a plumagem negra não denigre.
Assim figurei-os na imaginação
E um, só por ter visto o outro, se embeveceu
Pois ambos pensaram, cheios de razão:
“Meu poema-bicho é mais animal que o seu!”
Encontra William Blake em pele de tigre:
A este a pelugem empresta um ar de estorvo
E àquele a plumagem negra não denigre.
Assim figurei-os na imaginação
E um, só por ter visto o outro, se embeveceu
Pois ambos pensaram, cheios de razão:
“Meu poema-bicho é mais animal que o seu!”
sexta-feira, outubro 23, 2009
PARA QUE OS MEUS AMIGOS NÃO SEJAM INFELIZES (E O RENATO VOLTE A POSTAR)
No meio do caminho da poesia
as formas ondulantes voltam como
sempre. A vontade brilhante e sombria
é refazer quem, quando, por que, como.
Onde encontrar a velha vaca fria?
Qual será a língua da vaca sagrada?
As antas e os tatus de antologia
vazam do mato que a ninguém agrada.
E você, o que quer, meu caro Ivan?
Tanta firula e nada de chutar?
Empacou na quadra quadrada e vã
ou vai enfim chegar nalgum lugar?
Bom, o que eu queria, queria muito,
muito bastante mesmo (gaguejando)
era que, mais que um blábláblá fortuito,
meu verso tivesse poder de mando.
Primeiro, pra mandar os meus amigos
largarem mão de brigas por bobeira,
erguendo os olhos longe dos umbigos
(essa foi pro Renato e pro Ferreira).
Segundo, não sei. Era isso que estava
sujando a minha veia de poeta:
venenos agindo na vida brava
e eu só versando feito um mero esteta.
Quero influir na vida de verdade
e, mais que rimas ricas e solenes,
conseguir resgatar uma amizade,
reconciliando a banda dos Marlenes.
Se meus amigos têm que tomar algo,
eu resolvi tomar uma atitude:
o resto é com vocês. Agora eu salgo
essa sopinha e fim – fiz o que pude.
as formas ondulantes voltam como
sempre. A vontade brilhante e sombria
é refazer quem, quando, por que, como.
Onde encontrar a velha vaca fria?
Qual será a língua da vaca sagrada?
As antas e os tatus de antologia
vazam do mato que a ninguém agrada.
E você, o que quer, meu caro Ivan?
Tanta firula e nada de chutar?
Empacou na quadra quadrada e vã
ou vai enfim chegar nalgum lugar?
Bom, o que eu queria, queria muito,
muito bastante mesmo (gaguejando)
era que, mais que um blábláblá fortuito,
meu verso tivesse poder de mando.
Primeiro, pra mandar os meus amigos
largarem mão de brigas por bobeira,
erguendo os olhos longe dos umbigos
(essa foi pro Renato e pro Ferreira).
Segundo, não sei. Era isso que estava
sujando a minha veia de poeta:
venenos agindo na vida brava
e eu só versando feito um mero esteta.
Quero influir na vida de verdade
e, mais que rimas ricas e solenes,
conseguir resgatar uma amizade,
reconciliando a banda dos Marlenes.
Se meus amigos têm que tomar algo,
eu resolvi tomar uma atitude:
o resto é com vocês. Agora eu salgo
essa sopinha e fim – fiz o que pude.
terça-feira, outubro 06, 2009
AO LONGO DA TORRE DE CONTROLE
– Tem que ter uma saída de emergência –
Disse o coringa para o ladrão,
– Eu já não acho mais paciência
No meio de tanta confusão.
Peões cavam no meu cercado,
Empresários bebem o meu vinho,
Mas ninguém sabe o valor estimado
Duma pedra no meio do caminho.
– Não adianta ficar nervoso –
Disse o ladrão, em tom bondoso.
– Muitos de nós têm a ideia engraçada
Que a vida não passa duma piada.
Mas eu e você já passamos por essa
E não fazemos mais fé em promessa,
Então vamos deixar de falsidade
Porque o tempo já vai tarde.
Ao longo da torre de controle
O Príncipe vigiava atentamente,
Iam e vinham as mulheres da corte
E os pés descalços da sua gente.
Lá fora, na distância gelada,
Um gato selvagem rompeu a rosnar,
Dois cavaleiros se aproximavam
E o vento inventava de uivar.
Versão brasileira feita por este que vos escreve - quem comentar respondendo de quem é o "texto original" e acertar, ganhará três links de presente...
Disse o coringa para o ladrão,
– Eu já não acho mais paciência
No meio de tanta confusão.
Peões cavam no meu cercado,
Empresários bebem o meu vinho,
Mas ninguém sabe o valor estimado
Duma pedra no meio do caminho.
– Não adianta ficar nervoso –
Disse o ladrão, em tom bondoso.
– Muitos de nós têm a ideia engraçada
Que a vida não passa duma piada.
Mas eu e você já passamos por essa
E não fazemos mais fé em promessa,
Então vamos deixar de falsidade
Porque o tempo já vai tarde.
Ao longo da torre de controle
O Príncipe vigiava atentamente,
Iam e vinham as mulheres da corte
E os pés descalços da sua gente.
Lá fora, na distância gelada,
Um gato selvagem rompeu a rosnar,
Dois cavaleiros se aproximavam
E o vento inventava de uivar.
Versão brasileira feita por este que vos escreve - quem comentar respondendo de quem é o "texto original" e acertar, ganhará três links de presente...
quarta-feira, setembro 30, 2009
Poemento de circuritinstância
Hoje dois eventos que ocorrem esta noite me chamaram a textualizar.
Em São Paulo, inaugura-se uma ocupação-exposição da obra de Paulo Leminski, por iniciativa e esforços de Ademir Assunção - maiores detalhes aqui.
Aqui em Curitiba, o jornalista Luiz Claudio Oliveira lança livro sobre a revista Joaquim e seu conspícuo fundador, Dalton Trevisan - outras informações aqui.
Esses acontecimentos me lembraram (e não sei por que) de um poema de Emiliano Perneta, mais especificamente de um verso-risada dele. Fui procurá-lo nesta vasta e áspera rede de silício e não achei.
Ponto para os livros que dormem nas bibliotecas, e que desencavarei pra reproduzir o poema nesta postagem, se possível ainda hoje.
E há mais um acontecimento pra celebrar as nossas letras (se me permitem esta expressão arcaica, e se não permitem vão lá ver se tem um fusca gelo na esquina...) -
Alice Ruiz ganhou o Jabuti de poesia deste ano.
Assim, eu por mim já estou exausto de vergonha reprimida pra não me sentir no mínimo ufano e orgulhoso por ser um escrevinhador curitibano...
(acréscimo em primeiro de outubro:)
O lançamento do livro do Luiz Claudio foi ótimo, e não tenho nenhuma dúvida de que a inauguração da ocupação Leminski em SP também foi uma noitada excelente.
Então aqui vai o poema do Emiliano Perneta que lembrei ontem: acho que lembrei desse poema por conta da radicalidade de versos publicados aqui na "província" em 1911. São versos pra modernista nenhum achar antiquados, e antecipam até mesmo um soneto-retrô do Marcos Prado.
Apesar de encarnarem a voz da morte, leio ironicamente nesses versos uma prova de vida. A transcrição vai especialmente dedicada à Nara (que repostou esta singela postagem e tenho certeza de que vai curtir o poema), com um salve também à Alice Ruiz e a todos os poetas e artistas que tiveram a dúbia sorte e o precioso azar de nascer-viver-morrer no estado do Paraná...
D. MORTE
entrando num albergue:
– Mãe, que és tão pobre e não tens leite,
Ó dor crescente! ó lua cheia!
Vida – candeia sem azeite,
Olha-me, vê, não sou tão feia!
_____Pé ante pé,
_____Queres? olé!
Glacial, esguia, num momento,
Eu entro, sopro essa candeia...
_____Queres? olá!
Quem foi? quem foi?
_____– O norte, o vento...
Ah! ah! ah! ah! ah! ah! ah! ah!
Emiliano Perneta (Ilusão, 1911)
Em São Paulo, inaugura-se uma ocupação-exposição da obra de Paulo Leminski, por iniciativa e esforços de Ademir Assunção - maiores detalhes aqui.
Aqui em Curitiba, o jornalista Luiz Claudio Oliveira lança livro sobre a revista Joaquim e seu conspícuo fundador, Dalton Trevisan - outras informações aqui.
Esses acontecimentos me lembraram (e não sei por que) de um poema de Emiliano Perneta, mais especificamente de um verso-risada dele. Fui procurá-lo nesta vasta e áspera rede de silício e não achei.
Ponto para os livros que dormem nas bibliotecas, e que desencavarei pra reproduzir o poema nesta postagem, se possível ainda hoje.
E há mais um acontecimento pra celebrar as nossas letras (se me permitem esta expressão arcaica, e se não permitem vão lá ver se tem um fusca gelo na esquina...) -
Alice Ruiz ganhou o Jabuti de poesia deste ano.
Assim, eu por mim já estou exausto de vergonha reprimida pra não me sentir no mínimo ufano e orgulhoso por ser um escrevinhador curitibano...
(acréscimo em primeiro de outubro:)
O lançamento do livro do Luiz Claudio foi ótimo, e não tenho nenhuma dúvida de que a inauguração da ocupação Leminski em SP também foi uma noitada excelente.
Então aqui vai o poema do Emiliano Perneta que lembrei ontem: acho que lembrei desse poema por conta da radicalidade de versos publicados aqui na "província" em 1911. São versos pra modernista nenhum achar antiquados, e antecipam até mesmo um soneto-retrô do Marcos Prado.
Apesar de encarnarem a voz da morte, leio ironicamente nesses versos uma prova de vida. A transcrição vai especialmente dedicada à Nara (que repostou esta singela postagem e tenho certeza de que vai curtir o poema), com um salve também à Alice Ruiz e a todos os poetas e artistas que tiveram a dúbia sorte e o precioso azar de nascer-viver-morrer no estado do Paraná...
D. MORTE
entrando num albergue:
– Mãe, que és tão pobre e não tens leite,
Ó dor crescente! ó lua cheia!
Vida – candeia sem azeite,
Olha-me, vê, não sou tão feia!
_____Pé ante pé,
_____Queres? olé!
Glacial, esguia, num momento,
Eu entro, sopro essa candeia...
_____Queres? olá!
Quem foi? quem foi?
_____– O norte, o vento...
Ah! ah! ah! ah! ah! ah! ah! ah!
Emiliano Perneta (Ilusão, 1911)
quarta-feira, setembro 23, 2009
sábado, setembro 12, 2009
Feriado em Floripa
Neste feriado de setembro, eu e minha nega Gianna fomos pra Floripa, visitar a mãe dela e seu feliz consorte.
As fotos já falam o suficiente sobre como foi a viagem.
Fiz uma ivanzice e não avisei meu amigo Vinícius Alves, poeta local, que iríamos baixar por lá.
É que seria a primeira visita aos sogros, e eu também queria explorar a ilha por minha conta e risco...
Enfim, não há nenhuma justificativa boa pra ter feito tal desfeita - assim, faço um poema...
PREZADO VINÍCIUS,
o ser curitibano é assim: esquivo,
soturno, depressor e repressivo -
contudo, sempre surge quem é vivo...
Então não invoco nem razão nem coração
pra justificar minha falseta tão sacana -
no entanto, aceite este pedido de perdão
do seu poeta camarada
_________________Ivan Justen Santana
quarta-feira, setembro 02, 2009
(...) BEM QUE EU TENTEI DESPISTAR A GOVERNANTA...
porém a poesia pinup poppins veio voando de sombrinha
___e um verso jason me perseguiu até o fim da linha –
tinha uma rima ali muito na sua que também tava na minha
___feito alguma avezinha suavezinha que se avizinha
quando você já despachou o vizinho e refugou a vizinha
___só pra ler sossegado o seu jogo da amarelinha
e aí chega a sua gostosa atrás do açúcar que você nem tinha
___e então vocês passam a noite toda trocando figurinha,
lendo, anotando, interpretando e comentando
___a carta de pero vaz de caminha
___e um verso jason me perseguiu até o fim da linha –
tinha uma rima ali muito na sua que também tava na minha
___feito alguma avezinha suavezinha que se avizinha
quando você já despachou o vizinho e refugou a vizinha
___só pra ler sossegado o seu jogo da amarelinha
e aí chega a sua gostosa atrás do açúcar que você nem tinha
___e então vocês passam a noite toda trocando figurinha,
lendo, anotando, interpretando e comentando
___a carta de pero vaz de caminha
segunda-feira, agosto 31, 2009
DÍSTICOS ENSIMÍSTICOS (ou PORQUE HOJE É MAIS UMA MANHÃ DE SEGUNDA...)
Porque hoje é mais uma manhã de segunda
atiro mais um poema que não boia nem afunda
neste blog blaguejante – e com isso me permito
mais um neologismo meio feio e bem bonito.
Desoxirribonucleicamente hipomaníaco,
estribo-me na borboleta do teu osso ilíaco,
ó musa que me averiguou num verão passado:
ainda me averiguas, nua, como temos passado...
Sim, minha linguagem segue sendo hermeticazinha
e talvez eu seja mesmo um piá brincando de casinha,
simplesmente um sapato semivelho – mas ainda sirvo
pra fazer outra rima acabar em livro. Antes de ir, vo-
cês podem comentar aqui na caixa de comentários
e infeccionar mais a blogosfera com vírus vários –
clamem, reclamem e trocem: suas troças me soltam
a macaqueá-las com meus macaquinhos no sótão.
Estar ou não estar – é isto que está em questão:
por que esta dúvida estarrecerá – e outras não?
Afinal, largo ao elíptico e elusivo leitor uns sinais
na tentativa vã de ivan em versos verbivocovisuais:
agora você vê, agora você não V – seja feliz
nos ângulos dos eNes e nos pingos dos Is –
leiafaleveja o que há no vértice desse ralo A
– basta olhar o nada nessa letra e decifra-lo-á.
atiro mais um poema que não boia nem afunda
neste blog blaguejante – e com isso me permito
mais um neologismo meio feio e bem bonito.
Desoxirribonucleicamente hipomaníaco,
estribo-me na borboleta do teu osso ilíaco,
ó musa que me averiguou num verão passado:
ainda me averiguas, nua, como temos passado...
Sim, minha linguagem segue sendo hermeticazinha
e talvez eu seja mesmo um piá brincando de casinha,
simplesmente um sapato semivelho – mas ainda sirvo
pra fazer outra rima acabar em livro. Antes de ir, vo-
cês podem comentar aqui na caixa de comentários
e infeccionar mais a blogosfera com vírus vários –
clamem, reclamem e trocem: suas troças me soltam
a macaqueá-las com meus macaquinhos no sótão.
Estar ou não estar – é isto que está em questão:
por que esta dúvida estarrecerá – e outras não?
Afinal, largo ao elíptico e elusivo leitor uns sinais
na tentativa vã de ivan em versos verbivocovisuais:
agora você vê, agora você não V – seja feliz
nos ângulos dos eNes e nos pingos dos Is –
leiafaleveja o que há no vértice desse ralo A
– basta olhar o nada nessa letra e decifra-lo-á.
sábado, agosto 22, 2009
"Quando você nasceu, caiu numa tina de sextinas..."
Doutor nenhum usou tesoura pra este corte
que repartiu meu ser assimétrico assim
e ao satírico pã que sobrou meio à parte
deu flauta de bambu. Nunca flauteei-a bem,
pois sua escala em si define um universo
desmesuradamente infinitesimal.
Lamento muito e sei: não vão achar normal
que eu me remonte ao tom da sextina e recorte
cada cesura – triz! –, cada fatia-verso,
e lance mão de sons – flup! – sem sentido assim,
e gagueje de pró-propósito... Também
ninguém mandou vocês aqui buscarem arte.
Isso que eu faço assim se faz por toda parte
nos reinos mineral, vegetal e animal:
mera reprodução, espelhamento bem
simplório, sim, pois não! Então tome outro corte
no seu bedelhozinho expectativo sim-
ples de grande leitor e masque mais um verso,
um corpo que não cai, um romance ao reverso,
uma rua sem mão, sem cardápio à la carte,
descendo muito mal porque se desse assim
essa semifração decimal desse mal
pra todo mundo não teria mais um corte
bem na cena final pra acabar tudo bem.
Gostei das locuções: mais umas caem bem:
uns loucos sem sessões, outrossins noutro verso,
as rimas sem seus sons, e novamente um corte
pra algo completamente indiferente e à parte:
um Thor de força atroz, um Lóki não-do-mal,
um filho de Odin que faça do não sim
feito aquele versinho assim: não, não, não, sim.
Tá: agora abusei, mas se não fui tão bem,
não fui lá tão – latão? – é, latão: lá tão mal...
Eu só tentei fazer uma sextina verso
a verso, pra ver só como é versar destarte
sem nem tema de amor nem qualquer – mais um corte!
Enfim reverto sim à velha volta ao verso,
desculpo-me a meu bem, que a vida é parca em arte,
e acho esse final mau mas pronto pra outro corte.
que repartiu meu ser assimétrico assim
e ao satírico pã que sobrou meio à parte
deu flauta de bambu. Nunca flauteei-a bem,
pois sua escala em si define um universo
desmesuradamente infinitesimal.
Lamento muito e sei: não vão achar normal
que eu me remonte ao tom da sextina e recorte
cada cesura – triz! –, cada fatia-verso,
e lance mão de sons – flup! – sem sentido assim,
e gagueje de pró-propósito... Também
ninguém mandou vocês aqui buscarem arte.
Isso que eu faço assim se faz por toda parte
nos reinos mineral, vegetal e animal:
mera reprodução, espelhamento bem
simplório, sim, pois não! Então tome outro corte
no seu bedelhozinho expectativo sim-
ples de grande leitor e masque mais um verso,
um corpo que não cai, um romance ao reverso,
uma rua sem mão, sem cardápio à la carte,
descendo muito mal porque se desse assim
essa semifração decimal desse mal
pra todo mundo não teria mais um corte
bem na cena final pra acabar tudo bem.
Gostei das locuções: mais umas caem bem:
uns loucos sem sessões, outrossins noutro verso,
as rimas sem seus sons, e novamente um corte
pra algo completamente indiferente e à parte:
um Thor de força atroz, um Lóki não-do-mal,
um filho de Odin que faça do não sim
feito aquele versinho assim: não, não, não, sim.
Tá: agora abusei, mas se não fui tão bem,
não fui lá tão – latão? – é, latão: lá tão mal...
Eu só tentei fazer uma sextina verso
a verso, pra ver só como é versar destarte
sem nem tema de amor nem qualquer – mais um corte!
Enfim reverto sim à velha volta ao verso,
desculpo-me a meu bem, que a vida é parca em arte,
e acho esse final mau mas pronto pra outro corte.
domingo, agosto 16, 2009
DIGA SIM OU NÃO: SIM OU NÃO
Não. Um bom versinho não se faz
com pouco risco e menos traço.
Seria melhor deixá-los em paz.
Não agir.
Não traduzir.
Não fazer o que ainda faço.
Mis pasos en esta calle
Resuenan
_________En otra calle
Donde
______Oigo mis pasos
Pasar en esta calle
Donde
Sólo es real la niebla.
________OCTAVIO PAZ
(apud Julio Cortázar,
Rayuela, capítulo 149)
Meus passos nesta praça
Ressoam
________Noutra praça
Onde
_____Ouço meus passos
Passar nesta praça
Onde
Só é real a névoa.
________OCTAVIO PAZ
(Versão brasileira:
Ivan Justen Santana)
Por que trocar calle por praça?
Porque poesia é assim:
numa língua vai de skate,
noutra, de patim...
Sim. Poesia se faz
arriscando-se o pescoço no laço
sem deixar verso algum descansar em paz!
Traduzo sem fuso
e cometendo abuso
com nossa última flor do lácio
a qual classificar-se-ia de fóssil
ou de animalzinho dócil
se ela fosse fêmea fácil.
com pouco risco e menos traço.
Seria melhor deixá-los em paz.
Não agir.
Não traduzir.
Não fazer o que ainda faço.
Mis pasos en esta calle
Resuenan
_________En otra calle
Donde
______Oigo mis pasos
Pasar en esta calle
Donde
Sólo es real la niebla.
________OCTAVIO PAZ
(apud Julio Cortázar,
Rayuela, capítulo 149)
Meus passos nesta praça
Ressoam
________Noutra praça
Onde
_____Ouço meus passos
Passar nesta praça
Onde
Só é real a névoa.
________OCTAVIO PAZ
(Versão brasileira:
Ivan Justen Santana)
Por que trocar calle por praça?
Porque poesia é assim:
numa língua vai de skate,
noutra, de patim...
Sim. Poesia se faz
arriscando-se o pescoço no laço
sem deixar verso algum descansar em paz!
Traduzo sem fuso
e cometendo abuso
com nossa última flor do lácio
a qual classificar-se-ia de fóssil
ou de animalzinho dócil
se ela fosse fêmea fácil.
terça-feira, agosto 11, 2009
CEMITÉRIO AÉREO
O olho que escorreu da minha testa
(é favor escandir o hiato: o – olho)
com gesto de quem morre e não protesta
sim sim este olho que desfez-se em molho
foi o rio rubro mais feliz de mim,
melhor que sensação de não-mereço,
maior que a rima alargada no fim,
mais sim que frase de amor no começo.
Foi com tal olho que perdi o contato
duma verdade a qual não foi tão tarde:
aquela mais-verdade do retrato
do artista quando jovem cão covarde
que não viaja numa noite fria
depois do cerco de quarenta invernos,
mas que requenta sim a poesia
e sim repete-a aos quintos dos infernos.
Naquela não-pupila eu fui desejo
de amordaçar a primeira pessoa
e fundir tudo em tudo – ser que almejo
quando o gongo do último assalto soa
por fora da ilusão do tempo-espaço
e o mundo bolha explode sem registro
sem som sem tom sem cor sem descompasso
num assombroso silêncio sinistro.
Junto com o olho foi qualquer suspeita
de que eu cifrasse em versos simples isto
numa levada em que tudo se ajeita
e não sobra a má impressão que despisto.
Assim, exausto de usar tantos ques
os quais nem deixam um quê de mistério,
desovo outro corpo morto a vocês,
meus caros hóspedes dum cemitério aéreo.
(é favor escandir o hiato: o – olho)
com gesto de quem morre e não protesta
sim sim este olho que desfez-se em molho
foi o rio rubro mais feliz de mim,
melhor que sensação de não-mereço,
maior que a rima alargada no fim,
mais sim que frase de amor no começo.
Foi com tal olho que perdi o contato
duma verdade a qual não foi tão tarde:
aquela mais-verdade do retrato
do artista quando jovem cão covarde
que não viaja numa noite fria
depois do cerco de quarenta invernos,
mas que requenta sim a poesia
e sim repete-a aos quintos dos infernos.
Naquela não-pupila eu fui desejo
de amordaçar a primeira pessoa
e fundir tudo em tudo – ser que almejo
quando o gongo do último assalto soa
por fora da ilusão do tempo-espaço
e o mundo bolha explode sem registro
sem som sem tom sem cor sem descompasso
num assombroso silêncio sinistro.
Junto com o olho foi qualquer suspeita
de que eu cifrasse em versos simples isto
numa levada em que tudo se ajeita
e não sobra a má impressão que despisto.
Assim, exausto de usar tantos ques
os quais nem deixam um quê de mistério,
desovo outro corpo morto a vocês,
meus caros hóspedes dum cemitério aéreo.
sexta-feira, agosto 07, 2009
Curitiba, 07 de agosto de 2009
Hoje é dia 07/08/09.
Você queria chamar isso de Dia Ivânico.
O primeiro Dia Ivânico deste milênio foi 01/02/03.
No ano seguinte, foi obviamente o 02/03/04.
Nestes primeiros dias ivânicos,
você não tinha plena consciência da historicidade dessas datas,
pois você estava na pré-história da sua loucura.
No dia 03/04/05, você talvez nem fosse mais você mesmo,
uma dúvida que permanece até o dia de hoje.
Em 04/05/06, a sua confiança dava sinais de recuperação,
e quem sabe uma pálida sombra daquela
sua personalidade anterior ao início dos tempos ivânicos
voltava a mostrar seus reflexos nas suas desfiguradas feições.
Em 2007, o dia 05/06 viu você passar e quis
(mas não conseguiu)
gritar-lhe:
"Ivan! Atenção: sua vida está passando
e este é o quinto Dia Ivânico do resto de todos os tempos!".
Já no ano passado, em 06/07/08,
você devia estar começando a compreender a importância
de tantos eventos significativos na sua vidinha:
a época pré-consciente dava sinais de seu fim.
Hoje, você gostaria de não ter viajado em tantas considerações
totalmente supérfluas,
queria ter feito um texto em prosa sobre tudo que acha importante,
as coisas, pessoas, ideias que ultimamente têm se revolvido
no terreno baldio do seu cérebro,
mas tudo acabou ficando por isso mesmo.
Preste atenção, Ivan:
só restam mais quatro dias ivânicos na história do universo,
e algum dia desses você vai se ver forçado a articular
tudo que poderia ter escrito nestes últimos seis anos...
Você queria chamar isso de Dia Ivânico.
O primeiro Dia Ivânico deste milênio foi 01/02/03.
No ano seguinte, foi obviamente o 02/03/04.
Nestes primeiros dias ivânicos,
você não tinha plena consciência da historicidade dessas datas,
pois você estava na pré-história da sua loucura.
No dia 03/04/05, você talvez nem fosse mais você mesmo,
uma dúvida que permanece até o dia de hoje.
Em 04/05/06, a sua confiança dava sinais de recuperação,
e quem sabe uma pálida sombra daquela
sua personalidade anterior ao início dos tempos ivânicos
voltava a mostrar seus reflexos nas suas desfiguradas feições.
Em 2007, o dia 05/06 viu você passar e quis
(mas não conseguiu)
gritar-lhe:
"Ivan! Atenção: sua vida está passando
e este é o quinto Dia Ivânico do resto de todos os tempos!".
Já no ano passado, em 06/07/08,
você devia estar começando a compreender a importância
de tantos eventos significativos na sua vidinha:
a época pré-consciente dava sinais de seu fim.
Hoje, você gostaria de não ter viajado em tantas considerações
totalmente supérfluas,
queria ter feito um texto em prosa sobre tudo que acha importante,
as coisas, pessoas, ideias que ultimamente têm se revolvido
no terreno baldio do seu cérebro,
mas tudo acabou ficando por isso mesmo.
Preste atenção, Ivan:
só restam mais quatro dias ivânicos na história do universo,
e algum dia desses você vai se ver forçado a articular
tudo que poderia ter escrito nestes últimos seis anos...
segunda-feira, julho 27, 2009
O poema a seguir tem uma historinha quase sem graça então eu não vou contar - só advirto os leitores que a linguagem é meio "perniciosa"...
et le poëte soûl engueulait l´univers.
Arthur Rimbaud
Meus cabelos desgrenhados estabelecem
Vínculos contrários à ousadia
Segredos empenhados em ti fenecem
Meus cabelos desgrenhados estabelecem
Imagem aérea do que não se conhece
Frascário ingênuo que se adia
Meus cabelos desgrenhados estabelecem
Vínculos contrários à ousadia
Sonambúlico, funambulesco,
Eu mesmo me desfiz de verdade.
Vida isca: eu, peixe, não te pesco,
Sonambúlico, funambulesco,
O que é ONU? Qual é a da Unesco?
Despertei no pesadelo da humanidade,
Sonambúlico, funambulesco,
Eu mesmo me desfiz de verdade.
Quando pascácios podem menos,
Aonde vingar, desgrenhado espantalho?
Os velhos engenhos destilam venenos
Quando pascácios podem menos
E só sobram úlceras aos duodenos
Nessa boceta de imprecação do caralho!
Quando pascácios podem menos,
Aonde vingar, desgrenhado espantalho?
Ricardo Pozzo
Ivan Justen Santana
Arthur Rimbaud
Meus cabelos desgrenhados estabelecem
Vínculos contrários à ousadia
Segredos empenhados em ti fenecem
Meus cabelos desgrenhados estabelecem
Imagem aérea do que não se conhece
Frascário ingênuo que se adia
Meus cabelos desgrenhados estabelecem
Vínculos contrários à ousadia
Sonambúlico, funambulesco,
Eu mesmo me desfiz de verdade.
Vida isca: eu, peixe, não te pesco,
Sonambúlico, funambulesco,
O que é ONU? Qual é a da Unesco?
Despertei no pesadelo da humanidade,
Sonambúlico, funambulesco,
Eu mesmo me desfiz de verdade.
Quando pascácios podem menos,
Aonde vingar, desgrenhado espantalho?
Os velhos engenhos destilam venenos
Quando pascácios podem menos
E só sobram úlceras aos duodenos
Nessa boceta de imprecação do caralho!
Quando pascácios podem menos,
Aonde vingar, desgrenhado espantalho?
Ricardo Pozzo
Ivan Justen Santana
sexta-feira, julho 17, 2009
POEMA
POEMA QUASE TOTALMENTE READYMADE EM DECALCOMENAGEM A TORQUATO (O NETO E O TASSO), TRANSLITERADO EM AFEIÇÃO CONCRETROPICURITIBANA, PSEUDOSSECRETAMENTE ALUSIVO AO SUCESSO DO CARTUNISTA SOLDA NOS SALÕES HUMORÍSTICOS DO PIAUÍ
T
TR
TRI
TRIS
TRIST
TRISTE
TRISTER
TRISTERE
TRISTERES
TRISTERESI
TRISTERESIN
TRISTERESINA
RISTERESINA
ISTERESINA
STERESINA
TERESINA
ERESINA
RESINA
ESINA
SINA
INA
NA
A
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TRIS
TRIST
TRISTE
TRISTER
TRISTERE
TRISTERES
TRISTERESI
TRISTERESIN
TRISTERESINA
RISTERESINA
ISTERESINA
STERESINA
TERESINA
ERESINA
RESINA
ESINA
SINA
INA
NA
A
terça-feira, julho 07, 2009
TERROR
Um fantasma percorre o universo.
Alguns espectros erram pela galáxia.
Vários ectoplasmas rondam este planeta.
Dezenas de almas trilham a cidade.
Legiões de sombras se arrastam pelo bairro.
Milhões de vultos assombram o edifício.
Infinitos espíritos pairam sobre o quarto.
Quantas aparições frequentam o teu cérebro?
Alguns espectros erram pela galáxia.
Vários ectoplasmas rondam este planeta.
Dezenas de almas trilham a cidade.
Legiões de sombras se arrastam pelo bairro.
Milhões de vultos assombram o edifício.
Infinitos espíritos pairam sobre o quarto.
Quantas aparições frequentam o teu cérebro?
segunda-feira, junho 29, 2009
Tradução-Homenagem a Vincent Price, Orson Welles e ...
Darkness falls across the land.
The midnight hour is close at hand.
Creatures crawl in search of blood
To terrorize y'all's neighborhood.
And whosoever shall be found
Without the soul for getting down
Must stand and face the hounds of hell
And rot inside a corpse's shell.
The foulest stench is in the air,
The funk of forty thousand years,
And grizzly ghouls from every tomb
Are closing in to seal your doom.
And though you fight to stay alive
Your body starts to shiver,
For no mere mortal can resist
The evil of the thriller!
As trevas caem por toda a parte.
Os ponteiros estão perto da meia-noite.
Criaturas rastejam em busca de sangue
Para aterrorizar toda a tua vizinhança.
E quem quer que ainda se ache em vida
Sem a alma necessária para a descida
Deve erguer-se diante dos cães do inferno
E apodrecer dentro dum invólucro eterno.
A forte fedentina vai se espalhando,
Um fedor acumulado em quarenta mil anos,
E de todas as criptas os espectros assassinos
Vêm se aproximando para selar o teu destino.
E apesar de ainda lutares por tua vida
Teu corpo trepida ao terror que o invade,
Pois nenhum mero mortal é capaz de resistir
À sinistra e funesta marca da maldade!
RAP:
Vincent Price
Ivan Justen Santana
The midnight hour is close at hand.
Creatures crawl in search of blood
To terrorize y'all's neighborhood.
And whosoever shall be found
Without the soul for getting down
Must stand and face the hounds of hell
And rot inside a corpse's shell.
The foulest stench is in the air,
The funk of forty thousand years,
And grizzly ghouls from every tomb
Are closing in to seal your doom.
And though you fight to stay alive
Your body starts to shiver,
For no mere mortal can resist
The evil of the thriller!
As trevas caem por toda a parte.
Os ponteiros estão perto da meia-noite.
Criaturas rastejam em busca de sangue
Para aterrorizar toda a tua vizinhança.
E quem quer que ainda se ache em vida
Sem a alma necessária para a descida
Deve erguer-se diante dos cães do inferno
E apodrecer dentro dum invólucro eterno.
A forte fedentina vai se espalhando,
Um fedor acumulado em quarenta mil anos,
E de todas as criptas os espectros assassinos
Vêm se aproximando para selar o teu destino.
E apesar de ainda lutares por tua vida
Teu corpo trepida ao terror que o invade,
Pois nenhum mero mortal é capaz de resistir
À sinistra e funesta marca da maldade!
RAP:
Vincent Price
Ivan Justen Santana
domingo, junho 14, 2009
Aperitivo pro Bloomsday
(postagem dedicada a Renato Quege, irrestrito leitor de James Joyce)
O poema que apresento aqui foi escrito por James Joyce aos 20 anos de idade, durante sua primeira estadia em Paris, em 1902.
Joyce enviou-o a seu mais prezado amigo de faculdade, John Francis Byrne, em foto-postal, com o título:
Second Part – Openning which tells of the journeyings of the Soul
Segunda Parte – Abertura que fala das jornadas da Alma
Posteriormente o poema foi incluído em Chamber Music (Música de Câmara, 1907), livro de estreia de Joyce, contendo 36 poemas, sendo este o trigésimo-quinto da coleção:
All day I hear the noise of waters
__Making moan,
Sad as the sea-bird is when going
__Forth alone
He hears the winds cry to the waters´
__Monotone.
O dia todo ouço o murmúrio de águas
__Em lamento,
Triste assim como é a gaivota solitária
__Contra o vento
Ouvindo o mar chorando o seu monótono
__Movimento.
The grey winds, the cold winds are blowing
__Where I go.
I hear the noise of many waters
__Far below.
All day, all night, I hear them flowing
__To and fro.
Os ventos frios e cinzentos vêm uivando sobre
__Mim também.
Eu ouço o murmúrio de muitas águas
__Baixo, além.
O dia todo, a noite toda, eu ouço seu eterno
__Vai-e-vem.
James Joyce
Ivan Justen
O poema que apresento aqui foi escrito por James Joyce aos 20 anos de idade, durante sua primeira estadia em Paris, em 1902.
Joyce enviou-o a seu mais prezado amigo de faculdade, John Francis Byrne, em foto-postal, com o título:
Second Part – Openning which tells of the journeyings of the Soul
Segunda Parte – Abertura que fala das jornadas da Alma
Posteriormente o poema foi incluído em Chamber Music (Música de Câmara, 1907), livro de estreia de Joyce, contendo 36 poemas, sendo este o trigésimo-quinto da coleção:
All day I hear the noise of waters
__Making moan,
Sad as the sea-bird is when going
__Forth alone
He hears the winds cry to the waters´
__Monotone.
O dia todo ouço o murmúrio de águas
__Em lamento,
Triste assim como é a gaivota solitária
__Contra o vento
Ouvindo o mar chorando o seu monótono
__Movimento.
The grey winds, the cold winds are blowing
__Where I go.
I hear the noise of many waters
__Far below.
All day, all night, I hear them flowing
__To and fro.
Os ventos frios e cinzentos vêm uivando sobre
__Mim também.
Eu ouço o murmúrio de muitas águas
__Baixo, além.
O dia todo, a noite toda, eu ouço seu eterno
__Vai-e-vem.
James Joyce
Ivan Justen
terça-feira, junho 09, 2009
ORQUESTRO A QUEDA DOS MAESTROS
(título com rima semirroubada de n.)
Tropecei em três alephs
que vinham rolando escada abaixo:
esquecera as instruções: usar o pé e o pé!
Ali onde o jardim bifurca não me encaixo –
chamei o velhinho gigantesco de Mumunes
e ele ficou fu-fu-furioso...
Perguntei às ficções e às famas: undr em Uqbar?
mas Averróis já havia desaparecido
e nem sinal de Menard que traduzisse...
Pra cortar a maré amarelinha de azar,
cantei: "Meu cronópio é vermelho".
Fugindo dos labirintos pela autopista do sul
talvez chegasse a tempo de flagrar
no espelho do espelho do outro espelho
o último sorriso do terceiro tigre azul...
Tropecei em três alephs
que vinham rolando escada abaixo:
esquecera as instruções: usar o pé e o pé!
Ali onde o jardim bifurca não me encaixo –
chamei o velhinho gigantesco de Mumunes
e ele ficou fu-fu-furioso...
Perguntei às ficções e às famas: undr em Uqbar?
mas Averróis já havia desaparecido
e nem sinal de Menard que traduzisse...
Pra cortar a maré amarelinha de azar,
cantei: "Meu cronópio é vermelho".
Fugindo dos labirintos pela autopista do sul
talvez chegasse a tempo de flagrar
no espelho do espelho do outro espelho
o último sorriso do terceiro tigre azul...
terça-feira, maio 26, 2009
Com vocês, Thomas Stearns Eliot (sim, eu também sempre quis saber o que o T. S. abreviava...)
(As traduções a seguir são um oferecimento de ossurtado.blogspot.com
ao poeta Augusto de Campos, com toda a joco-seriedade e irrestrito respeito.)
Lines for an Old Man
The tiger in the tiger-pit
Is not more irritable than I.
The whipping tail is not more still
Than when I smell the enemy
Writhing in the essential blood
Or dangling from the friendly tree.
When I lay bare the tooth of wit
The hissing over the archèd tongue
Is more affectionate than hate,
More bitter than the love of youth,
And inaccessible by the young.
Reflected from my golden eye
The dullard knows that he is mad.
Tell me if I am not glad!
VERSOS A UM HOMEM VELHO
O tigre na caverna do tigre
Não é mais irritável que eu.
A cauda de chicote é menos fixa
Que quando eu sinto o cheiro do inimigo
Retorcendo-se no sangue essencial
Ou pendurado na árvore amigável.
Se ponho à mostra o dente da argúcia
O assovio sobre a língua em arco
É mais afetuoso do que o ódio,
Mais amargo que um amor juvenil,
E inacessível a quem mal viveu.
Refletido em meu olhar dourado
O bobalhão sabe que enlouqueceu.
Diga pra mim se alegre não sou eu!
***
(segunda versão:)
VERSINHOS A UM VELHINHO AÍ
Um trigue muito susse, internado,
Não surta mais facinho do que eu.
A cauda do bichano não se estica
Mais que se eu farejo um mui amigo
Todo torto ali num básico sanguinho
Ou balangando numa árvore querida.
Se chego mais comeu dente esperto
O pissiu que sai do meio da linguinha
É mais fofo que o rancor de muito otário,
Mais amargo do que o teu primeiro amor,
E cê não saca se por essas não passou.
Bisolhando-se no espelho do meu zóio
O lóki nem pirou e já enlouqueceu.
Existe alguém mais comédia do que eu?
T.S.Eliot
I.J.Santana
ao poeta Augusto de Campos, com toda a joco-seriedade e irrestrito respeito.)
Lines for an Old Man
The tiger in the tiger-pit
Is not more irritable than I.
The whipping tail is not more still
Than when I smell the enemy
Writhing in the essential blood
Or dangling from the friendly tree.
When I lay bare the tooth of wit
The hissing over the archèd tongue
Is more affectionate than hate,
More bitter than the love of youth,
And inaccessible by the young.
Reflected from my golden eye
The dullard knows that he is mad.
Tell me if I am not glad!
VERSOS A UM HOMEM VELHO
O tigre na caverna do tigre
Não é mais irritável que eu.
A cauda de chicote é menos fixa
Que quando eu sinto o cheiro do inimigo
Retorcendo-se no sangue essencial
Ou pendurado na árvore amigável.
Se ponho à mostra o dente da argúcia
O assovio sobre a língua em arco
É mais afetuoso do que o ódio,
Mais amargo que um amor juvenil,
E inacessível a quem mal viveu.
Refletido em meu olhar dourado
O bobalhão sabe que enlouqueceu.
Diga pra mim se alegre não sou eu!
***
(segunda versão:)
VERSINHOS A UM VELHINHO AÍ
Um trigue muito susse, internado,
Não surta mais facinho do que eu.
A cauda do bichano não se estica
Mais que se eu farejo um mui amigo
Todo torto ali num básico sanguinho
Ou balangando numa árvore querida.
Se chego mais comeu dente esperto
O pissiu que sai do meio da linguinha
É mais fofo que o rancor de muito otário,
Mais amargo do que o teu primeiro amor,
E cê não saca se por essas não passou.
Bisolhando-se no espelho do meu zóio
O lóki nem pirou e já enlouqueceu.
Existe alguém mais comédia do que eu?
T.S.Eliot
I.J.Santana
terça-feira, maio 19, 2009
Uma postagem desabafo sobre tradução de poesia, com direito a um Dylan Thomas safra 1933...
Pois então - esses tempos eu comprei num sebo de alta periculosidade (é um perigo eu ser sugado a um lugar desses e não conseguir mais sair...) dois números da revista ET CETERA - literatura e arte - [ué? Literatura não é Arte?]) -
Tá vou tentar ser mais breve, mas tolerem os entretantos -
no número 5 (Maio/2005) havia (e continua lá) um artigo de Augusto de Campos sobre Dylan Thomas - seguido por três poemas traduzidos.
Certo, Augusto de Campos é um poeta fora de série, etc e tal e a coisa toda, mas eu tinha certeza de que havia algo ali que não estava totalmente escalafobético (na conotação de supimpa maravilhosíssimo e também ótimo máximo...) -
fui lendo e degustando os saberes e estilo irretocável do príncipe dos poetas concretistas quando de repente (não mais que de repente) ele desliza no tomate e enfia a fuça na maionese (eu tinha a certeza que isso ia acontecer:) - senão vejam:
"Os poemas de Dylan que acompanham este estudo foram mais de uma vez vertidos para o português, mas nunca sob o critério da tradução-arte, que impõe que se recrie, a par da tensão emocional, a estrutura formal: o ritmo, a concentração e os jogos sonoros, e quando isto é possível, também o esquema rímico original. Não é fácil." [grifo meu]
O negócio é que o excelso Augusto julga que só quando é ele quem se dispõe a traduzir aparece automaticamente seu exclusivo "critério da tradução-arte"...
É de causar muita indignação!
Pois o fato é que a obra poética de Dylan Thomas já foi competentíssima e integralmente traduzida (com toda a arte, em minha modesta opinião) por Ivan Junqueira (não é por ser meu xará que afirmo isso) - e o poema In my craft or sullen art também recebeu excelente tratamento ao português brasileiro pelo brilhante tradutor Ivo Barroso - as traduções que estes dois fizeram deste poema podem ser conferidas aqui - e a tradução que Augusto apresentou poderia ser colocada no máximo em terceiro lugar entre as três...
Dos três poemas traduzidos que Augusto apresenta neste artigo na ET CETERA, um merece ser saudado como boa tradução (AND DEATH SHALL HAVE NO DOMINION - E A MORTE NÃO TERÁ DOMÍNIO) - o que significa um aproveitamento tradutório de 33,33%, que corresponde, na minha opinião, à média de aproveitamento geral da obra de Augusto de Campos, entre ensaios, traduções, poemas concretos e etc (tá, essa foi um pouco forte, mas acho que ele mereceu...)...
Por fim, visto que considerei fraquíssima a tradução de Augusto para THE FORCE THAT THROUGH THE GREEN FUSE DRIVES THE FLOWER (A FORÇA QUE O PAVIO VERDE CONDUZ À FLOR - só pelo título já dá pra ver que ele perdeu mesmo a mão no ritmo e na escolha de vocabulário, sem falar no detalhe mínimo para uma tradução: o significado, putzgrila!), apresento aqui uma tradução que, sem se arrogar ao critério de tradução-arte e patati-patatá, procura acertar na veia do poema.
THE FORCE THAT THROUGH THE GREEN FUSE DRIVES THE FLOWER
A FORÇA QUE ATRAVÉS DO FUSO VERDE PROPULSIONA A FLOR
The force that through the green fuse drives the flower
Drives my green age; that blasts the roots of trees
Is my destroyer.
And I am dumb to tell the crooked rose
My youth is bent by the same wintry fever.
A força que através do fuso verde propulsiona a flor
Propulsiona minha idade verde; que detona as raízes de árvores
É minha destruidora.
E eu fico mudo pra falar à rosa retorcida
Que minha juventude dobra-se à mesma febre de inverno.
The force that drives the water through the rocks
Drives my red blood; that dries the mouthing streams
Turns mine to wax.
And I am dumb to mouth unto my veins
How at the mountain spring the same mouth sucks.
A força que impulsiona a água através das pedras
Impulsiona meu sangue vermelho; que seca os jorros berrantes
Transforma o meu em cera.
E eu fico mudo pra berrar minhas veias adentro
Como à fonte da montanha a mesma boca suga.
The hand that whirls the water in the pool
Stirs the quicksand; that ropes the blowing wind
Hauls my shroud sail.
And I am dumb to tell the hanging man
How of my clay is made the hangman's lime.
A mão que redemoinha a água numa poça
Agita a areia movediça; que amarra o vento uivante
Arrasta minha vela-mortalha.
E eu fico mudo pra falar ao enforcado
Como de minha argila é feita do carrasco a cal.
The lips of time leech to the fountain head;
Love drips and gathers, but the fallen blood
Shall calm her sores.
And I am dumb to tell a weather's wind
How time has ticked a heaven round the stars.
Os lábios do tempo sanguessugam a cabeça-fonte;
O amor escorre e se acumula, mas o sangue derramado
Abrandará as feridas dela.
E eu fico mudo pra falar a um vento intempestivo
Como o tempo marca um firmamento em volta das estrelas.
And I am dumb to tell the lover's tomb
How at my sheet goes the same crooked worm.
E eu fico mudo pra falar à sepultura da amante
Como em meus lençóis se arrasta o mesmo verme retorcido.
Dylan Thomas (1933)
Ivan Justen Santana (2009)
Tá vou tentar ser mais breve, mas tolerem os entretantos -
no número 5 (Maio/2005) havia (e continua lá) um artigo de Augusto de Campos sobre Dylan Thomas - seguido por três poemas traduzidos.
Certo, Augusto de Campos é um poeta fora de série, etc e tal e a coisa toda, mas eu tinha certeza de que havia algo ali que não estava totalmente escalafobético (na conotação de supimpa maravilhosíssimo e também ótimo máximo...) -
fui lendo e degustando os saberes e estilo irretocável do príncipe dos poetas concretistas quando de repente (não mais que de repente) ele desliza no tomate e enfia a fuça na maionese (eu tinha a certeza que isso ia acontecer:) - senão vejam:
"Os poemas de Dylan que acompanham este estudo foram mais de uma vez vertidos para o português, mas nunca sob o critério da tradução-arte, que impõe que se recrie, a par da tensão emocional, a estrutura formal: o ritmo, a concentração e os jogos sonoros, e quando isto é possível, também o esquema rímico original. Não é fácil." [grifo meu]
O negócio é que o excelso Augusto julga que só quando é ele quem se dispõe a traduzir aparece automaticamente seu exclusivo "critério da tradução-arte"...
É de causar muita indignação!
Pois o fato é que a obra poética de Dylan Thomas já foi competentíssima e integralmente traduzida (com toda a arte, em minha modesta opinião) por Ivan Junqueira (não é por ser meu xará que afirmo isso) - e o poema In my craft or sullen art também recebeu excelente tratamento ao português brasileiro pelo brilhante tradutor Ivo Barroso - as traduções que estes dois fizeram deste poema podem ser conferidas aqui - e a tradução que Augusto apresentou poderia ser colocada no máximo em terceiro lugar entre as três...
Dos três poemas traduzidos que Augusto apresenta neste artigo na ET CETERA, um merece ser saudado como boa tradução (AND DEATH SHALL HAVE NO DOMINION - E A MORTE NÃO TERÁ DOMÍNIO) - o que significa um aproveitamento tradutório de 33,33%, que corresponde, na minha opinião, à média de aproveitamento geral da obra de Augusto de Campos, entre ensaios, traduções, poemas concretos e etc (tá, essa foi um pouco forte, mas acho que ele mereceu...)...
Por fim, visto que considerei fraquíssima a tradução de Augusto para THE FORCE THAT THROUGH THE GREEN FUSE DRIVES THE FLOWER (A FORÇA QUE O PAVIO VERDE CONDUZ À FLOR - só pelo título já dá pra ver que ele perdeu mesmo a mão no ritmo e na escolha de vocabulário, sem falar no detalhe mínimo para uma tradução: o significado, putzgrila!), apresento aqui uma tradução que, sem se arrogar ao critério de tradução-arte e patati-patatá, procura acertar na veia do poema.
THE FORCE THAT THROUGH THE GREEN FUSE DRIVES THE FLOWER
A FORÇA QUE ATRAVÉS DO FUSO VERDE PROPULSIONA A FLOR
The force that through the green fuse drives the flower
Drives my green age; that blasts the roots of trees
Is my destroyer.
And I am dumb to tell the crooked rose
My youth is bent by the same wintry fever.
A força que através do fuso verde propulsiona a flor
Propulsiona minha idade verde; que detona as raízes de árvores
É minha destruidora.
E eu fico mudo pra falar à rosa retorcida
Que minha juventude dobra-se à mesma febre de inverno.
The force that drives the water through the rocks
Drives my red blood; that dries the mouthing streams
Turns mine to wax.
And I am dumb to mouth unto my veins
How at the mountain spring the same mouth sucks.
A força que impulsiona a água através das pedras
Impulsiona meu sangue vermelho; que seca os jorros berrantes
Transforma o meu em cera.
E eu fico mudo pra berrar minhas veias adentro
Como à fonte da montanha a mesma boca suga.
The hand that whirls the water in the pool
Stirs the quicksand; that ropes the blowing wind
Hauls my shroud sail.
And I am dumb to tell the hanging man
How of my clay is made the hangman's lime.
A mão que redemoinha a água numa poça
Agita a areia movediça; que amarra o vento uivante
Arrasta minha vela-mortalha.
E eu fico mudo pra falar ao enforcado
Como de minha argila é feita do carrasco a cal.
The lips of time leech to the fountain head;
Love drips and gathers, but the fallen blood
Shall calm her sores.
And I am dumb to tell a weather's wind
How time has ticked a heaven round the stars.
Os lábios do tempo sanguessugam a cabeça-fonte;
O amor escorre e se acumula, mas o sangue derramado
Abrandará as feridas dela.
E eu fico mudo pra falar a um vento intempestivo
Como o tempo marca um firmamento em volta das estrelas.
And I am dumb to tell the lover's tomb
How at my sheet goes the same crooked worm.
E eu fico mudo pra falar à sepultura da amante
Como em meus lençóis se arrasta o mesmo verme retorcido.
Dylan Thomas (1933)
Ivan Justen Santana (2009)
sexta-feira, maio 15, 2009
POEMA IMEDIATO IMPROVISADO PARA GIANNA ROLAND, DE SEU AMADO IVAN
Um verso sem qualquer verbo
na redondilha perdido,
voz vazia no deserto,
num ritmo já por aqui do
bate-estaca regular
calculado pra embalar
corações número par;
pé direito em teto torto
feito a um calcanhar canhoto;
luva que perdeu a mão;
cais que aqui ficou sem porto;
não, não é aquela canção
da Adriana Calcanhoto:
são riscos pra descrever
eu e você, um sem o outro.
na redondilha perdido,
voz vazia no deserto,
num ritmo já por aqui do
bate-estaca regular
calculado pra embalar
corações número par;
pé direito em teto torto
feito a um calcanhar canhoto;
luva que perdeu a mão;
cais que aqui ficou sem porto;
não, não é aquela canção
da Adriana Calcanhoto:
são riscos pra descrever
eu e você, um sem o outro.
quarta-feira, maio 13, 2009
Sintonizando novamente a blogosfera
Topei com uma breve postagem-poema muito bacana de meu caro amigo Mario Negrello, cientista da inteligência humana. Resolvi prontamente fazer a tradução, e antecipo que um comentarista da referida postagem descreveu-a como "uma obra de Escher em palavras".
Senão vejamos...
The unfathomable of the wise
The unfathomable to the wise
Is the obvious to the dimwit
And vice-versa.
Who is who?
O insondável do sábio
O insondável ao sábio
É o óbvio ao estúpido
E vice-versa.
Qual é qual?
Texto original: Mário Negrello
Versão brasileira: Ivan Justen Santana
Senão vejamos...
The unfathomable of the wise
The unfathomable to the wise
Is the obvious to the dimwit
And vice-versa.
Who is who?
O insondável do sábio
O insondável ao sábio
É o óbvio ao estúpido
E vice-versa.
Qual é qual?
Texto original: Mário Negrello
Versão brasileira: Ivan Justen Santana
sexta-feira, maio 08, 2009
O POETAÇO E O POETENTO
O poetaço e o poetento
trombaram (que susto!) um com o outro –
o verbo veio violento
à boca do que era o mais douto:
“Eu faço, eu verso, eu aconteço
e esse universo vai ver só:
reconheces que não tem preço
o meu cantar de tom tão só?”
O mais humilde, nojentinho,
viu fim no meio do caminho
e disse ao vizinho, mesquinho:
“Não, não beberei deste vinho
passado que você fermenta.”
– enquanto a tardinha, agourenta,
morria sem um som plangente,
antipaticissimamente.
trombaram (que susto!) um com o outro –
o verbo veio violento
à boca do que era o mais douto:
“Eu faço, eu verso, eu aconteço
e esse universo vai ver só:
reconheces que não tem preço
o meu cantar de tom tão só?”
O mais humilde, nojentinho,
viu fim no meio do caminho
e disse ao vizinho, mesquinho:
“Não, não beberei deste vinho
passado que você fermenta.”
– enquanto a tardinha, agourenta,
morria sem um som plangente,
antipaticissimamente.
sexta-feira, maio 01, 2009
OVILEJOS EM FARRAPOS
Com coragem neste drama, ama.
Intimando a nota prima, rima.
Na vertigem do dilema, lema.
Sem vacilo em hora extrema
Trame um tema que resuma
Toda a terra ou lua alguma
E ame a rima como lema.
Chova uns pingos mas não trema.
Se o seu verso é pouco esperto perto
E as palavras não são cruas ruas
Nem apagam as velinhas linhas
Manje as canjas das galinhas
Demonstrando o ritmo certo
De belezas quase nuas,
Quase suas, quase minhas.
Nunca estanque um corte aberto:
Resta o grito no deserto.
Intimando a nota prima, rima.
Na vertigem do dilema, lema.
Sem vacilo em hora extrema
Trame um tema que resuma
Toda a terra ou lua alguma
E ame a rima como lema.
Chova uns pingos mas não trema.
Se o seu verso é pouco esperto perto
E as palavras não são cruas ruas
Nem apagam as velinhas linhas
Manje as canjas das galinhas
Demonstrando o ritmo certo
De belezas quase nuas,
Quase suas, quase minhas.
Nunca estanque um corte aberto:
Resta o grito no deserto.
terça-feira, abril 28, 2009
Sintonizando a blogosfera
Meu mais que prezado amigo Lepre
inaugurou um blog -
já faz um tempinho, e muita gente já sabe,
mas eu me importo bem menos com novidades
do que com poesia...
Mudando de enfant pra terrible,
vou prestar agora
uma homenagem ao cartunista-poeta
mais bem-humorado de Curitiba...
Quem duvida que estou me referindo ao Solda?
Ele que me desculpe por estas
VARIAÇÕES PARA VERSOS DO SOLDA
um poeta sentado
é um poeta em pé de guerra
um poeta rezando
é um poeta em fé que berra
um poeta lutando
é um poeta em paz na terra
um poeta que morre
é um poeta enfim não erra
inaugurou um blog -
já faz um tempinho, e muita gente já sabe,
mas eu me importo bem menos com novidades
do que com poesia...
Mudando de enfant pra terrible,
vou prestar agora
uma homenagem ao cartunista-poeta
mais bem-humorado de Curitiba...
Quem duvida que estou me referindo ao Solda?
Ele que me desculpe por estas
VARIAÇÕES PARA VERSOS DO SOLDA
um poeta sentado
é um poeta em pé de guerra
um poeta rezando
é um poeta em fé que berra
um poeta lutando
é um poeta em paz na terra
um poeta que morre
é um poeta enfim não erra
terça-feira, abril 21, 2009
Para quem ainda acha que letra de música não é poesia...
A ROSE FOR EMILY
UMA ROSA PARA EMÍLIA
Though summer is here at last
The sky is overcast
And no one brings a rose for Emily
O verão finalmente veio
Mas nuvens deixam o céu cheio
E ninguém traz uma rosa para Emília
She watches her flowers grow
While lovers come and go
To give each other roses from her tree
But not a rose for Emily...
Ela vê suas flores se abrindo
E os casais passam indo e vindo
Distribuindo-se rosas de sua roseira
Porém nenhuma rosa para Emília...
Emily, can't you see
There's nothing you can do?
There's loving everywhere
But none for you...
Emília, você não vê?
Não há mesmo nada a fazer
Existe amor por toda parte
Porém nenhum para você...
Her roses are fading now
She keeps her pride somehow
That's all she has protecting her from pain
Suas rosas fenecem agora
Ela mantém o orgulho de alguma forma
É só o que sobrou para protegê-la da dor
And as the years go by
She will grow old and die
The roses in her garden fade away
Not one left for her grave
Not a rose for Emily...
E à medida que o tempo escorrer
Ela vai envelhecer e morrer
As rosas do jardim desaparecerão
Nenhuma restará para seu caixão
Nenhuma rosa para Emília...
The Zombies (Rod Argent)
Ivan Justen Santana
Para ouvir a maravilhosa canção dos Zombies clique aqui.
UMA ROSA PARA EMÍLIA
Though summer is here at last
The sky is overcast
And no one brings a rose for Emily
O verão finalmente veio
Mas nuvens deixam o céu cheio
E ninguém traz uma rosa para Emília
She watches her flowers grow
While lovers come and go
To give each other roses from her tree
But not a rose for Emily...
Ela vê suas flores se abrindo
E os casais passam indo e vindo
Distribuindo-se rosas de sua roseira
Porém nenhuma rosa para Emília...
Emily, can't you see
There's nothing you can do?
There's loving everywhere
But none for you...
Emília, você não vê?
Não há mesmo nada a fazer
Existe amor por toda parte
Porém nenhum para você...
Her roses are fading now
She keeps her pride somehow
That's all she has protecting her from pain
Suas rosas fenecem agora
Ela mantém o orgulho de alguma forma
É só o que sobrou para protegê-la da dor
And as the years go by
She will grow old and die
The roses in her garden fade away
Not one left for her grave
Not a rose for Emily...
E à medida que o tempo escorrer
Ela vai envelhecer e morrer
As rosas do jardim desaparecerão
Nenhuma restará para seu caixão
Nenhuma rosa para Emília...
The Zombies (Rod Argent)
Ivan Justen Santana
Para ouvir a maravilhosa canção dos Zombies clique aqui.
terça-feira, abril 14, 2009
Eloquência com azeite de oliva
À ré poesia a verdade é a sentença,
desde que a nós, cegos poetas, coube
consagrar com oniscipotenpresença
até o mais modesto, humilde e simples pé de couve –
portanto: que o único calo que me cale,
que a única bela que não me abale
e que o único amor que me amordace
eu colha nas fímbrias das fibras duma folha de alface.
desde que a nós, cegos poetas, coube
consagrar com oniscipotenpresença
até o mais modesto, humilde e simples pé de couve –
portanto: que o único calo que me cale,
que a única bela que não me abale
e que o único amor que me amordace
eu colha nas fímbrias das fibras duma folha de alface.
segunda-feira, abril 13, 2009
sábado, abril 04, 2009
PARÁFRASE VITAL EM BILABIAIS ELÍPTICAS
Superar seres, sis e circes
no acesso sensível ao si das sílabas
– sobrar só com os lábios –
triunfar dos perigos das perífrases
– cilas e caríbdis perdido(a)s por
períneos ígneos – furar as fúrias
– pérfidas erínias – simplégades
fenecendo ao final flechado
dos fragmentos de fragrâncias fatais –
sintetizar as sintonias
sem assíndetos ou polissíndetos –
sem venci nem vi tampouco vim –
e desferir enfim um simplíssimo
sim
no acesso sensível ao si das sílabas
– sobrar só com os lábios –
triunfar dos perigos das perífrases
– cilas e caríbdis perdido(a)s por
períneos ígneos – furar as fúrias
– pérfidas erínias – simplégades
fenecendo ao final flechado
dos fragmentos de fragrâncias fatais –
sintetizar as sintonias
sem assíndetos ou polissíndetos –
sem venci nem vi tampouco vim –
e desferir enfim um simplíssimo
sim
domingo, março 22, 2009
Poema a um aniversário
Post digitatum: destaque positivo que já deveria ter sido feito - a tradução deste poema em sete partes deve muito às sugestões e observações feitas por Isa Fonseca, que merece parte do crédito por tudo que você, leitor(a), gostar nestes textos, pois a Isa foi uma leitora atenta das partes 1 a 5, e quem sabe ainda possa fazer mais observações sobre estas e as cabulosas partes 6 e 7...
Destaque negativo de que tomei conhecimento hoje: no dia 16 de março deste ano, Nicholas Hughes, filho de Sylvia e Ted, suicidou-se.
Poema a um aniversário
1. Quem
O mês de floração acabou. O fruto está guardado,
Comido ou pútrido. Sou inteira uma garganta.
Outubro é o mês de armazenagem.
O galpão é bolorento feito estômago de múmia:
Ferramentas velhas, manivelas e ganchos enferrujados.
Estou em casa aqui entre as cabeças mortas.
Deixe eu me sentar num vaso de flores,
As aranhas não vão perceber.
Meu coração é um gerânio interrompido.
Se apenas o vento largasse meus pulmões em paz.
Recruta fuça as pétalas. Elas desabrocham de ponta-cabeça.
Elas chocalham como arbustos de hortênsias.
Cabeças farelentas me consolam,
Pregadas nas vigas ontem:
Internas que não hibernam.
Repolhos: roxos carunchosos, esmerilhados,
Um adubo de orelhas híbridas, peles puídas de traça,
Mas os corações verdes, as veias brancas qual banha de porco.
Ah, a beleza da aplicabilidade!
As abóboras alaranjadas não têm olhos.
Estas salas estão cheias de mulheres que pensam ser pássaros.
Esta é uma escola estúpida.
Eu sou uma raiz, uma rocha, uma pelota de coruja,
Sem sonhos de qualquer espécie.
Mãe, você é a única boca
À qual eu seria uma língua. Mãe da alteridade
Devore-me. Basbaque de lixo, sombra de vãos de portas.
Eu disse: preciso recordar isso, de estar pequena.
Havia flores tão colossais,
Bocas roxas e vermelhas, totalmente adoráveis.
Os arcos das hastes de amora me fizeram chorar.
Agora eles me acendem como uma lâmpada elétrica.
Por semanas eu não consigo lembrar coisa alguma.
2. Casa Escura
Esta é uma casa escura, muito grande.
Eu mesma a fiz,
Cela por cela, de uma esquina discreta,
Mascando o papel cinzento,
Pingando a cola,
Assobiando, mexendo as orelhas,
Distraída em pensamentos.
Ela tem tantos porões,
Tantas reentrâncias traiçoeiras!
Eu sou redonda como uma coruja,
Eu vejo com minha própria luz.
Qualquer dia eu boto uns cãezinhos no lixo
Ou adoto um cavalo. Minha barriga se agita.
Preciso fazer mais mapas.
E estes túneis medulares!
Mãos verruguentas, devoro meu caminho.
O Garganta consome os arbustos
E as paneladas de carne.
Ele mora num velho poço,
Um buraco pedregoso. Ele é o culpado.
Ele é um tipo gorducho.
Cheiros de seixo, aposentos estilo nabo.
Narininhas respirando.
Pequenos amores humildes!
Insignificâncias, cartilagens de narizes,
É morno e tolerável
Na víscera da raiz.
Eis a mãe aconchegante.
3. Mênade
Uma vez eu era comum:
Sentava ao pé de feijão de meu pai
Comendo os dedos da sabedoria.
As aves davam leite.
Quando trovoou me escondi sob uma pedra chata.
A mãe das gargantas não me amava.
O velho encolheu a um boneco.
Ah, eu sou grande demais pra retornar:
Leite de ave é plumagem,
As folhas de feijão são mudas feito mãos.
Este mês serve pra pouca coisa.
Os mortos amadurecem nos vinhedos.
Uma língua vermelha está entre nós.
Mãe, fique longe do meu curral,
Eu estou me tornando outra.
Cabeça-de-cão, devoradora:
Me alimente com as bagas da escuridão.
As pálpebras não fecham. O tempo
Desenrola do grande umbigo do sol
O seu brilho sem fim.
Eu tenho que engolir tudo isso.
Dama, quem são estes outros no tonel da lua –
Dormindo de porre, braços e pernas em discordância?
Sob esta luz o sangue é negro.
Diga-me o meu nome.
4. A Besta-Fera
Ele era homem-touro antes,
Rei da bandeja, meu bicho da sorte.
Respirar era fácil no seu abraço aéreo.
O sol pousava no seu sovaco.
Nada mofava. Os pequenos invisíveis
Desdobravam-se para servi-lo.
As irmãs azuis me mandaram a outra escola.
Macaco vivia embaixo do chapéu de burro.
Ele sempre me atirava beijos.
Eu mal o conhecia.
Livrar-se dele – quem há de?
Patas-choramingas, gementes e doridas,
Alminha de Mascote, entranhas são estranhas.
Uma lata de lixo já lhe é suficiente.
A escuridão é o seu osso.
Chame-o por qualquer nome, ele vai atender.
Lodo-fossa, alegre face de pocilga.
Eu casei com um armário de entulhos.
Eu me deito numa poça de peixe.
Aqui embaixo o céu sempre está caindo.
Lama de chiqueiro na janela.
Os insetos estelares não me pouparão este mês.
Eu cuido de um lar no reto do Tempo
Entre formigas e moluscos,
Duquesa do Vazio,
Noiva do Peludentuço.
5. Notas de Flauta numa Lagoa Juncosa
Agora desce, peneirando-se em camadas, o frio
Ao nosso refúgio à raiz do lírio.
Sobre a cabeça os velhos guarda-sóis do estio
Murcham feito mãos sem tutano. Há pouco abrigo.
De hora em hora o olho do céu alarga seu vago
Domínio. Estrelas estão fixas.
A boca-de-sapo e a boca-de-peixe já tragam
O licor da indolência, e tudo naufraga
Numa suave coifa protetora de esquecimento.
As cores fugitivas morrem.
Larvas de mosca d´água dormitam em cápsulas de seda,
As ninfas de cabeças-lâmpadas acenam ao sono, pétreas.
Marionetes, libertas das cordas do manipulador,
Usam chifres-máscaras na cama.
Isso não é a morte, é uma coisa mais segura.
Os mitos alados nunca mais vão nos comover:
Estão mudas as exúvias que cantaram de cima das águas
O gólgota na ponta de um junco,
E como um deus frágil feito o dedo de um infante
Sairá da própria casca e navegará pelos ares.
6. Bruxa em Chamas
Na praça do mercado estão empilhando os galhos secos.
Um mato trançado de sombras é uma pobre manta. Habito
Uma imagem de cera de mim mesma, corpo de boneca.
A doença começa aqui: sou o alvo de dardos para bruxas.
Somente o diabo pode passar um sabão no diabo.
No mês das folhas secas eu subo numa cama de fogo.
É fácil culpar a treva: a boca de uma porta,
O ventre do celeiro. Apagaram minha chispa.
A dama de élitros pretos me guarda em gaiola de papagaio.
Que olhos grandes os mortos têm!
Estou íntima com um espírito peludo.
Fumaça rodopia do bico deste jarro vazio.
Se eu sou assim, pequena, mal eu não posso fazer.
Se sequer me movimento, nada posso derrubar. Assim falei,
Sentada sob a tampa da panela, inerte grãozinho de arroz.
Estão acendendo os bocais do fogão, anel por anel.
Somos cheios de amido, meus branquinhos camaradas.
Crescemos. Dói no início. Línguas rubras dirão a lição.
Mãe dos besouros, só peço que abras o punho:
Voarei pela boca das velas qual mariposa não-tostada.
Devolve minha forma. Estou pronta para interpretar os dias
Em que fiz par com a poeira à sombra de uma pedra.
Meus tornozelos brilham. O brilho ascende às minhas coxas.
Eu estou perdida, perdida, nos meandros de toda esta luz.
7. As Pedras
Esta é a cidade onde se remendam os homens.
Eu deito sobre uma grande bigorna.
A achatada abóbada azul
Voou feito o chapéu duma boneca
Quando eu caí fora da luz. Ingressei
No estômago da indiferença, armário sem fala.
A mãe dos pilões me reduziu.
Tornei-me um grânulo tranquilo.
As pedras da barriga eram pacíficas,
A pedra-chefe quieta, nada a chacoalhava.
Somente a boca-buraco flauteava,
Grilo impertinente
Numa pedreira de silêncios.
O povo da cidade ouviu.
Caçaram as pedras, taciturnas e apartadas,
A boca-barriga gritando aonde estavam.
Ébria como um feto
Eu sugo as papinhas da escuridão.
Tubos de alimento me envolvem. Esponjas lambem-me os liquens.
O mestre-joalheiro impele seu cinzel para
Extrair um olho da pedra.
Este é o pós-inferno: eu vejo a luz.
Um vento destampa a câmara
Do ouvido, velho preocupador.
A água amolece o lábio da pederneira,
E a luz do dia dispõe sua mesmice na parede.
Os enxertadores são alegres,
Esquentando as torqueses, içando os delicados martelos.
Uma corrente agita os fios
Volt sobre volt. Categute sutura minhas fissuras.
Um operário passa carregando um torso cor-de-rosa.
Os almoxarifados estão cheios de corações.
Esta é a cidade das peças sobressalentes.
Meus membros enfaixados tem cheiro doce feito borracha.
Aqui operam cabeças, ou quaisquer pedaços.
Às sextas-feiras as criancinhas vêm
Para trocar os ganchos por mãos.
Mortos deixam os olhos para os outros.
Amor é o uniforme da minha enfermeira careca.
Amor é tendão e osso da minha praga.
O vaso, reconstruído, abriga
A rosa elusiva.
Dez dedos moldam um bojo às sombras.
Meus remendos coçam. Não há nada a fazer.
Ficarei nova em folha outra vez.
Sylvia Plathversão brasileira:
Ivan Justen Santana
Destaque negativo de que tomei conhecimento hoje: no dia 16 de março deste ano, Nicholas Hughes, filho de Sylvia e Ted, suicidou-se.
Poema a um aniversário
1. Quem
O mês de floração acabou. O fruto está guardado,
Comido ou pútrido. Sou inteira uma garganta.
Outubro é o mês de armazenagem.
O galpão é bolorento feito estômago de múmia:
Ferramentas velhas, manivelas e ganchos enferrujados.
Estou em casa aqui entre as cabeças mortas.
Deixe eu me sentar num vaso de flores,
As aranhas não vão perceber.
Meu coração é um gerânio interrompido.
Se apenas o vento largasse meus pulmões em paz.
Recruta fuça as pétalas. Elas desabrocham de ponta-cabeça.
Elas chocalham como arbustos de hortênsias.
Cabeças farelentas me consolam,
Pregadas nas vigas ontem:
Internas que não hibernam.
Repolhos: roxos carunchosos, esmerilhados,
Um adubo de orelhas híbridas, peles puídas de traça,
Mas os corações verdes, as veias brancas qual banha de porco.
Ah, a beleza da aplicabilidade!
As abóboras alaranjadas não têm olhos.
Estas salas estão cheias de mulheres que pensam ser pássaros.
Esta é uma escola estúpida.
Eu sou uma raiz, uma rocha, uma pelota de coruja,
Sem sonhos de qualquer espécie.
Mãe, você é a única boca
À qual eu seria uma língua. Mãe da alteridade
Devore-me. Basbaque de lixo, sombra de vãos de portas.
Eu disse: preciso recordar isso, de estar pequena.
Havia flores tão colossais,
Bocas roxas e vermelhas, totalmente adoráveis.
Os arcos das hastes de amora me fizeram chorar.
Agora eles me acendem como uma lâmpada elétrica.
Por semanas eu não consigo lembrar coisa alguma.
2. Casa Escura
Esta é uma casa escura, muito grande.
Eu mesma a fiz,
Cela por cela, de uma esquina discreta,
Mascando o papel cinzento,
Pingando a cola,
Assobiando, mexendo as orelhas,
Distraída em pensamentos.
Ela tem tantos porões,
Tantas reentrâncias traiçoeiras!
Eu sou redonda como uma coruja,
Eu vejo com minha própria luz.
Qualquer dia eu boto uns cãezinhos no lixo
Ou adoto um cavalo. Minha barriga se agita.
Preciso fazer mais mapas.
E estes túneis medulares!
Mãos verruguentas, devoro meu caminho.
O Garganta consome os arbustos
E as paneladas de carne.
Ele mora num velho poço,
Um buraco pedregoso. Ele é o culpado.
Ele é um tipo gorducho.
Cheiros de seixo, aposentos estilo nabo.
Narininhas respirando.
Pequenos amores humildes!
Insignificâncias, cartilagens de narizes,
É morno e tolerável
Na víscera da raiz.
Eis a mãe aconchegante.
3. Mênade
Uma vez eu era comum:
Sentava ao pé de feijão de meu pai
Comendo os dedos da sabedoria.
As aves davam leite.
Quando trovoou me escondi sob uma pedra chata.
A mãe das gargantas não me amava.
O velho encolheu a um boneco.
Ah, eu sou grande demais pra retornar:
Leite de ave é plumagem,
As folhas de feijão são mudas feito mãos.
Este mês serve pra pouca coisa.
Os mortos amadurecem nos vinhedos.
Uma língua vermelha está entre nós.
Mãe, fique longe do meu curral,
Eu estou me tornando outra.
Cabeça-de-cão, devoradora:
Me alimente com as bagas da escuridão.
As pálpebras não fecham. O tempo
Desenrola do grande umbigo do sol
O seu brilho sem fim.
Eu tenho que engolir tudo isso.
Dama, quem são estes outros no tonel da lua –
Dormindo de porre, braços e pernas em discordância?
Sob esta luz o sangue é negro.
Diga-me o meu nome.
4. A Besta-Fera
Ele era homem-touro antes,
Rei da bandeja, meu bicho da sorte.
Respirar era fácil no seu abraço aéreo.
O sol pousava no seu sovaco.
Nada mofava. Os pequenos invisíveis
Desdobravam-se para servi-lo.
As irmãs azuis me mandaram a outra escola.
Macaco vivia embaixo do chapéu de burro.
Ele sempre me atirava beijos.
Eu mal o conhecia.
Livrar-se dele – quem há de?
Patas-choramingas, gementes e doridas,
Alminha de Mascote, entranhas são estranhas.
Uma lata de lixo já lhe é suficiente.
A escuridão é o seu osso.
Chame-o por qualquer nome, ele vai atender.
Lodo-fossa, alegre face de pocilga.
Eu casei com um armário de entulhos.
Eu me deito numa poça de peixe.
Aqui embaixo o céu sempre está caindo.
Lama de chiqueiro na janela.
Os insetos estelares não me pouparão este mês.
Eu cuido de um lar no reto do Tempo
Entre formigas e moluscos,
Duquesa do Vazio,
Noiva do Peludentuço.
5. Notas de Flauta numa Lagoa Juncosa
Agora desce, peneirando-se em camadas, o frio
Ao nosso refúgio à raiz do lírio.
Sobre a cabeça os velhos guarda-sóis do estio
Murcham feito mãos sem tutano. Há pouco abrigo.
De hora em hora o olho do céu alarga seu vago
Domínio. Estrelas estão fixas.
A boca-de-sapo e a boca-de-peixe já tragam
O licor da indolência, e tudo naufraga
Numa suave coifa protetora de esquecimento.
As cores fugitivas morrem.
Larvas de mosca d´água dormitam em cápsulas de seda,
As ninfas de cabeças-lâmpadas acenam ao sono, pétreas.
Marionetes, libertas das cordas do manipulador,
Usam chifres-máscaras na cama.
Isso não é a morte, é uma coisa mais segura.
Os mitos alados nunca mais vão nos comover:
Estão mudas as exúvias que cantaram de cima das águas
O gólgota na ponta de um junco,
E como um deus frágil feito o dedo de um infante
Sairá da própria casca e navegará pelos ares.
6. Bruxa em Chamas
Na praça do mercado estão empilhando os galhos secos.
Um mato trançado de sombras é uma pobre manta. Habito
Uma imagem de cera de mim mesma, corpo de boneca.
A doença começa aqui: sou o alvo de dardos para bruxas.
Somente o diabo pode passar um sabão no diabo.
No mês das folhas secas eu subo numa cama de fogo.
É fácil culpar a treva: a boca de uma porta,
O ventre do celeiro. Apagaram minha chispa.
A dama de élitros pretos me guarda em gaiola de papagaio.
Que olhos grandes os mortos têm!
Estou íntima com um espírito peludo.
Fumaça rodopia do bico deste jarro vazio.
Se eu sou assim, pequena, mal eu não posso fazer.
Se sequer me movimento, nada posso derrubar. Assim falei,
Sentada sob a tampa da panela, inerte grãozinho de arroz.
Estão acendendo os bocais do fogão, anel por anel.
Somos cheios de amido, meus branquinhos camaradas.
Crescemos. Dói no início. Línguas rubras dirão a lição.
Mãe dos besouros, só peço que abras o punho:
Voarei pela boca das velas qual mariposa não-tostada.
Devolve minha forma. Estou pronta para interpretar os dias
Em que fiz par com a poeira à sombra de uma pedra.
Meus tornozelos brilham. O brilho ascende às minhas coxas.
Eu estou perdida, perdida, nos meandros de toda esta luz.
7. As Pedras
Esta é a cidade onde se remendam os homens.
Eu deito sobre uma grande bigorna.
A achatada abóbada azul
Voou feito o chapéu duma boneca
Quando eu caí fora da luz. Ingressei
No estômago da indiferença, armário sem fala.
A mãe dos pilões me reduziu.
Tornei-me um grânulo tranquilo.
As pedras da barriga eram pacíficas,
A pedra-chefe quieta, nada a chacoalhava.
Somente a boca-buraco flauteava,
Grilo impertinente
Numa pedreira de silêncios.
O povo da cidade ouviu.
Caçaram as pedras, taciturnas e apartadas,
A boca-barriga gritando aonde estavam.
Ébria como um feto
Eu sugo as papinhas da escuridão.
Tubos de alimento me envolvem. Esponjas lambem-me os liquens.
O mestre-joalheiro impele seu cinzel para
Extrair um olho da pedra.
Este é o pós-inferno: eu vejo a luz.
Um vento destampa a câmara
Do ouvido, velho preocupador.
A água amolece o lábio da pederneira,
E a luz do dia dispõe sua mesmice na parede.
Os enxertadores são alegres,
Esquentando as torqueses, içando os delicados martelos.
Uma corrente agita os fios
Volt sobre volt. Categute sutura minhas fissuras.
Um operário passa carregando um torso cor-de-rosa.
Os almoxarifados estão cheios de corações.
Esta é a cidade das peças sobressalentes.
Meus membros enfaixados tem cheiro doce feito borracha.
Aqui operam cabeças, ou quaisquer pedaços.
Às sextas-feiras as criancinhas vêm
Para trocar os ganchos por mãos.
Mortos deixam os olhos para os outros.
Amor é o uniforme da minha enfermeira careca.
Amor é tendão e osso da minha praga.
O vaso, reconstruído, abriga
A rosa elusiva.
Dez dedos moldam um bojo às sombras.
Meus remendos coçam. Não há nada a fazer.
Ficarei nova em folha outra vez.
Sylvia Plathversão brasileira:
Ivan Justen Santana
terça-feira, março 17, 2009
Intermezzo onírico: desperto no cinema e lembro que me prometi a tradução de um poema...
OZYMÂNDIAS
Topei um viajante duma antiga aldeia
Que disse: Há duas pernas de pedra, sem corpo,
De pé no deserto. Perto delas, na areia,
Um rosto meio enterrado jaz, cujo torto
Lábio de escárnio e de frio orgulho alardeia
Que seu escultor tais paixões reconhecia,
As quais ainda vivem, e ali são as marcas
Que a mão tripudiava e o coração nutria.
No pedestal, palavras que sempre lembrei:
“Eu sou Ozymândias, monarca dos monarcas:
Olhai minhas obras, ó Fortes, e tremei!”
Nada mais restou: ao redor da corrosão
Do colossal destroço, nuas e sem lei,
As ermas areias se estendem na amplidão.
I. J. Santana
(decalque do original de
P. B. Shelley:)
OZYMANDIAS
I met a traveller from an antique land
Who said: Two vast and trunkless legs of stone
Stand in the desert. Near them on the sand,
Half sunk, a shatter'd visage lies, whose frown
And wrinkled lip and sneer of cold command
Tell that its sculptor well those passions read
Which yet survive, stamp'd on these lifeless things,
The hand that mock'd them and the heart that fed.
And on the pedestal these words appear:
"My name is Ozymandias, king of kings:
Look on my works, ye Mighty, and despair!"
Nothing beside remains: round the decay
Of that colossal wreck, boundless and bare,
The lone and level sands stretch far away.
Topei um viajante duma antiga aldeia
Que disse: Há duas pernas de pedra, sem corpo,
De pé no deserto. Perto delas, na areia,
Um rosto meio enterrado jaz, cujo torto
Lábio de escárnio e de frio orgulho alardeia
Que seu escultor tais paixões reconhecia,
As quais ainda vivem, e ali são as marcas
Que a mão tripudiava e o coração nutria.
No pedestal, palavras que sempre lembrei:
“Eu sou Ozymândias, monarca dos monarcas:
Olhai minhas obras, ó Fortes, e tremei!”
Nada mais restou: ao redor da corrosão
Do colossal destroço, nuas e sem lei,
As ermas areias se estendem na amplidão.
I. J. Santana
(decalque do original de
P. B. Shelley:)
OZYMANDIAS
I met a traveller from an antique land
Who said: Two vast and trunkless legs of stone
Stand in the desert. Near them on the sand,
Half sunk, a shatter'd visage lies, whose frown
And wrinkled lip and sneer of cold command
Tell that its sculptor well those passions read
Which yet survive, stamp'd on these lifeless things,
The hand that mock'd them and the heart that fed.
And on the pedestal these words appear:
"My name is Ozymandias, king of kings:
Look on my works, ye Mighty, and despair!"
Nothing beside remains: round the decay
Of that colossal wreck, boundless and bare,
The lone and level sands stretch far away.
sábado, março 14, 2009
Como foi o seu sonho? 4: oriente ao ocidente do ocidente no oriente
_
era um filme japonês:
cura e saia – céu e fêmea –
koan do cai um tanka estanca
sete sons – van gogh – bashô
mil versinhos em um só
era um filme japonês:
cura e saia – céu e fêmea –
koan do cai um tanka estanca
sete sons – van gogh – bashô
mil versinhos em um só
segunda-feira, março 09, 2009
Como foi o seu sonho? 3: Ao trair do outronho...
Ao trair do outronho, num lugar da mecha,
erra um sonhalves castresco, o tombatrilho,
quedos luvernos esverlhando o alidrilho,
abailatrava escarlacéu sedúleo – ...
Em vão eu li na láspide da catatumba:
"deixa aqui dentro toda sua esperancinha",
enquando banzos de vampirilâmpagos
amassamassacravam clécticas mnelistras...
No maio do flábil camirinto das perdas,
a minatáurea dossedice: tinha um livro –
foi um manual munido de instrepções
pra me acordar daquele pesadédalo –
e não é que deu certo?
erra um sonhalves castresco, o tombatrilho,
quedos luvernos esverlhando o alidrilho,
abailatrava escarlacéu sedúleo – ...
Em vão eu li na láspide da catatumba:
"deixa aqui dentro toda sua esperancinha",
enquando banzos de vampirilâmpagos
amassamassacravam clécticas mnelistras...
No maio do flábil camirinto das perdas,
a minatáurea dossedice: tinha um livro –
foi um manual munido de instrepções
pra me acordar daquele pesadédalo –
e não é que deu certo?
sexta-feira, março 06, 2009
SONHO DE VERDADE
(um poema feliz aniversário)
Quando vejo você vivendo de verdade,
sim, é um sonho que invade em parte a realidade,
gravando mais arte no tecido da vida,
com a dádiva mais sincera dividida
entre som, sensação, cor, perfume e sabor –
tudo que se transforma enfim em luz e em amor.
Nem a linguagem mais sublime, nem os velhos
meus versos lerdos se espalhando, escaravelhos
perdidos por pirâmides de poesia,
podem traçar ou expressar o que seria
simplesmente traçado e expresso tão bem
numa só curva do seu sorrisinho zen.
E aqui faltou apenas que você complete
a idade que atingiu (parabéns:) ______
Quando vejo você vivendo de verdade,
sim, é um sonho que invade em parte a realidade,
gravando mais arte no tecido da vida,
com a dádiva mais sincera dividida
entre som, sensação, cor, perfume e sabor –
tudo que se transforma enfim em luz e em amor.
Nem a linguagem mais sublime, nem os velhos
meus versos lerdos se espalhando, escaravelhos
perdidos por pirâmides de poesia,
podem traçar ou expressar o que seria
simplesmente traçado e expresso tão bem
numa só curva do seu sorrisinho zen.
E aqui faltou apenas que você complete
a idade que atingiu (parabéns:) ______
sexta-feira, fevereiro 27, 2009
O sonho de todos os sonhos
(um epílogo intermediário)
Hoje eu consegui –
sonhei o sonho de todos os sonhos –
mas alguém me disse lá: “Suma daqui!
O Mestre está recebendo a Irmã...”
E eu pensei “pô, nem na sonholândia
eles se livram do gerúndio”,
no entanto, ante meu rosto de pavor,
prosseguiram: “Sim, Ela, a iniludível...”
E então escutei um som de tom-tom tantã
e minha angústia terrível de ivan
me fez crer mais do que cri ser crível
e correr mais do que ainda seria corrível,
e orar ainda mais naquela hora horrível:
– ó, Sonho, soturno caçula da Morte,
permita-me perpetrar bem parcamente
um pobre poema de pequeno porte,
não que eu pense que ninguém se importe,
porém que proponha, simples e pungente,
ó, Sonho, soturno caçula da Morte:
a vida é breve, a arte é longa, a carne é fraca
mas o sonho é forte! –
Naquele instante, o sonho de todos os sonhos
(bem como agora este poema puxa-saco)
teve (tiveram) que sofrer um corte.
Hoje eu consegui –
sonhei o sonho de todos os sonhos –
mas alguém me disse lá: “Suma daqui!
O Mestre está recebendo a Irmã...”
E eu pensei “pô, nem na sonholândia
eles se livram do gerúndio”,
no entanto, ante meu rosto de pavor,
prosseguiram: “Sim, Ela, a iniludível...”
E então escutei um som de tom-tom tantã
e minha angústia terrível de ivan
me fez crer mais do que cri ser crível
e correr mais do que ainda seria corrível,
e orar ainda mais naquela hora horrível:
– ó, Sonho, soturno caçula da Morte,
permita-me perpetrar bem parcamente
um pobre poema de pequeno porte,
não que eu pense que ninguém se importe,
porém que proponha, simples e pungente,
ó, Sonho, soturno caçula da Morte:
a vida é breve, a arte é longa, a carne é fraca
mas o sonho é forte! –
Naquele instante, o sonho de todos os sonhos
(bem como agora este poema puxa-saco)
teve (tiveram) que sofrer um corte.
segunda-feira, fevereiro 23, 2009
Como foi o seu sonho? 2: Dormindo de manhã
Sonhei outro sonho,
também muito gordo:
o gosto de Goethe
sorvendo um sorvete,
os dentes de Dante,
Dalí por diante,
sorrindo satíricos
serviam Cervantes
em régias bandejas
de cérebros líricos –
e contudo veio aquele velho todavia,
arruinando até a métrica,
espantando a freguesia,
espanando a poeira mágica
do meu tempo quando,
quando os fantasmas de todas as poetas,
de Safo até Cecília,
selecionavam a trilha sonora
e palpitavam posições para a mobília.
Àquela hora
e naquele lugar,
percebi que já estava de manhã:
ainda delirava,
me achando um terrível czar,
mas ao despertar
vi que eu era só um ivan.
também muito gordo:
o gosto de Goethe
sorvendo um sorvete,
os dentes de Dante,
Dalí por diante,
sorrindo satíricos
serviam Cervantes
em régias bandejas
de cérebros líricos –
e contudo veio aquele velho todavia,
arruinando até a métrica,
espantando a freguesia,
espanando a poeira mágica
do meu tempo quando,
quando os fantasmas de todas as poetas,
de Safo até Cecília,
selecionavam a trilha sonora
e palpitavam posições para a mobília.
Àquela hora
e naquele lugar,
percebi que já estava de manhã:
ainda delirava,
me achando um terrível czar,
mas ao despertar
vi que eu era só um ivan.
O primeiro de uma série de sete - e todos os sete são na verdade um poema só (Poem for a birthday / Poema a um aniversário)
Who
Quem
The month of flowering's finished. The fruit's in,
Eaten or rotten. I am all mouth.
October's the month for storage.
O mês de floração acabou. O fruto está guardado,
Comido ou pútrido. Sou inteira uma garganta.
Outubro é o mês de armazenagem.
The shed's fusty as a mummy's stomach:
Old tools, handles and rusty tusks.
I am at home here among the dead heads.
O galpão é bolorento feito estômago de múmia:
Ferramentas velhas, manivelas e ganchos enferrujados.
Estou em casa aqui entre as cabeças mortas.
Let me sit in a flowerpot,
The spiders won't notice.
My heart is a stopped geranium.
Deixe eu me sentar num vaso de flores,
As aranhas não vão perceber.
Meu coração é um gerânio interrompido.
If only the wind would leave my lungs alone.
Dogsbody noses the petals. They bloom upside down.
They rattle like hydrangea bushes.
Se apenas o vento largasse meus pulmões em paz.
Recruta fuça as pétalas. Elas desabrocham de ponta-cabeça.
Elas chocalham como arbustos de hortênsias.
Mouldering heads console me,
Nailed to the rafters yesterday:
Inmates who don't hibernate.
Cabeças farelentas me consolam,
Pregadas nas vigas ontem:
Internas que não hibernam.
Cabbageheads: wormy purple, silver-glaze,
A dressing of mule ears, mothy pelts, but green-hearted,
Their veins white as porkfat.
Repolhos: roxos carunchosos, esmerilhados,
Um molho de orelhas híbridas, peles puídas de traça,
Mas os corações verdes, as veias brancas feito banha de porco.
O the beauty of usage!
The orange pumpkins have no eyes.
These halls are full of women who think they are birds.
Oh, a beleza da aplicabilidade!
As abóboras alaranjadas não têm olhos.
Estas salas estão cheias de mulheres que pensam ser pássaros.
This is a dull school.
I am a root, a stone, an owl pellet,
Without dreams of any sort.
Esta é uma escola estúpida.
Eu sou uma raiz, uma rocha, uma pelota de coruja,
Sem sonhos de qualquer espécie.
Mother, you are the one mouth
I would be a tongue to. Mother of otherness
Eat me. Wastebasket gaper, shadow of doorways.
Mãe, você é a única boca
À qual eu seria uma língua. Mãe da alteridade
Devore-me. Basbaque de lixo, sombra de vãos de portas.
I said: I must remember this, being small.
There were such enormous flowers,
Purple and red mouths, utterly lovely.
Eu disse: preciso recordar isso, de estar pequena.
Havia flores tão colossais,
Bocas roxas e vermelhas, totalmente adoráveis.
The hoops of blackberry stems made me cry.
Now they light me up like an electric bulb.
For weeks I can remember nothing at all.
Os arcos das hastes de amora me fizeram chorar.
Agora eles me acendem feito uma lâmpada elétrica.
Por semanas eu não consigo lembrar coisa alguma.
Sylvia Plath
Ivan Justen Santana
Quem
The month of flowering's finished. The fruit's in,
Eaten or rotten. I am all mouth.
October's the month for storage.
O mês de floração acabou. O fruto está guardado,
Comido ou pútrido. Sou inteira uma garganta.
Outubro é o mês de armazenagem.
The shed's fusty as a mummy's stomach:
Old tools, handles and rusty tusks.
I am at home here among the dead heads.
O galpão é bolorento feito estômago de múmia:
Ferramentas velhas, manivelas e ganchos enferrujados.
Estou em casa aqui entre as cabeças mortas.
Let me sit in a flowerpot,
The spiders won't notice.
My heart is a stopped geranium.
Deixe eu me sentar num vaso de flores,
As aranhas não vão perceber.
Meu coração é um gerânio interrompido.
If only the wind would leave my lungs alone.
Dogsbody noses the petals. They bloom upside down.
They rattle like hydrangea bushes.
Se apenas o vento largasse meus pulmões em paz.
Recruta fuça as pétalas. Elas desabrocham de ponta-cabeça.
Elas chocalham como arbustos de hortênsias.
Mouldering heads console me,
Nailed to the rafters yesterday:
Inmates who don't hibernate.
Cabeças farelentas me consolam,
Pregadas nas vigas ontem:
Internas que não hibernam.
Cabbageheads: wormy purple, silver-glaze,
A dressing of mule ears, mothy pelts, but green-hearted,
Their veins white as porkfat.
Repolhos: roxos carunchosos, esmerilhados,
Um molho de orelhas híbridas, peles puídas de traça,
Mas os corações verdes, as veias brancas feito banha de porco.
O the beauty of usage!
The orange pumpkins have no eyes.
These halls are full of women who think they are birds.
Oh, a beleza da aplicabilidade!
As abóboras alaranjadas não têm olhos.
Estas salas estão cheias de mulheres que pensam ser pássaros.
This is a dull school.
I am a root, a stone, an owl pellet,
Without dreams of any sort.
Esta é uma escola estúpida.
Eu sou uma raiz, uma rocha, uma pelota de coruja,
Sem sonhos de qualquer espécie.
Mother, you are the one mouth
I would be a tongue to. Mother of otherness
Eat me. Wastebasket gaper, shadow of doorways.
Mãe, você é a única boca
À qual eu seria uma língua. Mãe da alteridade
Devore-me. Basbaque de lixo, sombra de vãos de portas.
I said: I must remember this, being small.
There were such enormous flowers,
Purple and red mouths, utterly lovely.
Eu disse: preciso recordar isso, de estar pequena.
Havia flores tão colossais,
Bocas roxas e vermelhas, totalmente adoráveis.
The hoops of blackberry stems made me cry.
Now they light me up like an electric bulb.
For weeks I can remember nothing at all.
Os arcos das hastes de amora me fizeram chorar.
Agora eles me acendem feito uma lâmpada elétrica.
Por semanas eu não consigo lembrar coisa alguma.
Sylvia Plath
Ivan Justen Santana
quarta-feira, fevereiro 18, 2009
COMO FOI O SEU SONHO?
Sonhei com um sonho,
um sonho bem gordo,
redondo, balofo,
com cara de Byron
e pâncreas de Poe –
o ar de Baudelaire
roubando Rimbaud.
Porém entretanto
nenhum sonho é uma ilha –
aumentando a redondilha,
um poeta brasileiro,
miserável e banguela
veio pro sonho e falou:
– Essa rima aí é velha!
Tira o sorriso do rosto
e vem jogar gol a gol –
e o gordo: – Não vou, não tiro –
e meu sonho só acabou
com seu último suspiro.
um sonho bem gordo,
redondo, balofo,
com cara de Byron
e pâncreas de Poe –
o ar de Baudelaire
roubando Rimbaud.
Porém entretanto
nenhum sonho é uma ilha –
aumentando a redondilha,
um poeta brasileiro,
miserável e banguela
veio pro sonho e falou:
– Essa rima aí é velha!
Tira o sorriso do rosto
e vem jogar gol a gol –
e o gordo: – Não vou, não tiro –
e meu sonho só acabou
com seu último suspiro.
terça-feira, fevereiro 10, 2009
Fidji breque (com direito a tradução)
Então, eu não costumava fazer isso, mas tenho voltado a examinar o que o sitemeter diagnostica das visitas e vistos de página aqui neste humilde tugúrio.
Me agradou muito que volta e meia aparecem visitantes que ficam uns cinquenta minutos por aqui e produzem umas vinte ou mais, vá lá, peidjvíiús (page views) - gosto que não tratem o blog como um diário em que a postagem anterior passou a ser embrulho de peixe, e adoro quando surge um comentário novo numa postagem de três meses atrás.
Esses dias veio alguém de Coimbra, Portugal, e acho que foi graças a uma menção do Rodrigo Garcia Lopes em seu EstúdioRealidade -
coincidentemente, ando lendo e curtindo escritores portugueses (nominalmente, António Lobo Antunes [Os cus de Judas] e Gonçalo M. Tavares [Jerusalém] - e aliás, graças àquele, hoje li uns poemas de Ruy Belo, e saboreei-os com muito gosto).
Então, em homenagem à língua portuguesa (espera aí, deixa eu frisar uma coisa - eu gosto mais que um ou dois me leiam umas vinte ou trinta vezes, do que uns trocentos venham e me leiam uma vez só, sumindo sem deixar vestígios),
enfim, em homenagem à língua portuguesa, deixo aqui a tradução de um poema de Theodore Roethke, um vilancete meio canção de ninar para octogenários (que eu - agora corro o risco de ofender, mas vá lá de novo - que eu associo um pouco ao espírito da cultura portuguesa, um negócio assim meio "archaico" e conservador e ao mesmo tempo visionário e infantil - arre, se é que me entendem...), senão vejamos:
The Waking
A Vigília
I wake to sleep, and take my waking slow.
I feel my fate in what I cannot fear.
I learn by going where I have to go.
Minha vigília é lenta, e velo pra dormir.
Destino eu sinto no que não posso temer.
Aprendo quando vou aonde eu devo ir.
We think by feeling. What is there to know?
I hear my being dance from ear to ear.
I wake to sleep, and take my waking slow.
Pensamos ao sentir. O que é que há pra saber?
De orelha a orelha, escuto o meu ser a dançar.
Minha vigília é lenta, e velo pra dormir.
Of those so close beside me, which are you?
God bless the Ground! I shall walk softly there,
And learn by going where I have to go.
Qual é você, dentre estes, tão perto de mim?
Deus abençoe o Chão, que irei macio trilhar,
E aprender quando for aonde eu devo ir.
Light takes the Tree; but who can tell us how?
The lowly worm climbs up a winding stair;
I wake to sleep, and take my waking slow.
A Planta sofre a Luz; mas quem explica o fim?
O verme vil escala a escada em espiral;
Minha vigília é lenta, e velo pra dormir.
Great Nature has another thing to do
To you and me, so take the lively air,
And, lovely, learn by going where to go.
A Natureza tem outra coisa a cumprir
Comigo e com você; receba então este ar,
E, adorável, aprenda indo onde deve ir.
This shaking keeps me steady. I should know.
What falls away is always. And is near.
I wake to sleep, and take my waking slow.
I learn by going where I have to go.
Este tremor mantém-me firme. Sim, eu sei.
O que perece é sempre. E está perto aqui.
Minha vigília é lenta, e velo pra dormir.
Aprendo quando vou aonde eu devo ir.
Theodore Roethke (1952)
Ivan Justen Santana
Me agradou muito que volta e meia aparecem visitantes que ficam uns cinquenta minutos por aqui e produzem umas vinte ou mais, vá lá, peidjvíiús (page views) - gosto que não tratem o blog como um diário em que a postagem anterior passou a ser embrulho de peixe, e adoro quando surge um comentário novo numa postagem de três meses atrás.
Esses dias veio alguém de Coimbra, Portugal, e acho que foi graças a uma menção do Rodrigo Garcia Lopes em seu EstúdioRealidade -
coincidentemente, ando lendo e curtindo escritores portugueses (nominalmente, António Lobo Antunes [Os cus de Judas] e Gonçalo M. Tavares [Jerusalém] - e aliás, graças àquele, hoje li uns poemas de Ruy Belo, e saboreei-os com muito gosto).
Então, em homenagem à língua portuguesa (espera aí, deixa eu frisar uma coisa - eu gosto mais que um ou dois me leiam umas vinte ou trinta vezes, do que uns trocentos venham e me leiam uma vez só, sumindo sem deixar vestígios),
enfim, em homenagem à língua portuguesa, deixo aqui a tradução de um poema de Theodore Roethke, um vilancete meio canção de ninar para octogenários (que eu - agora corro o risco de ofender, mas vá lá de novo - que eu associo um pouco ao espírito da cultura portuguesa, um negócio assim meio "archaico" e conservador e ao mesmo tempo visionário e infantil - arre, se é que me entendem...), senão vejamos:
The Waking
A Vigília
I wake to sleep, and take my waking slow.
I feel my fate in what I cannot fear.
I learn by going where I have to go.
Minha vigília é lenta, e velo pra dormir.
Destino eu sinto no que não posso temer.
Aprendo quando vou aonde eu devo ir.
We think by feeling. What is there to know?
I hear my being dance from ear to ear.
I wake to sleep, and take my waking slow.
Pensamos ao sentir. O que é que há pra saber?
De orelha a orelha, escuto o meu ser a dançar.
Minha vigília é lenta, e velo pra dormir.
Of those so close beside me, which are you?
God bless the Ground! I shall walk softly there,
And learn by going where I have to go.
Qual é você, dentre estes, tão perto de mim?
Deus abençoe o Chão, que irei macio trilhar,
E aprender quando for aonde eu devo ir.
Light takes the Tree; but who can tell us how?
The lowly worm climbs up a winding stair;
I wake to sleep, and take my waking slow.
A Planta sofre a Luz; mas quem explica o fim?
O verme vil escala a escada em espiral;
Minha vigília é lenta, e velo pra dormir.
Great Nature has another thing to do
To you and me, so take the lively air,
And, lovely, learn by going where to go.
A Natureza tem outra coisa a cumprir
Comigo e com você; receba então este ar,
E, adorável, aprenda indo onde deve ir.
This shaking keeps me steady. I should know.
What falls away is always. And is near.
I wake to sleep, and take my waking slow.
I learn by going where I have to go.
Este tremor mantém-me firme. Sim, eu sei.
O que perece é sempre. E está perto aqui.
Minha vigília é lenta, e velo pra dormir.
Aprendo quando vou aonde eu devo ir.
Theodore Roethke (1952)
Ivan Justen Santana
segunda-feira, fevereiro 02, 2009
Porque hoje é dia da marmota
No limbo alegre e lúgubre da literatura,
Jorge Luis Borges rosna: "Ninguém me segura!"
e intima o velho John Milton para um páreo duro:
recitar em grego tudo que souber de Homero,
até passar toda a madruga em claro – quero
só ver:
______vai ser uma briga de Joyce no escuro...
Jorge Luis Borges rosna: "Ninguém me segura!"
e intima o velho John Milton para um páreo duro:
recitar em grego tudo que souber de Homero,
até passar toda a madruga em claro – quero
só ver:
______vai ser uma briga de Joyce no escuro...
segunda-feira, janeiro 19, 2009
Um pouso forçado em Eldorado, pensando em Poe, graças ao Pozzo...
Pois é: se não fosse o meu prezado amigo Ricardo Pozzo,
eu nem ia esboçar qualquer tchuns sobre a data de hoje:
Edgar Allan Poe assopra duzentas velinhas -
(*Boston, 19/01/1809 – †Baltimore, 07/10/1849)
então dedico ao Pozzo, que por meio de e-mail me alertou
(e a seus outros amigos) para essa fantástica efeméride,
a versão brasileira que acabei de perpetrar do pelágico poema
ELDORADO
ELDORADO
__Gaily bedight,
__A gallant knight,
In sunshine and in shadow,
__Had journeyed long,
__Singing a song,
In search of Eldorado.
Trajado galhardamente,
Um cavaleiro galante,
Sob sombra e sol saturado,
Viajara um estirão,
A cantar uma canção,
À procura do Eldorado.
__But he grew old–
__This knight so bold–
And o'er his heart a shadow
__Fell as he found
__No spot of ground
That looked like Eldorado.
Porém ele envelheceu –
Com orgulho todo seu –
Seu coração conturbado
Mergulhou em densa treva
Por não ver traço de terra
Semelhante ao Eldorado.
__And, as his strength
__Failed him at length,
He met a pilgrim shadow–
__"Shadow," said he,
__"Where can it be–
This land of Eldorado?"
Quase exausto em sua sina,
Topou sombra peregrina
Que estacou ao seu chamado –
"Sombra," indaga o cavaleiro,
"Como chego ao verdadeiro
Território do Eldorado?"
__"Over the Mountains
__Of the Moon,
Down the Valley of the Shadow,
__Ride, boldly ride,"
__The shade replied,–
"If you seek for Eldorado!"
"Sobre as Montanhas da Lua,
Que subir não se insinua,
Descerás Vale Assombrado:
Cavalga com ousadia,"
Disse a sombra fugidia,–
"Se tu buscas o Eldorado!"
Edgar Allan Poe
Ivan Justen Santana
eu nem ia esboçar qualquer tchuns sobre a data de hoje:
Edgar Allan Poe assopra duzentas velinhas -
(*Boston, 19/01/1809 – †Baltimore, 07/10/1849)
então dedico ao Pozzo, que por meio de e-mail me alertou
(e a seus outros amigos) para essa fantástica efeméride,
a versão brasileira que acabei de perpetrar do pelágico poema
ELDORADO
ELDORADO
__Gaily bedight,
__A gallant knight,
In sunshine and in shadow,
__Had journeyed long,
__Singing a song,
In search of Eldorado.
Trajado galhardamente,
Um cavaleiro galante,
Sob sombra e sol saturado,
Viajara um estirão,
A cantar uma canção,
À procura do Eldorado.
__But he grew old–
__This knight so bold–
And o'er his heart a shadow
__Fell as he found
__No spot of ground
That looked like Eldorado.
Porém ele envelheceu –
Com orgulho todo seu –
Seu coração conturbado
Mergulhou em densa treva
Por não ver traço de terra
Semelhante ao Eldorado.
__And, as his strength
__Failed him at length,
He met a pilgrim shadow–
__"Shadow," said he,
__"Where can it be–
This land of Eldorado?"
Quase exausto em sua sina,
Topou sombra peregrina
Que estacou ao seu chamado –
"Sombra," indaga o cavaleiro,
"Como chego ao verdadeiro
Território do Eldorado?"
__"Over the Mountains
__Of the Moon,
Down the Valley of the Shadow,
__Ride, boldly ride,"
__The shade replied,–
"If you seek for Eldorado!"
"Sobre as Montanhas da Lua,
Que subir não se insinua,
Descerás Vale Assombrado:
Cavalga com ousadia,"
Disse a sombra fugidia,–
"Se tu buscas o Eldorado!"
Edgar Allan Poe
Ivan Justen Santana
terça-feira, janeiro 06, 2009
Este dia seis é dia de reis e já faz mais de um mês que... enfim, eis um presente pra vocês:
A COISA MAIS COMPLICADA DO MUNDO
A coisa mais complicada do mundo
é um verso simplissimamente simples:
o paralelo século e segundo
a separar alguma rima assim, impres-
sionante, ante tamanha má vontade
da minha parte com a eternidade.
Tá: a teta do cacófato foi feia,
mas mesmo o bom Camões em alma minha
gentil partiu o peito e abriu a veia
pra não deixar a lira ali sozinha –
e aqui saiu outro poema torto, tonto:
se alguém se importa eu nem me importo e pronto.
A coisa mais complicada do mundo
é um verso simplissimamente simples:
o paralelo século e segundo
a separar alguma rima assim, impres-
sionante, ante tamanha má vontade
da minha parte com a eternidade.
Tá: a teta do cacófato foi feia,
mas mesmo o bom Camões em alma minha
gentil partiu o peito e abriu a veia
pra não deixar a lira ali sozinha –
e aqui saiu outro poema torto, tonto:
se alguém se importa eu nem me importo e pronto.
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